Opinião
Revolução Socialista Russa: 104 anos do triunfo e 30 da liquidação
“A Revolução Russa foi um magno acontecimento político e social da história da humanidade, porquanto pela primeira vez as classes até então oprimidas tomaram o poder político e abriu-se o caminho para a edificação do socialismo”, escreve o jornalista José Reinaldo Carvalho, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Transcorre neste domingo, 7 de novembro, o 104º aniversário da Revolução Socialista Russa. Uma data celebrada pelos comunistas, socialistas revolucionários, forças progressistas, os trabalhadores, os explorados e oprimidos de todo o mundo, para os quais segue vigente o dilema “socialismo ou barbárie”. A celebração corresponde à convicção que tenham essas forças de que não há meio termo entre socialismo e capitalismo, não há soluções intermediárias, terceiras vias para enfrentar as lancinantes contradições de nossa época.
Recordo-me do momento em que se comemorou em 2017 o centenário dessa Revolução, que reputo como um magno acontecimento político e social da história da humanidade, porquanto pela primeira vez as classes até então oprimidas tomaram o poder político e abriu-se o caminho para a edificação do socialismo nas circunstâncias complexas do início do século, marcado pelo advento do sistema imperialista e as terríveis marcas da Primeira Guerra Mundial.
A celebração do centenário da Revolução Socialista Russa deixou à mostra um grande contraste entre conceitos e critérios de avaliação daquele grande acontecimento e suas consequências. Os meios de comunicação das classes dominantes e círculos acadêmicos e culturais eivados pela ideologia burguesa, seja a de direita, seja a social-democrata, produziram uma torrente de artigos e ensaios para enxovalhar a revolução, a construção do socialismo, a luta de classes dos trabalhadores, os combates pela libertação nacional dos povos, os movimentos revolucionários e os partidos comunistas. Os escribas da burguesia mundial fizeram contorcionismos mentais e verbais para rebaixar o significado da efeméride e, qual robôs reagindo a comandos, escreveram mecanicamente em linhas tortas e falaram com voz claudicante sua depressiva mensagem: nada a comemorar.
Em outra trincheira, nas cidades de Moscou e São Petersburgo – que durante o império czarista se chamou Petrogrado, em homenagem a Pedro, seu fundador, e na União Soviética foi denominada Leningrado, em honra a Vladimir Lênin, o líder político da Revolução, do Partido Comunista e da URSS no período inicial da construção do socialismo – milhares de dirigentes políticos de uma miríade de partidos e organizações comunistas, socialistas, revolucionárias e progressistas, comemoraram a façanha histórica dos bolcheviques.
Tive a honra de representar a delegação comunista brasileira, composta por dezenas de militantes e quadros do PCdoB, entre estes Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial da Paz, e a deputada Jandira Feghalli, ambas integrantes do Comitê Central. Da tribuna em que Vladimir Lênin 100 anos antes anunciou as Teses de Abril, compartilhei reflexões com as centenas de delegados presentes no 19º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, auspiciado pelo Partido Comunista da Federação Russa.
Aquele encontro expressou as opiniões e sentimentos das correntes revolucionárias do mundo, dos amantes da paz e do progresso social de que sim, havia como há tudo a comemorar, malgrado as derrotas sofridas, o retrocesso civilizacional decorrente da extinção da União Soviética e da brutal ofensiva desde então em curso por parte da burguesia contra os trabalhadores e povos.
A Revolução Russa foi uma epopeia que se escreveu não apenas durante os breves e intensos “dez dias que abalaram o mundo”, mas uma gesta iniciada muito antes, pelo “grande povo russo”, para usar a expressão de um dos seus maiores escritores, Leon Tolstói, e que deixou marcas profundas, não somente na velha Rússia e demais nações que integraram a URSS, mas em todo o mundo.
A revolução vitoriosa em 1917, com a consequente instauração do regime socialista e o início da construção da nova sociedade, trouxe para a cena dos conflitos sociais e geopolíticos a contradição entre os dois sistemas opostos, o socialista e o capitalista. E foi por meio dessa luta que a URSS viveu uma época gloriosa de conquista de direitos para os seus povos e de avanços civilizacionais em todos os terrenos. Para o restante do mundo, a existência do socialismo naquele país criou uma realidade geopolítica propícia às grandes transformações e deixou o maior de todos os legados: o triunfo sobre o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial.
Ao celebrar o 104º aniversário da Revolução Socialista Russa, não ignoramos que neste ano de 2021, transcorre o 30º aniversário da extinção do Partido Comunista da União Soviética (29 de agosto de 1991) e da própria União dos Repúblicas Socialistas Soviéticas, precisamente a 26 de dezembro de 1991.
Estes episódios entraram para a história simbolizando a derrocada do campo socialista do Leste europeu, cujo vértice era a União Soviética, o momento culminante de uma extensa contrarrevolução antissocialista e antiprogressista. Os acontecimentos que marcaram a Europa do Leste desde 1989 até o final de 1991 não representaram uma ofensiva apenas contra os postulados dos partidos comunistas, mas uma deriva reacionária contra o pensamento progressista em geral, englobando mesmo a negação do espírito revolucionário das revoluções democráticas, antimonárquicas e anti-imperiais de finais do século 18 e meados do 19.
Aquele período de 1989 a 1991 e o imediatamente posterior foi uma espécie de noite dos tempos, quando se estabeleceu a chamada “novíssima ordem” no mundo, em que os Estados Unidos agiam “com a graça de deus”, segundo George Bush, nas guerras desencadeadas visando a impor sua hegemonia unipolar no mundo pós-Guerra Fria e pós-soviético.
Política e ideologicamente, para os partidos comunistas e demais correntes revolucionárias, o período foi marcado por dissidências, divisões, desfiliações, deserções, perda de prestígio e ligação com as massas, perda de eleitorado, aprofundamento do revisionismo e do oportunismo de direita, e em alguns casos de capitulação e liquidacionismo, um ambiente de pressão ideológica que exigia firme e intensa luta.
Estavam em jogo a identidade comunista dos partidos, o caminho socialista, o caráter de classe das correntes revolucionárias, a defesa do marxismo-leninismo, a valorização do patrimônio de conquistas das experiências de construção do socialismo.
Foi um período em que se aprofundaram as teses eurocomunistas, o transformismo, a mutação, o oportunismo de direita, a tendência a mudar o nome do partido e a diluí-lo em frentes amorfas. Naquela época houve uma inflação de termos em RE – renovação, reconstrução, reconfiguração, ressignificação, em nome da adaptação aos novos tempos.
Disseminaram-se conceitos próprios do oportunismo de direita e do revisionismo como a democracia como valor universal, a conciliação de classes, o nacionalismo burguês, a renúncia ao caminho revolucionário. Mais tarde, para o começo do século 20, apareceram novas manifestações de teses contrárias à teoria e a prática revolucionárias, como o movimentismo e a tendência à dispersão orgânica. Tudo sob a chave geral do “fim da história”.
Ao invocar o 104º aniversário do triunfo da Revolução Socialista Russa e o 30º de sua liquidação, observamos que embora ainda atuando no quadro de uma defensiva estratégica e de derrota histórica, as forças políticas que lutam de maneira consequente pelo socialismo, buscam a afirmação de seus princípios em uma nova realidade histórica.
A evolução dos acontecimentos mostrou que a história não terminou e que no mundo estão sendo criadas novas correlações de forças objetivamente favoráveis para a luta dos trabalhadores e os povos por sua emancipação social.
Extrair as lições da experiência revolucionária do passado, compreender as causas das derrotas, sem resvalar para o oportunismo de direita nem para o liquidacionismo será uma boa opção política e metodológica para aqueles que se inspiram no legado da Revolução Russa.
Foi essa inspiração, mesclada com a experiência própria que, para citar um exemplo, deu a Cuba a capacidade de resistir no momento mais difícil para a Revolução e o socialismo no auge da contrarrevolução de 1989-1991. Vejam o que disse Fidel Castro diante de boquiabertos jornalistas que superlotavam os hotéis de Havana esperando a queda da “última pedra do dominó”.
“Cuba é o símbolo da resistência. Cuba é o símbolo da defesa firme e intransigente das ideias revolucionárias. Cuba é o símbolo da defesa dos princípios revolucionários. Cuba é o símbolo da defesa do socialismo” (…) “O povo cubano vai saber estar à altura de sua responsabilidade histórica” … “E aqueles que mudaram de nome, não sei a quem vão enganar com isso! Imaginem que amanhã nós mudemos de nome e digamos: Senhores, o congresso aprovou que em vez de Partido Comunista de Cuba nos chamemos Partido Socialista de Cuba, ou Partido Social-Democrata de Cuba. Vocês creem que realmente mereceríamos algum respeito? Porque os que mudam de nome são os que mudaram de ideias ou perderam toda a sua confiança nas ideias, perderam suas convicções” (3 de abril de 1990).
Embora correndo o risco de ser acusado de conservador, opino que esta é e deve continuar sendo doravante a justa posição de resistência e luta em face da ainda persistente onda contrarrevolucionária, do oportunismo de direita e do liquidacionismo.
(*) Jornalista, editor do Resistência e membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)