Opinião
Rodrigo Maia capitula ao lobby sionista
O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho (*) critica a capitulação do presidente da Câmara dos Deputados ao lobby sionista, ao cancelar uma atividade oficial em homenagem ao Dia Mundial de Jerusalém
O presidente da Câmara dos Deputados , Rodrigo Maia (DEM-RJ) cancelou uma solenidade oficialmente marcada para homenagear uma data magna das comunidades árabe e islâmica: o Dia Mundial de Jerusalém.
Ao fazê-lo, comete erro grave, ainda mais quando pretende transplantar para o campo das relações entre povos os métodos que utiliza à frente da casa legislativa brasileira. Uma casa, aliás, bastante desmoralizada internacionalmente desde que foi palco da deprimente sessão de 17 de abril de 2016 sob a direção de seu antecessor Eduardo Cunha, onde até apologia ao crime de tortura se fez.
O deputado do DEM apresenta justificativas falsas para decisões desagradáveis, julgando que o engodo convenceria a parte prejudicada. Se isto funciona quando trata com seus pares, ao contrário, com entidades estrangeiras o efeito é deletério, pois desagrada ainda mais. Com as forças direitistas que o apoiam e veem nele a encarnação do liberal democrata defensor da independência do Legislativo, Maia pode agir assim, porquanto sempre dá em troca “cala-bocas” na forma de prebendas e pequenas vantagens: representações, participação em comitivas ao exterior, pequenas sinecuras etc. Mas com representações de países estrangeiros isto não cola. Ao contrário, revela um traço de caráter das instituições que cada vez mais conspurca o sistema político brasileiro e deteriora sua imagem.
Na sexta-feira (7), com o convite já impresso e circulando para uma homenagem programada para a próxima quarta-feira ao Dia Mundial de Jerusalém, a Câmara anunciou o cancelamento da atividade em que o Legislativo brasileiro faria uma justa homenagem a uma data magna no calendário da comunidade árabe e muçulmana. A justificativa para o cancelamento é de uma falsidade palmar. No convite está grafada a palavra Al Quds, tradução árabe de Jerusalém. Sob o pretexto de que não quer promover um evento com qualquer conotação de disputa entre árabes e judeus, Maia mandou, em decisão discricionária, cancelar o evento.
Não creio que o presidente da Câmara dos Deputados, um neoliberal e conservador bem envernizado, seja desinformado ou que não tenha a seu dispor uma assessoria capaz de o munir de elementos para tomar decisões com base em argumentos consistentes.
A guerra do Estado agressivo, genocida, usurpador e colonialista encravado no Oriente Médio e liderado pelo sionismo ideológico e geopolítico fundamentalista contra os povos árabes, nomeadamente o palestino, não é um conflito religioso entre judeus e árabes. É uma luta política, uma guerra de ocupação, um conjunto e uma sucessão de ações coordenadas entre o Estado sionista e o imperialismo estadunidense visando ao exercício de um domínio territorial, ligado a interesses econômicos e políticos. O povo palestino paga o preço sob a forma de martírio, negação de direitos e gradual extermínio.
O status de Jerusalém, como chamamos, ou Al Quds, na designação árabe, é um símbolo da luta desigual entre o sionismo ideológico e geopolítico e o povo palestino. O que está em jogo não é uma denominação, mas o conceito de a que país corresponde a Cidade Santa, o que no fundo se relaciona com a decisão de criar ou não o Estado palestino independente, com capital em Jerusalém Oriental.
Os sionistas que fundaram um Estado usurpador e agressor no Oriente Médio, uma entidade que pratica toda a sorte de ações terroristas contra o povo palestino, entre outros atos de lesa-humanidade, proclamaram Jerusalém como seu território e em desafio ao Direito Internacional, instam aliados como o presidente dos Estados Unidos, o presidente de extrema-direita do Brasil e outros governos proto-fascistas ou neofascistas mundo afora a transferirem para Jerusalém as suas representações comerciais e /ou diplomáticas, numa flagrante violação do Direito Internacional.
O Dia de Jerusalém foi comemorado em todo o mundo pelos países árabes e as comunidades muçulmanas na última sexta-feira do mês sagrado de Ramadã, no dia 31 de maio. No Brasil houve várias solenidades, destacadamente a organizada pela Associação Beneficente Islâmica do Brasil, em São Paulo, com a presença de lideranças religiosas e laicas, entre estas representantes consulares, de movimentos sociais e partidos de esquerda como o PCdoB e o PSOL.
O recuo de Maia quanto à solenidade que seria realizada na Câmara é uma evidente capitulação ao lobby sionista, fortíssimo no Brasil, exercida por meio de entidades que se dedicam a infiltrar-se nas instituições políticas, inclusive partidos progressistas e de esquerda, para patrulhar e destruir atividades de solidariedade à luta dos povos árabes e especificamente o palestino. São escoladas na cooptação de políticos e meios de comunicação, financiam candidaturas e elegem deputados, senadores, prefeitos e governadores que põem a seu serviço. No caso atual, têm no presidente da República um dos seus.
A atitude do presidente da Câmara é mais grave no atual contexto político do país. O governo de extrema-direita no poder é um lobista escancarado do sionismo. O titular do Executivo proclamou o líder sionista e mais ativo perseguidor do povo palestino como um aliado privilegiado, prejudicando até mesmo as exportações do país. Escalou um dos membros do seu clã para presidir uma comissão estratégica da Câmara a fim de conduzir pelos porões em que trafegam a direita nacional e internacional os rumos da política externa brasileira. Ainda que postergada, a decisão de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Al Quds ainda não foi revogada. Nem será, enquanto a extrema-direita controlar o Palácio do Planalto, o Itamaraty e a Comissão de Relações Exteriores da Câmara que Maia preside.
Sua Excelência cancelou a celebração do Dia Mundial de Al Quds invocando isenção, mas é sempre bom lembrar que a anexação de toda Al Quds, incluindo sua parte Oriental é considerada ilegal pela ONU. O organismo mundial aprovou uma resolução que oficializa a retirada das embaixadas estrangeiras de Jerusalém. Neste caso, a verdadeira isenção está no respeito à norma do Direito Internacional, não nas imposições inaceitáveis do lobby sionista.
Diplomaticamente, a vasta e fraterna comunidade árabe e muçulmana que vive em comunhão com o povo brasileiro deve ter anotado a atitude e o argumento de sua Excelência. Certamente tomou nota também da promessa de realizar outra homenagem, com conotação diversa. Contudo, como é óbvio, não engoliu a esfarrapada desculpa usada para encobrir a vergonhosa capitulação à pressão do sionismo agressivo, de conotações geopolíticas e ideológicas, tão nocivo aos interesses nacionais brasileiros.
Como brasileiro solidário com as lutas pela emancipação nacional dos povos oprimidos, mesmo sendo um opositor a Rodrigo Maia e toda a direita de que ele faz parte, vou imbuir-me dos preceitos de tolerância e paz das fraternas comunidades árabe e muçulmana e alimentar a expectativa de que o presidente da Câmara corrija o ato de submissão aos sionistas e realize uma solenidade à altura da dignidade do Brasil e dos seus compromissos internacionais.
(*) Jornalista, editor da página da Resistência, integrante do projeto Jornalistas pela Democracia e diretor do Cebrapaz