Opinião
Por que a China lembra Nanquim quando o Japão fala em Pearl Harbor?
Na última segunda-feira (5) o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, anunciou para o fim deste mês uma visita a Pearl Harbor, onde irá lamentar as vítimas do ataque surpresa protagonizado pelo Japão há 75 anos. No dia seguinte (6), um porta-voz do governo japonês esclareceu que o dirigente nipônico não irá pedir perdão pelo ataque, o que segue o mesmo padrão da visita de Obama a Hiroshima, em maio, quando o presidente estadunidense não se desculpou pelas bombas atômicas que seu país lançou contra esta cidade e Nagasaki em 1945. Nesta quinta-feira (8), o porta-voz da chancelaria da República Popular da China, Lu Kang, declarou que o primeiro-ministro japonês deveria visitar também o Salão Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim. O porta-voz chinês expressou que “se o lado japonês quiser realmente refletir e pedir perdão, há muitos lugares na China onde o pode fazer”.
Por Wevergton Brito Lima*
Se alguém acha inapropriada a atitude da China de ligar uma coisa à outra (afinal, visitar Pearl Habor é um ato meritório, cansamos de ver filmes sobre Pearl Habor!) talvez precise conhecer melhor a extensão do massacre de Nanquim ou deva ser lembrado de que ele aconteceu igualmente em um dezembro, apenas quatro anos antes do ataque japonês à base americana.
Foi um trágico dezembro aquele de 1937, quando no dia 5 o exército imperial do Japão invadiu a então capital da China. No dia 13 do mesmo mês o exército chinês se rendeu. Os militares prisioneiros foram mortos depois de torturados. Os oficiais enforcados, os soldados fuzilados e todos jogados em uma pedreira que se transformou em cova coletiva.
Sobre esta cova o governo chinês ergueu, em 1985 um “Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses”. Em 2007 o memorial foi ampliado e quem já o visitou testemunha que é deslumbrante e ao mesmo tempo terrível pelo que recorda de uma das maiores provas de até onde a crueldade humana pode chegar.
As fotos mostram soldados competindo para ver quem decapitava mais chineses. Os japoneses penduravam as cabeças para não perder a conta e atiravam os corpos aos cães. Não se poupava mulheres, crianças ou idosos. As mulheres chinesas, aliás, eram em geral estupradas antes de serem mortas. As que os soldados japoneses consideravam mais bonitas eram poupadas e enviadas para cerca de 2 mil bordéis de escravas sexuais mantidos pelo exército imperial para diversão de seus soldados. Estudos avaliam em 200 mil mulheres chinesas que tiveram este destino, semelhante aos de outras 200 mil coreanas.
Os soldados japoneses também faziam filhos abusarem das mães diante da família antes de matá-los, entre outros sadismos, todos registrados minuciosamente no memorial. Este festival dantesco durou seis semanas ao fim das quais 300 mil chineses tinham sido mortos e 100 mil chinesas estupradas (na China o massacre é mais comumente conhecido como o “o estupro de Nanquim”).
Hoje, o Japão, que tem em seu território mais de 50 mil soldados americanos acantonados em numerosas bases militares, resolve homenagear os 2 mil e quatrocentos estadunidenses mortos no ataque a Pearl Harbor.
Mas os japoneses nunca reconheceram o massacre de Nanquim e em seus livros esta parte da história é ignorada ou contada como se nada demais tivesse acontecido.
O porta-voz chinês, citado no início deste artigo, declarou que “o povo chinês não esquecerá o Massacre de Nanquim e as inúmeras perdas infligidas durante a guerra sino-japonesa, da mesma forma que os americanos não esquecerão o ataque a Pearl Harbor”. A China, de forma sutil e sem fazer comparações, chama atenção para o quanto existe de hipocrisia no gesto japonês.
É a postura de um país que está atento à memória, à honra e à dignidade do seu povo, coisa que, neste 2016, especialmente no Brasil, realmente chega a causar estranheza.
* Jornalista, membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB