Opinião
Tragédia ou farsa nas ambições de Moro
O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho (*) afirma que as forças democráticas não podem permitir que Moro continue encenando farsas ou pavimentando o caminho para levar o país a uma tragédia
Um velho filósofo alemão do século 19, que inspirou gerações na luta política de classes, dizia, ao analisar a experiência dos embates sociais de sua época, que a história se repete, a “primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Os palpitantes acontecimentos dos dias atuais do drama brasileiro, que tem como ator e mestre na encenação de farsas o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de extrema-direita liderado por Bolsonaro, é mais um exemplo que confirma a assertiva de Marx.
Sergio Moro pode estar tentando repetir no século 21 a façanha de John Edgar Hoover (1895-1972), o quase sempiterno diretor do FBI estadunidense, onde mandou e desmandou ao longo de quase cinco décadas, desde o inicio dos anos 1920 até sua morte.
Hoover foi, para além de um cruel perseguidor de comunistas após a Primeira Guerra Mundial, um ativo agente na caça aos inimigos dos Estados Unidos no imediato pós-Segunda Guerra.
Ao longo da Guerra Fria, instrumentalizou processos contra comunistas e outros ativistas de esquerda nos Estados Unidos. No final da década de 1930, foi designado pelo presidente Franklin D. Roosevelt para investigar tanto a espionagem estrangeira nos Estados Unidos quanto as atividades de comunistas e fascistas. Na época, a potência do Norte se preparava para entrar no conflito mundial contra a Alemanha nazista.
A sua nota biográfica da Enciclopédia Britannica assinala que “o animus de Hoover em relação a radicais de todo tipo levou-o a investigar agressivamente tanto a Ku Klux Klan quanto Martin Luther King e outros ativistas negros nos anos 60”.
Da obra de Hoover à frente do FBI, que ele transformou uma organização poderosa, destacam-se muitas façanhas pelas quais ainda hoje é lembrado como a cabeça e os braços da poderosa instituição: a criação de um arquivo de impressões digitais, que se tornou o maior do mundo; um laboratório científico de detecção de crime; e a Academia Nacional do FBI, uma escola de formação de quadros especializados para todo tipo de investigações e repressão ao crime e contra adversários políticos.
Mas a atividade em que Hoover desenvolveu mais habilidade, e que o notabilizou e habilitou a permanecer no cargo durante tantos anos, foi a coleção de dossiês.
O chefão do FBI usava seus poderes e as informações que detinha sobre atividades políticas, empresariais, administrativas e a vida íntima de milhares de pessoas, para prejudicá-las, constrangê-las, atacá-las e derrotá-las, chantageando-as e controlando-as de modo estrito.
Sua arma foi a posse desses dossiês secretos, com os quais intimidava as mais altas figuras da República, entre estas os sucessivos inquilinos da Casa Branca aos quais ameaçava com a revelação de atos desabonadores.
Ao morrer, aos 77 anos, Hoover tinha completado 48 anos como o todo-poderoso do FBI, tendo servido a oito presidentes e 18 procuradores-gerais.
No Brasil de hoje, sob o governo proto-fascista e atrabiliáriode Bolsonaro, cabe indagar se Sergio Moro – que se preparou nos Estados Unidos para levar a efeito o lawfare contra a esquerda brasileira, sob o manto de “luta contra a corrupção” – não estaria pretendendo imitar Hoover.
O rumoroso caso que agitou a vida política durante esta semana, da suposta invasão de mais de mil números telefônicos, entre eles os das principais autoridades – o presidente da República, os chefes da Câmara e do Senado, ministros da Suprema Corte, a procuradora-geral, juízes, procuradores, políticos de diferentes partidos – parece estar sendo utilizado por Moro como ensaio para percorrer uma trajetória à moda de Hoover.
O ex-juiz já deu provas de desmedida ambição. Agora, após as revelações do site The Intercept Brasil, inquinado pelas ilegalidades que cometeu durante a Operação Lava Jato, diante da evidência que praticou ilegalidades, Moro quer pôr a República a seus pés?
Quando uma autoridade que dispõe de tamanhas e tão diversificadas informações sobre tantas pessoas poderosas e começa a falar de “segurança nacional” e “estado de defesa”, é sinal de que pretende algo muito maior do que investigar uma turma desqualificada de “hackers”.
As forças democráticas não podem permitir que Moro continue cometendo farsas. Ou pavimentando o caminho para levar o país a uma tragédia.
(*) Jornalista, editor da Página da Resistência, membro da direção nacional do PCdoB e do Cebrapaz