Opinião

Por que a narrativa liberal condena a Resistência Palestina?

16/10/2023

Por Xavier Villar, no HispanTV – Neste artigo, tentaremos explicar, de maneira crítica, a narrativa liberal em relação à Resistência Palestina.

Em termos gerais, pode-se dizer que essa narrativa condena qualquer forma de resposta dos palestinos contra o regime colonial sionista. Um exemplo dessa narrativa pode ser encontrado no comunicado publicado há alguns dias, logo após a operação do Hamas, pelo ex-candidato presidencial dos Estados Unidos, Bernie Sanders, considerado por muitos como a voz mais progressista dentro do espectro político desse país. No referido comunicado, Sanders explicava que a situação de injustiça na Palestina estava sendo denunciada por “muitas instituições e pessoas”, mas tudo isso foi interrompido “pelo assalto terrorista do Hamas” que “pôs fim a qualquer possibilidade de uma resolução justa para o povo palestino”.

O primeiro mito em que se baseia a narrativa liberal sobre a Palestina é a negação do momento inicial da violência, que é a instauração do regime colonial sionista em 1948. Evidentemente, não foi um único momento isolado de violência, mas um episódio que se repete de maneira constante e diária. Sem levar em conta esse momento inicial e sua iteração diária, é impossível compreender a violência conjuntural palestina. O mito liberal se baseia na omissão desse momento inicial e se concentra, como neste caso, na operação do Hamas, que, a partir dessa narrativa, é percebida como uma “violência gratuita e totalmente irracional”. Em outras palavras, uma vez que se ignora a violência estrutural sionista, cada ato de resistência palestina é interpretado como o ato inicial de violência.

O segundo mito em que se fundamenta a narrativa liberal é a falta de uma análise sobre o racismo da situação. Desde o início, os sionistas estabeleceram uma divisão ontológica entre israelenses e palestinos, o que se manifesta em uma separação entre cidadãos considerados humanos e aqueles considerados não humanos. As palavras do atual ministro da defesa sionista, Yoav Gallant, ao descrever os palestinos como “animais”, servem como exemplo dessa visão racista que molda o projeto colonial. Portanto, não é possível analisar a Palestina e a resposta dos palestinos sem considerar a estrutura racista-colonial sionista.

Um terceiro mito liberal é o que é conhecido como “culpabilizar a vítima”. Dessa perspectiva, espera-se que a vítima seja “perfeita” para receber o apoio da opinião liberal. No momento em que a vítima decide agir e deixar de ser passiva, surgem as críticas e condenações. A vítima perfeita deve ser aquela que carece da capacidade real de exercer ação para alterar o status quo político e, de qualquer forma, deve ser considerada “respeitável” de acordo com os padrões políticos liberais. Portanto, pode-se afirmar que o que o liberalismo busca nessa “vítima perfeita” é manter sua romantização constante dentro de uma passividade absoluta.

Essa perspectiva é antipolítica, pois nega a possibilidade de mudar o status da vítima e a confina a um estado perpétuo de opressão sem nenhuma oportunidade de modificá-lo. De maneira perversa, a “vítima perfeita” se transforma em “opressor” no momento em que age. Como visto no caso palestino. Isso deve ser entendido como uma resposta originada pela ansiedade branca e sua resistência em aceitar a descentralização do Ocidente e a brancura como pontos nodais discursivos universais. Em outras palavras, pode-se oferecer apoio às vítimas, desde que não questionem os fundamentos discursivos ocidentais. No entanto, isso não se aplica à situação na Palestina. Nesse sentido, é importante destacar que focar em apontar as supostas “imperfeições” das vítimas palestinas equivale a ser cúmplice da dominação colonial sionista.

O quarto mito em que se baseia a narrativa liberal é o mito da ilegitimidade da resistência armada frente ao regime colonial sionista. Dessa perspectiva, não se leva em conta que o Hamas foi fundado em 1987, 20 anos após a ocupação de Gaza e da Cisjordânia, e 40 anos após a colonização sionista de 1948. Além disso, omite-se o fato de que a resposta pacífica e colaboradora da Autoridade Palestina, especialmente do atual presidente, Mahmud Abbas, não conseguiu pôr fim à política de exclusão racial nem à expansão ilegal sionista. Por fim, é interessante observar um tipo de mito que perdeu força e que, de alguma forma, também fazia parte do discurso liberal. O fato de Israel depender do porta-aviões mais avançado tecnologicamente dos Estados Unidos para se defender dos ataques do chamado “Eixo de Resistência” tem minado qualquer vestígio de dissuasão por parte do Estado sionista. A mensagem transmitida por esse desdobramento estadunidense é que a Entidade Sionista não pode enfrentar o Hamas e o restante dos membros do Eixo de Resistência, em particular o Hezbollah, sem a ajuda dos Estados Unidos.

Por tudo isso, pode-se afirmar que o que aconteceu em Gaza e na Palestina Ocupada é, de uma perspectiva política, uma revolta anticolonial expressa na linguagem islâmica. É precisamente por esse motivo que a abordagem liberal não pode analisar a situação além de condenar a violência “irracional” perpetrada pelo Hamas, e tampouco pode, como observado, identificar as causas de longa duração que explicam a resposta da Resistência Palestina

Compartilhe: