Opinião

A polarização, o sentido do momento histórico e o oportunismo

16/01/2019

Por José Reinaldo Carvalho (*)

Numa de suas falas mais geniais, Fidel Castro disse, no comecinho do século 21 – tempo dos mais difíceis para o socialismo em Cuba, como para todo o movimento progressista mundial – que “revolução é sentido do momento histórico”.

O enunciado vinha acompanhado de uma série de considerações sobre a firmeza de princípios, as convicções fundamentais, a ética, a clareza de propósitos, o patriotismo e a defesa dos anseios de emancipação da humanidade. Em poucas linhas, com impressionante capacidade de síntese, com a verve filosófica que lhe era peculiar, Fidel formulou o que se tornou mundialmente célebre como o contemporâneo “Conceito de revolução”.

Certamente, cada caso é um caso e cada povo e nação enfrenta seus desafios com o instrumental teórico e ideológico que possui, nas condições peculiares que vive, historicamente determinadas, o que requer soluções originais, inventividade, capacidade de apreender o busílis da questão e encontrar as soluções pertinentes aos próprios problemas. Mas há determinados princípios fundamentais universais e incontornáveis. Um deles é este: quando uma força política perde o sentido do momento histórico, ela própria se perde.

Vejamos o caso do Brasil deste início de 2019, sob o regime de extrema-direita liderado por Jair Bolsonaro e coadjuvado por toda uma matilha de reacionários, como os arautos do ultraliberalismo e entreguismo nas equipes econômica e diplomática, a maioria da Câmara liderada por Rodrigo Maia, juízes supremos, procuradores, generais,  pastores neopentecostais et caterva.

Do outro lado, o povo, com suas atribulações e anseios atropelados. Com ele, uma miríade de organizações políticas e sociais, enfrentando os problemas decorrentes da brutal ofensiva reacionária em curso. Uma polarização de facto

O país está polarizado por ação das leis do desenvolvimento histórico objetivo. Mas eis que surgem, não sei de que catacumbas ou de pântanos miasmáticos do oportunismo de direita – que desde 1962 se supunha superado no movimento comunista e entre as forças da esquerda consequente – lideranças políticas a afirmar que a polarização existe por obra e graça do … “petê”. E que esta interessa diretamente a Bolsonaro, como se houvesse uma rara conspiração entre o Palácio do Planalto e o cárcere da Rua Sandália Manzon, 210, Santa Cândida, Curitiba.

A polarização não só é de índole objetiva – portanto inevitável – como necessária ao desenvolvimento da luta política, mesmo que momentaneamente o polo revolucionário e progressista esteja mais fraco, em defensiva estratégica e carecendo de redefinições políticas e orgânicas, desafiado a percorrer um caminho árduo, acidentado e prolongado de acumulação de forças.

A polarização expressa os problemas sociais, as inexoráveis contradições, os inenarráveis conflitos, as lancinantes chagas que ferem, corroem e degradam a sociedade brasileira. É fruto das políticas ultraliberais do regime golpista protagonizado por Michel Temer e Rodrigo Maia. E agora do regime de extrema-direita. É parte do drama nacional, quando o país é ameaçado de subjugação à superpotência norte-americana e se apresta a embarcar em aventuras intervencionistas e belicistas contra nações amigas.

A polarização brota da decadência civilizacional do Brasil, do apelo e estímulo oficiais à violência, da incitação ao crime simulando combatê-lo, da perseguição aos que não se rendem na vida pessoal e social à opressão de qualquer natureza nem fazem o jogo da simulação e hipocrisia moral.

A polarização está na criminalização da esquerda, dos movimentos sociais, na ameaça de extermínio de tudo o que na vida política é progressista e transformador.

Contornar a polarização seria como arar no mar. Seriam apenas ingênuos os que pretendessem fazê-lo. Mas como o que pretendem é realizar a façanha aderindo ao inimigo, a atitude é outra coisa e tem outro nome. Neste caso, agir para “despolarizar” é trair a causa das forças progressistas, uma tese e uma prática a todos os títulos oportunista.

Para a esquerda, é mister ficar com o Conceito de Revolução do Fidel, com a apreensão do sentido do momento histórico, para não perder o momento nem se perder como força de combate e transformadora.

E enfrentar a luta de ideias, sem medo do contraditório, pois a luta de ideias é assim mesmo, feita de contraditórios, ou não seria luta. Ela aceita tudo, menos a censura, a desonestidade intelectual, a ofensa pessoal e a covardia escondida sob postos burocráticos.

Como dizia Mariátegui, o tempo se encarrega de desfazer todos os equívocos

(*) Jornalista, editor de Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB

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