Resistência

Nesta segunda-feira (27), o povo saarauí comemora os 41 anos desde o estabelecimento da República Árabe-Saarauí Democrática (RASD) com grande festa, discursos políticos, apresentações folclóricas e a presença de delegações internacionais. O presidente Brahim Ghali abordou a resistência histórica de seu povo, a atual tensão no muro construído pelo Marrocos, a ocupação marroquina e o papel da ONU.

No campo de refugiados “Smara”, na região de Tindouf, Argélia, a comemoração pelo 41º aniversário da proclamação da RASD foi marcada pela afirmação de solidariedade das diversas delegações internacionais – inclusive parlamentares e representantes diplomáticos da Colômbia, El Salvador, Suécia e África do Sul – à resistência saarauí diante da ocupação e provocações marroquinas e em sua contínua luta pela descolonização, ainda pendente. Participam também dos eventos delegações da Espanha, México e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), representado por Marcos Tenório e Moara Crivelente.

Brahim Ghali, presidente da RASD e secretário-geral da Frente Polisário – a organização que representa o povo saarauí, responsável por dirigir a resistência durante mais de quatro décadas –, abordou a complexidade da conjuntura regional. Em 2016, as forças marroquinas posicionaram-se no posto de controle fronteiriço com a Mauritânia, o Gargarat, em território saarauí, para além do extenso muro construído pelo Marrocos, que tem 2.700 quilômetros. As tensões aumentaram.

“Estamos dirigindo um chamado ao novo secretário-geral para que tome medidas urgentes com o fim de cumprir as responsabilidades das Nações Unidas e exercer suas resoluções, permitindo a independência do povo saarauí, seguindo o exemplo de outros países e povos submetidos ao colonialismo,” disse o presidente da RASD.

Respondendo ao apelo do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que se contenham as forças em tensão, Ghali insistiu, em seu discurso, em que este não é um episódio isolado e é preciso ter em conta o quadro abrangente da ocupação marroquina, lembrando inclusive da ausência do componente civil da Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (Minurso) – presente no território desde 1991 – expulso em março de 2016 pelo governo marroquino.

“A verdadeira contenção requer colocar fim às violações de direitos humanos, a liberação imediata de todos os prisioneiros políticos saarauís, deter a espoliação dos  recursos naturais, a restituição do componente civil da Minurso expulso pelo Marrocos e a retomada do processo de negociações políticas para alcançar uma solução. Desde esta tribuna exigimos do Conselho de Segurança que tome medidas plausíveis e diretas que ponham fim à violação constante do direito internacional pelo Marrocos. Por isso, agilizar o processo da solução democrática, justa e duradoura através do plano do acordo assinado entre as partes em 1991 e aprovado pelo Conselho de Segurança para a celebração de um referendo de autodeterminação do Saara Ocidental.”

O componente civil da Minurso é responsável pelo monitoramento da situação e pela organização do referendo acordado em 1991 e até hoje pendente. O presidente também recordou a responsabilidade da Espanha pela situação no território, desde sua controversa retirada como potência colonial e administradora, em 1975, seguida da ocupação marroquina.

Tensões, pendências e solidariedade

As autoridades saarauís denunciam que o governo marroquino busca construir uma estrada e transportar mercadorias para o restante da África através de uma zona proibida, segundo os acordos de cessar-fogo de 1991. Em resposta ao que considera uma provocação, a Frente Polisário também se posicionou. Por isso, desde agosto de 2016, as forças saarauís e as marroquinas estão separadas por pouco mais de 100 metros. Embora a Frente Polisário tenha alertado o Conselho de Segurança da ONU sobre o risco da situação, a Minurso só se posicionou entre ambas as forças mais tarde.

De acordo com o representante da Frente Polisário no Brasil, Mohamed Laarosi, que está participando nos eventos em Tindouf, a proposta é que a Minurso assuma o controle do posto de Gargarat e as forças saarauís e marroquinas se retirem, mas o Marrocos rechaçou a ideia. Ainda assim, as forças marroquinas retiraram-se neste domingo (26), poucos dias após uma conversa telefônica com o secretário-geral da ONU, António Guterres, mas apenas até o muro, que ainda cerca o restante do território saarauí ocupado. Segundo o acordo, porém, a zona desmilitarizada se estenderia por alguns quilômetros dos dois lados do muro.

Trata-se de um ponto estratégico pois é a única saída ao mar e a Minurso não tem cumprido seu papel na região, afirma Laarosi, durante a longa espera pelo referendo saarauí, acordado ainda em 1991. A Frente Polisário reafirmou o direito do seu povo à resistência e se somou ao apelo do secretário-geral da ONU por respeito ao acordado em 1991, denunciando ainda que a retirada parcial marroquina é apenas uma “cortina de fumaça”, em declaração deste domingo (26).

A situação em Gargarat e a preocupação com a possibilidade de retomada dos enfrentamentos armados são assuntos constantes durante estes dias, assim como a reivindicação por compromisso internacional com o direito do povo saarauí à autodeterminação e com o fim da ocupação marroquina, que completa 42 anos.

Ainda assim, o dia é de comemorações e ricas apresentações folclóricas, enquanto diversos participantes internacionais preparam-se para a 17ª Maratona do Saara, uma corrida solidária, na terça-feira (28). Habitantes dos outros quatro campos de refugiados em Tindouf também participam nos eventos em Smara, assim denominado em homenagem a uma das cidades do Saara Ocidental sob ocupação marroquina, a “cidade rebelde”. Todos os campos receberam os nomes de cidades sasrauís ocupadas quando foram estabelecidos, ainda em 1975, e hoje abrigam quase 200 mil pessoas em condições extremamente adversas, no Saara Ocidental.

Texto e foto: Moara Crivelente, Cebrapaz