China

Relação entre Partido e Estado na China é engenharia social avançada

06/07/2021

A hegemonia política do Partido Comunista da China é baseada em um pacto de adesão entre Partido, Estado e sociedade em torno do socialismo com características chinesas

Por Melissa Cambuhy (*) 

A imagem do Partido Comunista da China (PCCh) como uma monstruosidade que espalha seus tentáculos dominando um país, de todas as formas e em todos os aspectos da vida econômica e social, é uma incompreensão .

Olhar para o PCCh enquanto uma externalidade autoritária que, a contragosto de seu povo e seus interesses nacionais, o domina e coage é chave de análise que mina a possibilidade de compreensão da complexidade envolta na conformação e consolidação de um poder político.

Ruim para a China, mas péssimo para nós brasileiros que vivemos às voltas com a mesma incompreensão sobre nós mesmos, que hoje se materializa no questionamento de como um genocida chegou ao poder.

No caso da China, a falta de visão de processo histórico turva o principal fator da constituição e manutenção, por sete décadas, da hegemonia do poder político pelo PCCh: brota do chão da realidade concreta do Império do Meio, não se trata de mera externalidade daquele processo. Trata-se de um aparato partidário que, diante da insuficiência do poder político estabelecido entre 1921 e 1949 para realizar as demandas seculares por libertação nacional e desenvolvimento econômico do povo chinês, emerge em adequação contínua do marxismo àquela sociedade milenar.

Não existe desenvolvimento nacional sem coesão política e social, máxima que na China se expressa em um pacto de adesão em que se trançam Partido, Estado e sociedade que se pratica no sistema político de cooperação multipartidária entre uma frente política composta por oito partidos políticos e uma série de movimentos de massa. Ao meu ver, na engenharia social mais avançada que a contemporaneidade já produziu, e que desafia os limites públicos e notórios da democracia burguesa ocidental.

A tese dos tentáculos torna-se ainda mais deficitária se defrontada com as raízes do confucionismo e do “mandato do céus” que alicerçam o senso de legitimidade política do povo chinês, pautado pela competência, experiência e pelo que na vida real aquele governo provê ao seu povo.

Confúcio certa vez advertiu os governantes chineses: “a água pode carregar um barco, mas também pode destruí-lo”.  Pesquisa de Harvard de duração de 16 anos com conclusão em 2019, mostra que mais de 93% do povo chinês legitima e aprova a liderança do Partido Comunista Chinês em nível nacional.

Concluímos que a hegemonia política do Partido Comunista da China é baseada em um pacto de adesão entre Partido, Estado e sociedade em torno do socialismo com características chinesas. Este há sete décadas garante a coesão política, um dos fatores que permitiu ao país sair da posição de 11º país mais pobre do mundo, em 1949, para a 2ª maior economia desde 2010.

Interessante pontuar o caráter deste pacto social que é baseado no interesse coletivo, e que foi central para o êxito em políticas como a de erradicação da extrema pobreza que retirou mais de 853 milhões cidadãos da fome, e no combate à covid-19.

Todas as organizações empresariais, sociais com três membros do Partido ou mais devem estabelecer uma célula de base. Em 2018 mais de 73% das empresas privadas já contavam com células, o que tem criado uma forma histórica de controle, pelo poder político estabelecido, de dominância e fiscalização da dimensão produtiva chinesa.

No combate à pandemia, os 95 milhões de membros do Partido Comunista e as cerca de 5 milhões de organizações partidárias de base, com capilaridade em 99% do território chinês, ajudaram a moldar e executar a ação pública em combate ao vírus.

Mais de 39 milhões de membros do PCCh estiveram na linha de frente e mais de 13 milhões estiveram em serviço voluntário.

Interessante destacar também que houve tentativa de arranjos ocidentais no sistema político chinês nos primeiros anos da República da China (1912-1949), em que se adotou o sistema parlamentarista.

De 1912, quando o primeiro gabinete foi estabelecido, até 1928, o chefe de Estado foi substituído 10 vezes e o primeiro-ministro 59 vezes, e o gabinete foi reorganizado 45 vezes. O mandato mais longo foi de menos de um ano, o mais curto foi de menos de um dia.

O sistema político e o arranjo institucional adequado para um povo é aquele alicerçado em seu processo histórico e condições concretas. E principalmente, que funcione, afinal não há desenvolvimento nacional sem coesão política em torno de um projeto que unifique e direcione esforços para esta árdua tarefa.

Na China isso se tornou possível através da Revolução Popular-Socialista, em 1949, e desde então pela liderança do PCCh.

 

Referências Bibliográficas:

Cunningham, Edward, Tony Saich, and Jessie Turiel. 2020. Understanding CCP Resilience: Surveying Chinese Public Opinion Through Time. Ash Center for Democratic Governance and Innovation. Disponível em https://ash.harvard.edu/publications/understanding-ccp-resilience-surveying-chinese-public-opinion-through-time?admin_panel=1&utm_campaign=China_Public_Opinion_Survey&utm_medium=socialmedia&utm_source=ashtwitter

The State Council Information Office of the People’s Republic of China. China’s Political Party System: Cooperation and Consultation. Disponível em http://enapp.globaltimes.cn/#/article/1227081

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(*) Melissa Cambuhy é graduada em Direito, com ênfase em Direito e Desenvolvimento. Mestra em Direito Político e Econômico, e doutoranda em Relações Internacionais pela UERJ. Professora e pesquisadora das mediações entre Economia, Estado e Direito, com foco no processo de desenvolvimento nacional chinês. Pesquisadora do Instituto Ásia (UFPE) e Núcleo de Estudos Brasil-China (FGV-Rio)

 

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