Europa
União Europeia quer criar uma força armada “complementar à Otan”
A proposta de criação de uma força militar de “defesa comum” na Europa, encontra uma firme oposição dos comunistas portugueses. Rui Fernandes, membro da Comissão Política Nacional do Partido Comunista Português (PCP) denuncia: “Perante uma União Europeia onde se avolumam os problemas sociais, onde milhões de pessoas estão no desemprego, onde a generalizada tendência é de corte nos apoios sociais e nos direitos dos trabalhadores, a saída (em boa verdade, uma fuga para a frente) adiantada é mais despesa militar, mais medidas de polícia, mais controle dos cidadãos”. Leia abaixo a íntegra do artigo.
Defesa da soberania e ruptura necessária
No discurso proferido sobre o estado da União Europeia, Jean-Claude Juncker propôs a criação de uma força de defesa comum e de um quartel-general europeu, acrescentando que tal passo deve ser observado como “um complemento à Otan” (sic) e, claro está, reforçados os orçamentos.
Rui Fernandes*
Tal proposta acompanha outras dinâmicas em execução, nomeadamente: a que respeita à constituição de uma Guarda Costeira e de Fronteiras da União Europeia; a ligada com a criação do Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem, inspirado no sistema norte-americano; e, ainda, medidas para o reforço das capacidades da EUROPOL, alargando o acesso às bases de dados a que hoje não acede.
A proposta referente à componente estritamente militar vem na sequência da cúpula dos países do mediterrâneo em Atenas, do que tinha sido afirmado, poucos dias antes, no encontro entre Hollande e Merkel e, por fim, “concluído” na Cúpula informal de Bratislava. Confirma tal caminho que o conceito Otan de “forças separáveis, mas não separadas” tem, também aqui, aplicação à escala de bloco.
Perante uma União Europeia onde se avolumam os problemas sociais, onde milhões de pessoas estão no desemprego, onde a generalizada tendência é de corte nos apoios sociais e nos direitos dos trabalhadores, a saída (em boa verdade, uma fuga para a frente) adiantada é mais despesa militar, mais medidas de polícia, mais controle dos cidadãos.
É certo que todo este processo não esteve, não está, nem estará isento de contradições, mas a tendência e os objetivos são claros. Numa situação marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, coloca-se-lhe a necessidade do reforço dos mecanismos e meios para impor o seu domínio. Tal rumo, se coloca, como vários exemplos o demonstram, a multiplicação de ações visando a desestabilização e a ingerência sobre estados que recusam ser, na concepção militar do termo, meros “impedidos”** do imperialismo, colocará também um crescente problema, na ótica nacional, à afirmação e desenvolvimento de uma política soberana.
Novos e sérios problemas
Uma União Europeia de “forças armadas comuns” e comando supranacional colocará a Portugal novos e sérios problemas em matéria de envolvimento externo, mas também em muitos outros domínios. É nesta dinâmica que encaixa a paulatina degradação das capacidades das forças armadas portuguesas. Degradação que força a transformações que se vão operando e que vão dando sustento, mesmo que seja em desespero de causa, ao objetivo de uma “divisão internacional de capacidades” (Pool and Sharing), em que países como Portugal muito perderiam e veria a sua capacidade operacional ainda mais debilitada.
E não se trata, como se percebe, da valia dos militares portugueses, das suas capacidades próprias. Aliás, essa valia e capacidades têm vindo a ser usadas para “tapar o sol com a peneira”. Não é, portanto, dessas que se fala. Fala-se de uma organização e capacidades das forças armadas não cingida a dar meios para um produto operacional comum. Nas concepções dominantes, mesmo que não expressas, está um modelo em que as forças armadas, para além de possuírem alguma capacidade para responder a emergências que se coloquem ao País (catástrofes), devem cingir-se a possuir uns corpos especiais e determinados meios que se insiram na envolvência externa.
Tais perspectivas de desenvolvimento não podem deixar de causar preocupação aos amantes da paz, a todos os democratas e patriotas (mais preocupação quando se assiste ao presidente da República nos EUA, numa iniciativa com empresários, afirmar que o PR – ele próprio – e o primeiro-ministro nada valem face às regras e imposições da União Europeia).
Caminho é a ruptura
Como é afirmado no projeto de Teses/Projeto de Resolução Política em debate no Partido, no quadro da preparação do XX Congresso, por um lado, “prosseguiu o caminho da subordinação aos interesses dos EUA, Otan e ao projeto de militarização da União Europeia, nos planos doutrinário e conceitual, nomeadamente através de uma crescente inserção em projetos e forças multinacionais, com reflexo na limitação e perda de capacidades, com a consequente alienação de soberania. Por outro lado, foi desencadeado um desenfreado e desestabilizador processo legislativo (governo PSD/CDS-PP), com consequências no que se refere à limitação da capacidade operacional das Forças Armadas e à degradação do Estatuto da Condição Militar (…)”. É assinalado ainda que “invertendo prioridades, ganharam maior peso as missões externas que envolvem as Forças e Serviços de Segurança no quadro das opções da União Europeia (…) e prosseguiram as pressões para a revisão da Constituição da República, procurando abrir a porta à intervenção das Forças Armadas na segurança interna, agora em nome do combate ao terrorismo”.
A vida prova, com cada vez maior nitidez, como está expresso nas Teses/ Projeto de Resolução Política que “não há caminho alternativo que não seja o da ruptura com a política de direita das últimas quatro décadas e a construção de uma política alternativa, patriótica e de esquerda”. E que a luta em defesa da soberania nacional é parte integrante dessa ruptura.
* Membro da Comissão Política Nacional do PCP
** Militares encarregados de um serviço que os retêm fora das fileiras, nota da redação