Opinião

Trump na ONU: O Discurso que deixou o planeta em alerta

19/09/2017
Foto: Timothy Clary/AFP

Nesta terça-feira (19) o mundo ouviu, assombrado, o discurso do presidente dos EUA, Donald Trump, na Assembleia Geral da ONU.

Por Wevergton Brito Lima*

A prédica do mandatário estadunidense ultrapassou qualquer outra já feita nas Nações Unidas em termos de ameaças, agressões e ofensas contra países e povos. Foi um discurso tão fora das normas de convivência entre as nações que confrontou diretamente com o pronunciamento de abertura feito pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.

Foto: Agência Efe

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Na abertura da Assembleia, Guterres, referindo-se à tensão na península coreana, alertou sobre os riscos de discursos exaltados em relação a Coreia Popular, pediu que os governos optem pela diplomacia para resolver a crise e destacou também que o momento pede “habilidade política”. “Esta é a hora para o estadismo”, disse ainda Guterres.

Trump não só ignorou os sensatos conselhos do Secretário-Geral, como “violou todos os princípios estabelecidos na carta das Nações Unidas, ao atuar de maneira grosseira, irrespeitosa e intervencionista” como expressou o chancelar venezuelano, Jorge Arreaza, após a fala do presidente estadunidense.

Trump qualificou o governo da Coreia Popular como “depravado” e ameaçou “destruir completamente” a Coreia Popular, o que implicaria em assassinar boa parte dos seus 26 milhões de habitantes, sem contar as demais vítimas que inevitavelmente seriam atingidas pela deflagração de uma guerra desta magnitude.

O magnata americano acusou o Irã de ser uma “ditadura corrupta, que exporta violência, sangue e caos”, e mais uma vez ameaçou romper o acordo firmado com o país persa na gestão Obama, que permitiu a suspensão das sanções econômicas contra o país em troca da fiscalização internacional do programa nuclear iraniano.

Trump chamou o presidente da Síria, Bashar Al-Assad, de criminoso. Atacou duramente a Venezuela, renovando de forma implícita a ameaça de intervenção contra esta nação, estamos preparados para “ações adicionais” disse Trump, durante o discurso.

Também afirmou, com palavras duras, que não vai suspender o bloqueio contra Cuba, dezenas de vezes considerado ilegal pela própria ONU, e teve tempo de alfinetar a Rússia e a China, ao “rejeitar as ameaças contra a soberania desde a Ucrânia até o mar do Sul da China”; e não esqueceu de deixar clara, mais uma vez, sua bandeira de “America First”, a América em primeiro lugar, aconselhando todos os líderes mundiais a seguirem seu exemplo, não explicando como seria possível salvaguardar a paz mundial com todas as nações buscando, a todo custo, preservar apenas seus interesses particulares de forma unilateral.

Discurso causa consternação e constrangimento

O embaixador da Coreia Popular, Ja Song Nam, abandonou o recinto no início da fala do Presidente dos EUA e não viu o clima de consternação e preocupação geral que tomou conta do plenário da ONU. Mesmo a Reuters, que faz parte do aparelho midiático pró-imperialista, descreveu assim o ambiente na Assembleia Geral, durante a fala de Trump:

“(Trump) adotou uma abordagem mais agressiva para resolver desafios globais que vão do Irã à Venezuela e fez uma defesa despudorada da soberania norte-americana (…) Enquanto murmúrios altos e surpresos eram ouvidos no plenário, Trump descreveu Kim (líder da Coreia Popular, N.A.) em tom ácido, dizendo que ‘o homem-foguete está em uma missão suicida para ele mesmo e seu regime’. Seus comentários abalaram líderes mundiais reunidos no salão de mármore verde da Assembleia. Dentro do plenário, um homem cobriu o rosto com as mãos pouco depois da menção à ‘destruição total’ de Trump. A primeira-ministra sueca, Margot Wallstrom, cruzou os braços. ‘Foi o discurso errado no momento errado e à plateia errada’, disse ela mais tarde à rede BBC.”

“Novo Hitler”

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou Trump de ser um novo Hitler: “Podemos classificar (a declaração de Trump) como a agressão do novo Hitler da política internacional, a supremacia racial, a supremacia imperial, foi expressa hoje pelo magnata que pensa que é dono do mundo”, afirmou.

O Irã classificou as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como vergonhosas e ignorantes. “Os comentários vergonhosos e ignorantes de Trump, nos quais ele ignorou a luta do Irã contra o terrorismo, mostram sua falta de conhecimento e inconsciência”, disse o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif.

Já Cuba rechaçou também de maneira enérgica o discurso de Trump. Segundo o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, foi um discurso insólito por sua agressividade e pela postura abertamente imperialista.

“Me surpreendeu a manipulação que faz do tema da soberania, que significa soberania para os Estados Unidos e o avassalamento para todos os demais e ignora totalmente o conceito de igualdade soberana que inspira as Nações Unidas”, declarou o diplomata cubano.

Mesmo nações aliadas politicamente reagiram ao discurso de Trump, como foi o caso do presidente da Colômbia, o conservador Manuel Santos, que, em resposta ao pedido de Trump de um “maior empenho” do país no combate ao narcotráfico, disse que é preciso uma “nova abordagem ao problema das drogas, que deve ser tratado mais como caso de saúde pública do que como caso de polícia”, lembrando ainda que sempre vai existir produção das drogas ilícitas “enquanto houver demanda de consumo”, dando uma nada sutil estocada no fato de que os EUA são o maior país consumidor de drogas do mundo. Mais cedo, em entrevista coletiva, Santos havia declarado que advertiu “claramente” o presidente estadunidense de que uma intervenção militar contra a Venezuela iria “isolar os EUA na região”.

O saldo do discurso de Trump nesta terça-feira parece ser este, o de ter criado um cenário de isolamento político, o que, por outro lado, pode acentuar o caráter belicoso de uma figura caracterizada pela imprevisibilidade, imprevisibilidade que, como apontam alguns analistas, faz parte da própria estratégia de Donald Trump.

No ambiente da diplomacia pós segunda-guerra mundial (e talvez até antes) não se tem notícia de um comportamento tão agressivo e irresponsável em um espaço (Assembleia Geral das Nações Unidas) onde deveria prevalecer o respeito mútuo entre nações soberanas que tratariam suas divergências, mesmo as mais agudas, de uma forma a mais propícia possível a deixar saídas para soluções pacíficas e consensuais.

Donald Trump, com seu discurso, aponta que na realidade pouco se importa com a ONU, com o respeito às normas civilizadas de convivência entre as nações e age como se fosse um celerado. Um celerado que detêm o controle do maior arsenal nuclear do mundo e que acaba de fazer aprovar no Congresso americano um orçamento militar recorde de US$ 700 bilhões.

Recente artigo de Paul Craig Roberts, 78 anos, acadêmico de renome, que foi Secretário Assistente do Tesouro americano na gestão Reagan e não pode, portanto, ser apontado como esquerdista, dizia o seguinte:

“Os Estados Unidos têm um cavalo, um cavalo incivilizado, como seu diplomata para o mundo. O Congresso e o executivo estão igualmente repletos de cavalos e de excrementos de cavalo. O governo dos Estados Unidos encontra-se completamente desprovido de inteligência. Não há sinal de inteligência em parte alguma do governo dos Estados Unidos. Ou de moralidade.”

Parece até que Robert já sabia o teor deste já histórico discurso de Trump e é bom que os povos amantes da paz prestem muita atenção neste trecho do mesmo artigo:

“A América é uma piada com armas nucleares, o perigo maior para a vida sobre a Terra.”

* Jornalista, membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

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