Opinião
Uma Itália soberanista sem soberania
Por Manlio Dinucci (*)
O turbilhão politico-midiático levantado pelo choque entre “europeístas” “soberanistas” esconde o que, ao contrário, é a realidade: um europeísmo sem Europa e um soberanismo sem soberania.
Quem está levantando de modo instrumental a bandeira do europeísmo é neste momento o presidente Macron, para fazer avançar o poderio fancês não só na Europa mas também na África.
A França, promotora com os Estados Unidos da guerra da Otan que em 2011 destruiu o Estado líbio (na qual a Itália desempenhou um papel de primeiro plano), busca por todos os meios controlar a Líbia: os seus ricos recursos – enormes reservas de petróleo, gás natural, água fóssil – e o próprio território líbio, de grande importância geostratégica.
Com tal finalidade, Macron apoia as milícias que combatem o “governo” de Fayez al-Serraj, apoiado pela Itália que, com a ENI (empresa nacional de hidrocarburantes), mantém grandes intereses no país.
Este é apenas um dos exemplos de como a União Europeia, fundada sobre os interesses da oligarquia econômica e financeira das maiores potências, está desmoronando devido a contradições de natureza econômica e politica, das quais a questão dos migrantes é apenas a ponta do iceberg.
Diante do predomínio da França e da Alemanha, o governo da coalizão Cinco Estrelas-Liga fez uma escolha precisa: aumentar o peso da Itália ligando-a ainda mais estreitamente aos Estados Unidos. Daí o encontro do presidente Conte com o presidente Trump, ao qual a mídia italiana deu pouco relevo. Mas naquele encontro foram tomadas decisões que influem notavelmente sobre o posicionamento internacional da Itália.
Em primeiro lugar, decidiu-se criar “uma cabine de controle permanente Itália-EUA no Mediterrâneo expandido”, ou seja, na área que, na estratégia EUA-Otan, se estende do Atlântico ao Mar Negro e, ao sul, até o Golfo Pérsico e ao Oceano Índico. A direção na realidade está em mãos dos EUA, especificamente do Pentágono, enquanto a Itália espera alguma tarefa secundária de assistente de direção e genericamente o papel de comparsa.
Segundo Conte, ao contrário, “é uma cooperação estratégica, quase uma geminação, em virtude da qual a Itália torna-se um ponto de referência na Europa e interlocutor privilegiado dos Estados Unidos para o principal desafio a enfrentar”. Anuncia-se, assim, um ulterior reforço da “cooperação estratégica” com os Estados Unidos, ou seja, do papel “privilegiado” da Itália como ponta de lança das forças estadunidenses, inclusive as nucleares, seja rumo ao Sul, seja ao Leste.
“A administração estadunidense reconhece à Itália um papel de liderança como país promotor da estabilização da Líbia”, declara Conte, anunciando implicitamente que a Itália, e não a França (menos confiável aos olhos de Washington), recebeu da Casa Branca o encargo de “estabilizar” a Líbia. Trata-se de ver como.
A Conferência Internacional sobre a Líbia, que deverá ocorrer na Itália no outono não será suficiente antes das “eleições” líbias patrocinadas pela França, que devem ser realizadas em dezembro. O lado italiano precisará de um engajamento militar diretamente no terreno, com custos humanos e materiais e resultados imprevisíveis.
Portanto, a escolha “soberanista” do governo Conte reduz ulteriormente a soberania nacional, tornando a Itália ainda mais dependente do que se decide em Washington, não só na Casa Branca, mas no Pentágono e na Comunidade de Inteligência, composta por 17 agências federais especializadas em espionagem e operações secretas.
A verdadeira escolha soberanista é a aplicação real do princípio constitucional de que a Itália repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais.
(*) Jornalista e geógrafo; texto publicado originalmente em Il Manifesto; tradução de José Reinaldo Carvalho, para o Resistência