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Vem aí o Fórum de São Paulo, palco de debates sobre os rumos da esquerda
O 26º Encontro do Fórum de São Paulo deverá ser um momento de afirmação da esquerda latino-americana e caribenha, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho (*) – Nos dias 29 e 30 de junho e 1 e 2 de julho, terá lugar em Brasília o 26º Encontro do Fórum de São Paulo. Será uma grande reunião em que são aguardados representantes dos 124 partidos membros de toda a região latino-americana e caribenha e dezenas de observadores de partidos amigos da Europa, África e Ásia, entre eles relevantes partidos que estão à frente de governos e Estados nacionais.
A reunião de Brasília – o 5º Encontro do Fórum de São Paulo que se realiza no Brasil nos 33 anos desde sua fundação – será um palco privilegiado de debates sobre a conjuntura política mundial e regional, de análise sobre o mundo turbulento, cambiante e desafiador. É aguardada com grande expectativa a posição da maior articulação de partidos políticos do mundo sobre as tensões mundiais, designadamente a guerra na Ucrânia, mas não só. Fenômenos como a militarização do planeta, com quase um milhar de bases estadunidenses espalhadas pelo mundo, a expansão da Otan, o surgimento de novas alianças entre grandes potências, como o Aukus (Austrália, Reino Unido e Estados Unidos), a ofensiva estadunidense contra a China no Estreito de Taiwan, os conflitos no Oriente Médio, as disputas em torno do Mar do Sul da China poderão estar em foco nos grupos de discussão e plenárias. Os partidos políticos da América Latina e Caribe também terão muito a dizer sobre a crise do sistema capitalista, os impasses na aplicação dos planos neoliberais e a emergência do mundo multipolar.
A nova conjuntura política latino-americana também estará no centro das atenções do Fórum de São Paulo. Em destaque a grande vitória política das forças progressistas brasileiras, com a eleição do presidente Lula, após duro embate contra o regime da extrema-direita que governou o Brasil de 2019 até o final de 2022.
Sobre a base dessas análises, os partidos políticos latino-americanos e caribenhos farão intercâmbio de opiniões para elevar o nível das ações coordenadas no novo momento histórico.
O 26º Encontro do Fórum de São Paulo deverá marcar mais um momento do amadurecimento da esquerda latino-americana e caribenha, em meio a uma correlação de forças complexa e difícil. Será salutar se, como sempre, se realizarem acalorados e produtivos embates políticos e ideológicos, preservando a unidade de ação. Com métodos justos adquiridos em uma vívida e aturada experiência política, tais debates têm o dom de produzir elevados consensos e fortalecer a unidade em torno das características essenciais do Fórum como uma articulação de esquerda anti-imperialista, democrática, patriótica, em luta pelos direitos dos povos, a soberania nacional, a integração regional, a paz mundial e pelo socialismo nas condições peculiares da época e resguardadas as situações nacionais específicas.
Foi no ambiente do Fórum de São Paulo que amadureceram forças políticas e lideranças populares que venceram eleições presidenciais e protagonizaram importantes transformações políticas, econômicas e sociais na América Latina.
Nos 25 encontros anteriores sedimentaram-se as plataformas antineoliberais que se tornaram a base dos programas táticos e eleitorais vitoriosos dos partidos de esquerda e coalizões progressistas. Isto deu condições ao Fórum de São Paulo para coordenar o respaldo político regional e internacional aos governos progressistas latino-americanos e caribenhos e lutar por novas vitórias
O Fórum de São Paulo reúne as condições para seguir fortalecendo e desenvolvendo a inteligência coletiva da esquerda latino-americana. Suas credenciais aumentam quando se constata que criou um novo ambiente, um novo marco, um novo paradigma no desenvolvimento das relações entre os partidos políticos progressistas da América Latina e Caribe.
Por isso, o Fórum de São Paulo é o ambiente mais propício ao debate político e ideológico que se manifestou nos últimos dias com estridência e distorções por meio da mídia comercial. A realização da Cúpula de Brasília ensejou o debate sobre o caráter das forças de esquerda da América Latina. Os meios de comunicação ditos “profissionais”, mas que na verdade são usinas de fake news em busca de mais dinheiro para financiar sua atividade antidemocrática, lançaram as piores diatribes contra o líder bolivariano Nicolás Maduro, personificação do que chamam de “esquerda bolorenta”, categoria na qual incluem também a Nicarágua sandinista e Cuba socialista. O presidente Lula não escapou dos xingamentos e também foi catalogado como integrante do suposto grupo ultrapassado.
Ao mesmo tempo que lançavam anátemas contra a esquerda revolucionária, os fabricantes de mentiras elegeram seu novo herói – o presidente chileno Gabriel Boric. Infelizmente, a América Latina e o mundo têm observado como se esbateu e descoloriu o verniz de esquerda do líder egresso das lutas estudantis catapultado ao governo chileno há menos de dois anos. Já na campanha eleitoral, o candidato procurou esmerar-se em porta-voz da solerte campanha imperialista contra países revolucionários latino-americanos e, depois de acomodado no Palácio La Moneda, em confabular com o Departamento de Estado dos EUA e chancelarias europeias para atacar o presidente russo, afagar o neofascista Zelensky e hostilizar governos revolucionários da América Latina. De voz cantante de protestos de rua, o novel presidente se transformou em tempo recorde numa espécie de enfant gâté de potências imperialistas.
Não o criticamos pelas duras derrotas políticas do seu governo. Nisso pesam fatores diversos, desde a inexperiência do mandatário até a desfavorável correlação de forças e a virulência da direita e extrema-direita, pelo que, decerto, ele merece a solidariedade das forças consequentes da esquerda. O foco aqui é destacar o seu trânsito para uma opção ideológica francamente contrária aos ideais revolucionários e socialistas e a adoção de uma posição política de “esquerda” cirandeira, complacente e acomodatícia à pressão da ideologia burguesa.
É pertinente o debate, porquanto o fenômeno não é estranho às forças de esquerda brasileiras. Aqui também se multiplicam correntes políticas e individualidades que, a pretexto de modernidade, cobrem-se de opróbrio, vendendo convicções em troca da exposição em holofotes e de cinco minutos de glória no exercício de uma fátua atuação como “influencers” e “celebridades”. Não são poucos os episódios em que barões provinciais, primadonas e lideranças produzidas artificialmente trocam de partidos da maneira mais trêfega ou buscam afirmar suas identidades eleitorais por meio dos mais esdrúxulos expedientes.
Espera-se que o 26º Encontro do Fórum de São Paulo honre a tradição de fomentar o bom debate e assegurar a unidade da esquerda na diversidade.