Opinião

Retórica do clã torna o Brasil vulnerável no mundo

14/12/2018

Por José Reinaldo Carvalho (*)

Nicolás Maduro não fez uma bravata quando denunciou os atos de ingerência e ameaças de intervenção do assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton. É preciso levá-los a sério, como também os alertas sobre os elos existentes entre esse representante dos falcões do imperialismo estadunidense e a direita latino-americana, nomeadamente o governo colombiano e o presidente eleito do Brasil.

Em boa hora, o líder bolivariano, ao mesmo tempo que alçou a voz na defesa da legitimidade de seu governo e da soberania de seu país, chamou a atenção do Brasil e seus vizinhos para algo que muitas vezes permanece oculto pela pujança e força do gigante do cruzeiro do sul: a vulnerabilidade ou a potência relativa do nosso país.

Por paradoxal que possa parecer, é isso também que transparece do evento realizado na cidade de Foz do Iguaçu, a chamada Cúpula Conservadora das Américas, uma articulação da extrema-direita regional, em que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, excedeu-se em ameaças à Venezuela, Nicarágua e Cuba, num discurso tão delirante quanto revelador de ignorância das normas do Direito Internacional. Bolsonaro filho chegou ao ponto de sugerir que o Brasil seja a sede de um tribunal para julgar autoridades desses países. Cúmulo da desonra para uma nação cujo prestígio que desfruta no mundo está ligado – para além de sua nova civilização, cultura palpitante, modo de vida despojado e imensas riquezas – ao fato de que à exceção do genocídio que perpetrou contra uma nação irmã, o Paraguai, no século XIX, e da infame participação numa intervenção ianque contra a República Dominicana no período inicial da ditadura militar, o Brasil tem por norma a defesa da paz, o respeito à autodeterminação de outros povos e nações, a solução mediante o diálogo dos conflitos internacionais e o estrito apego às normas do direito internacional. O arroubo bolsonariano subtrai esta força obtida e temperada na trajetória nacional e vulnera as posições do País.

Seria desastroso para o Brasil converter-se nessa pretendida sede mundial ou regional da direita internacional, algo totalmente estranho que jamais ocorreu em outra época da história nacional, nem sequer durante a ditadura militar. Não há a menor dúvida de que um País que sempre se distinguiu no concerto mundial como uma nação amiga, passaria a ser catalogada como inimigo e hostilizado.

É preocupante que o próprio presidente eleito tenha felicitado a iniciativa, e considerado sua eleição como “uma resposta aos estragos” que em os governos progressistas causaram “em todos os lugares, em especial na Venezuela”. “Este é o momento de propor novos caminhos e a Cúpula Conservadora das Américas representa esse desejo”, disse Jair Bolsonaro.

Esse tipo de declaração é uma provocação contra países soberanos e amigos, por isso mesmo é inaceitável. O povo brasileiro não quer que o País se torne um gendarme internacional na América Latina a serviço do imperialismo estadunidense, porquanto isto é perigoso não somente por afastar o Brasil de uma orientação pacifista e de integração regional voltada para o desenvolvimento compartilhado, mas também revela uma análise tosca, ao considerar equivocadamente os países citados como Estados débeis, sem amigos, aliados e respaldo internacional.

Ao comprometer tanto a imagem do País no exterior e gerar instabilidade nas relações diplomáticas e comerciais, a catilinária do clã Bolsonaro provoca contradições no próprio seio da equipe que entrará em funções governamentais dentro de duas semanas. Os militares, por exemplo, afeitos aos assuntos geopolíticos, dominando as artes da ofensiva, defensiva e dissuasão, sabem que o Brasil não pode nem deve envolver-se em aventuras. O momento mundial, as tendências da época e mesmo a correlação de força interna desaconselham a ultrapassagem de certos limites. O intervencionismo militar não é consensual na área diplomática nem na castrense.

Assim, um dos desafios da oposição no novo ciclo político será entrelaçar as bandeiras democráticas e populares com a frente externa. Mais do que nunca estará na ordem do dia a luta pela paz e anti-imperialista, para o que será indispensável a unidade das forças progressistas da região e o exercício da diplomacia entre povos.

(*) Jornalista, editor de Resistência, diretor do Cebrapaz e integrante do projeto Jornalistas pela Democracia

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