Geopolítica
Trump dá um passo; o império proclama a ‘guerra entre civilizações’
O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho (*) aborda o atual momento tenso das relações sino-americanas
No auge do conflito comercial com a China, depois de onze rodadas de negociações que até agora não resultaram em acordo, os Estados Unidos ressuscitam a teoria da guerra entre civilizações, uma patriotada que esteve em voga no início dos anos 1990 e depois caiu em descrédito ante a força dos fatos.
Afinal , logo depois que Bush, pai, – no dia seguinte ao que os círculos imperialistas consideravam a “vitória” estadunidense na guerra fria -, proclamou que “com a graça de Deus a América assumiu a liderança do mundo”, logo se veria que seu império já estava vivendo um processo de declínio histórico.
No ano de 1993, o cientista político Samuel P. Huntington elaborou a teoria do “Choque das Civilizações”, segundo a qual as identidades culturais e religiosas dos povos serão a principal fonte de conflito no mundo pós-Guerra Fria.
Segundo a Agência France Press (AFP), a diretora de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Kiron Skinner, descreveu no mês passado a rivalidade com a China como “um combate contra uma civilização realmente diferente e uma ideologia diferente”. Skinner disse também que é a primeira vez que os Estados Unidos enfrentam “um grande rival que não é de raça branca”. A afirmação em castiço estilo supremacista e racista, foi feita, segundo a agência, durante um fórum sobre questões de segurança.
“Para além do confronto comercial entre China e Estados Unidos, também há um choque de nacionalismos, entre as ambições do gigante asiático emergente e o temor de Washington de perder sua influência”, comenta a AFP.
Conjunturalmente, a tirada é funcional aos interesses eleitorais de Trump, que vai em busca da reeleição com uma plataforma “nacionalista” para cujo êxito não basta proclamar o bordão “América first”. Faz falta agregar um inimigo externo.
Muito embora o bloqueio intensificado a Cuba seja útil para assanhar o eleitorado cubano-americano na Flórida, e a ameaça de intervenção e golpe na Venezuela mobilize a extrema-direita, ambas as empreitadas são insuficientes para conquistar a maioria conservadora do eleitorado estadunidense .
Afinal, se vier com Biden, antigo vice-presidente de Obama, o Partido Democrata tem misturado ao cardápio liberal e globalista, um tempero imperialista que combina ao multilateralismo a assertividade e a primazia dos interesses políticos , ideológicos e comerciais da superpotência do Norte.
Nesse quadro, Trump precisa dar um passo à frente, por isso exibe sem cerimônia o seu inimigo externo: a China.
Prisioneiro de um insanável déficit comercial e financeiro com o gigante asiático, Trump sabe que esta guerra está perdida. Apela então para a demagogia mais vulgar – “a China esta roubando empregos dos americanos” – embasando assim a sua plataforma imediatista.
Mirando o longo prazo , o setor do establishment que ele por enquanto lidera, fala nos salões dos debates sobre diplomacia, defesa e segurança sobre outro tipo de guerra que não exatamente a comercial: guerra entre civilizações, com evidentes conteúdos supremacista e racista.
Guerra que, por óbvio, pode tomar diversas vias de fato.
A China moderna, de tradições confucianas, herdeira de uma civilização com cinco mil anos de História, reage com a paciência que seu tempo histórico requer. Afirma e repete que busca o diálogo, inclusive entre civilizações.
Socialista e marxista, a China propõe sua alternativa à ameaça de guerra de Trump: construir uma nova civilização, com futuro compartilhado por toda a humanidade.
No entretempo, também demonstra que pode e sabe cerrar os punhos : “Não cederemos em questões de princípios “, diz sua chancelaria.
(*) Jornalista, editor da Página Resistência, integrante do projeto Jornalistas pela Democracia