Opinião

OEA: Notas para uma história de infâmia

04/05/2017
Foto: Arquivo @OEA_oficial

A OEA nasceu maldita, em meio ao sangrento massacre do povo de Bogotá, que chorava lágrimas de sangue por seu líder nato e mais amado, Jorge Eliecer Gaitán, covardemente assassinado.

Yldefonso Finol

A Organização chegou a ser, na metade do século 20, o triunfo da sabotagem santanderista[1] ao Congresso Anfictiónico do Panamá, proposto pelo Libertador Simón Bolívar, e a consumação da Doutrina Monroe de um continente americano para os Estados Unidos.

A única coisa que a OEA provocou e valeu a pena, foi o som guajiro[2] cantado pelo grande Carlos Puebla[3], que nos convida a sorrir, porque os cipayos[4] foram expulsos de Cuba, um país digno.

Uma reportagem da Prensa Latina resume: “O comportamento relativo a Cuba, desde o triunfo da Revolução, como o apoio à invasão da Praia de Girón, em 1961, ações implementadas pela política e diplomacia da OEA para isolar a ilha que resultaram na expulsão de Cuba da organização, em janeiro de 1962, além do rompimento das relações diplomáticas dos países da região com a Maior das Antilhas, o que significou um tal nível de crueldade, que suscitou dúvida da integridade da organização”.

A atitude corajosa do Chanceler da Dignidade, Ignacio Luis Arcaya[5], merece ser lembrada, quando este se recusou a validar uma declaração isolacionista contra Cuba na VII Conferência de Chanceleres da OEA, em 16 de agosto de 1960, em San José, na Costa Rica. O então presidente Rómulo Betancourt, demitiu o ministro das Relações Exteriores, de forma a evidenciar sua condição de agente dos EUA, uma afronta ao povo bolivariano.

A OEA serviu como um procuradora para a libertinagem imperialista contra a República Dominicana, primeiramente com a derrubada do democrata Juan Bosch e, em seguida, esmagando militarmente a resistência popular, liderada por Francisco Caamaño Deñó, entre outros patriotas. “Em abril de 1965, a marinha dos Estados Unidos desembarcou em Santo Domingo para impedir a iminente vitória do movimento popular constitucional sobre as forças da reação militar. A OEA enviou à capital dominicana, seu Secretário-Geral, o uruguaio José A. Mora, com o aparente propósito de obter uma trégua entre os beligerantes, enquanto o Conselho da OEA tomou a decisão de permitir que as forças militares dos EUA assumissem o controle da situação. Depois de muitos esforços, numa vitória apertada, por apenas um voto, os EUA conseguiram a aprovação de uma resolução que criou a Força Interamericana de Paz, provocando pela primeira vez, sob a égide da OEA, a intervenção coletiva em um país da região”. (www.ecured.cu)

Os governos dos países que formaram a tal força pela paz montada pela OEA se prestaram à tramoia dos EUA, para supostamente resguardar a democracia. O almirante Castelo Branco, recém empossado por Washington, como ditador do Brasil; o ‘muito democrático’ ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner; o ditador Julio Rivera, de El Salvador; e Honduras, no formato ianque, de Arellano López. Todos militares moldados pela Escola das Américas como assassinos de seu povo e servos do imperialismo.

Há pouco apresentaram suas desculpas em Santo Domingo: o verdugo levando flores à tumba do mártir. Convidaram Cuba a voltar a fazer parte da OEA, porém a honra verdadeira não se abranda com a lisonja.

II

Uma OEA para Pinochet

Permitam-me compartilhar esta passagem de meu livro, A Falácia Imperialista dos Direitos Humanos, (Editora El Perro e La Rana, MPP[6] para a Cultura, Fundo Alfredo Maneiro, 2006), onde se manifesta – com sarcasmo repugnante – a natureza instrumental da OEA para os interesses imperialistas dos EUA.

“Pela permanência de alguma dúvida sob a cumplicidade protagonista dos Estados Unidos com o golpe militar que derrubou o governo da Unidade Popular no Chile e abriu o período das maiores e mais ultrajantes violações dos direitos humanos naquele país, vamos rever brevemente o conteúdo do memorando sobre a reunião realizada em 08 de junho de 1976 entre o ditador Augusto Pinochet e o secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger.

Estava sendo realizada em Santiago, por iniciativa dos Estados Unidos, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, onde se discutiriam – que ironia! – os direitos humanos. Um alto funcionário estadunidense se apressa a lançar esta pérola…  “Nos Estados Unidos, como sabem, vemos com muita simpatia o que vocês estão tentando fazer aqui. Acredito que o governo anterior estava caminhando rumo ao comunismo. Desejamos tudo do melhor ao seu novo governo. ”

No parágrafo seguinte é revelada a forma usada pelos Estados perversos para camuflar seus crimes e como o cinismo faz parte da prática mafiosa para legitimar suas ações. “Esta tarde, vou falar sobre os direitos humanos na Assembleia Geral da OEA. Adiei o meu discurso até que eu pudesse falar-lhes. Gostaríamos de lidar com a questão em termos de persuasão moral e não em termos de sanções legais … na minha intervenção vou abordar a questão dos direitos humanos em termos gerais e no contexto mundial.  Vou me referir, em dois parágrafos, ao informe sobre o Chile da Comissão de Direitos Humanos da OEA. Posso dizer que a questão dos direitos humanos tornou tensas as relações entre os EUA e o Chile, em parte, como um resultado das ações do Congresso. Acrescento que espero que vocês possam remover estes obstáculos em breve.  Destacaremos também o relatório sobre Cuba e a hipocrisia de alguns que tratam da questão dos direitos humanos para intervir nos governos … Gostaria de deixar claro que o meu discurso não é contra o Chile. Minha avaliação é que o país é vítima de grupos de esquerda em todo o mundo e que o seu maior pecado foi derrubar um governo que estava indo em direção ao comunismo … Quero que sigam em frente e manteremos toda a possibilidade de ajuda. Se derrotarmos a emenda Kennedy, vamos trazer-lhe os F5 que prometemos. Vamos esperar um pouco para abordar outras questões de forma a evitar dar munição adicional aos nossos inimigos.”

O ditador Pinochet respondeu, dizendo que o retorno à institucionalidade caminhava “passo a passo” e lembrou que “resolvemos o problema das grandes corporações transnacionais. Renegociamos as privatizações e demonstramos a nossa boa-fé, fazendo pagamentos oportunos da nossa dívida.” Ao mesmo tempo, no mesmo tom familiar, reclamou que o Congresso dos Estados Unidos dava ouvidos aos seus adversários atuais. “Letelier tem acesso ao Congresso. Sabemos que estão dando informações falsas.” Três meses mais tarde, o chanceler de Allende, Orlando Letelier, foi morto por agentes especiais da ditadura e da CIA, em Washington.

O secretário da OEA encerrou a reunião com eloquentes louvores ao ditador Pinochet .. “Recebemos muito bem a derrubada do governo pró-comunista aqui …  Seu governo prestou um grande serviço ao Ocidente depondo Allende, caso contrário o Chile teria seguido Cuba e, então, não haveria mais direitos humanos …”.

A reunião magna serviu também para que o sionista, Nobel da Paz, desse luz verde à “Operação Condor”.

III

Em 13 de abril de 1982, a OEA aprovou, por consenso, uma resolução proposta pela Colômbia, pela qual a organização interamericana oferecia sua “cooperação amigável aos esforços de paz que estão sendo realizados, com o anseio de contribuir para uma resolução pacífica do conflito e que afaste definitivamente o risco de guerra”.

Tratava-se de um ‘carnaval’ diplomático, em que as máscaras cairiam, na medida em que o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, concebido pelos EUA, contando com ajuda da Colômbia para a sua concretização, se firmasse, com a impertinência e o cinismo de uma neutralidade forçada, em um momento em que não poderia haver meias palavras, e que exigia uma única, forte e unânime reação, a rejeição do continente à pretensão absurda do Reino Unido de manter espaços coloniais dentro dos limites da Nossa América.

Mas os ianques não hesitaram em mostrar sua verdadeira face imperialista. O jornal El País, da Espanha, anunciava em seu editorial de 01 de maio de 1982: “A ostensiva tomada de posição dos EUA no conflito do Atlântico Sul, em favor da tese britânica, prometendo apoio logístico a Londres, em caso de guerra, e decretando um boicote generalizado à Argentina, o que se constituiu na internacionalização radical da questão, e a coloca em uma perspectiva preocupante”.

A OEA foi incapaz de manter uma posição coerente com seus próprios instrumentos aprovados. Já são conhecidas as atitudes díspares tomadas pelos governos da região, em especial aqueles que, como a Colômbia, num simulacro de supostas legalidades de sua tradição (como os usados por Santander para sabotar os planos de Bolívar), terminaram apoiando o agressor colonialista.

Em 01/12/2011, Rafael Correa disse muito claramente: “A OEA devia ter desaparecido durante a Guerra das Malvinas”. O presidente do Equador considerou que a OEA deveria ter sido desarticulada em 1982, durante a guerra pelas Ilhas Malvinas, “porque o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) fora violado, quando os Estados Unidos não apoiaram um país membro, mas um outro fora da região”.

Na minha aldeia há um ditado popular que diz: “Os burros com a mesma pelagem, sempre andam juntos.”

IV

A invasão da pequena ilha de Granada, em 25 de outubro de 1983, voltou a colocar a OEA em evidência pela sua inutilidade aos povos que diz representar e aos princípios que afirma defender. Embora 15 dos 28 países que estavam envolvidos expressassem seu desacordo com a ação militar unilateral dos EUA, nem sequer foi lançada uma resolução ou condenação simbólica, formal, por parte da Organização. Esta mesma atitude foi mantida no caso da Guatemala, em 1954.  A mesma fraqueza se viu no caso da invasão do Panamá, em dezembro de 1989, que resultou em tímidas moções e quase uma justificativa.

A OEA tem sido ineficaz em assuntos relevantes como a descolonização de da região, particularmente com Porto Rico, tema intocável para os gringos e seus comparsas.  A organização tem se mostrado inútil aos povos originários oprimidos e desterrados em seus próprios territórios; e também para os povos afrodescendentes, que são ainda segregados nos EUA, para a população de migrantes, vítimas dos deslocamentos e que tem a necessidade de proteção internacional, sejam os refugiados, os expulsos de seus lugares de origem, ou apátridas, que hoje vivem atemorizados por conta do discurso xenófobo que se prega com ódio, desde as alturas do poder imperial.

Essa é a OEA, que não fala sobre os milhares de prisioneiros políticos nos Estados Unidos, todos criminalizados pelo sistema racista de classe, vigente naquele país, como os ícones, Leonard Peltier, militante indígena de ascendência anishinaabe Lakota, preso desde 1976; ou Mumia Abu-Jamal, um jornalista comprometido com a luta pelos direitos civis, condenado à prisão perpétua.

A OEA, cuja sede fica em Washington, capital do Estado que não faz parte da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. OS EUA, portanto, não estão sujeitos à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nem à Comissão quando atuam, sob as funções de órgão da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

É o cúmulo do complexo de superioridade de que padece a “praga universal” e os alcoviteiros dos viciados na sua dominação.

V

OEA no molho “Micheletti”

Nós, os latino americanos, devemos reconhecer que muitas coisas em nossas vidas foram modeladas pelos Estados Unidos, não “à sua imagem e semelhança”, mas ao seu capricho.

Os EUA não promovem, nem estão dispostos a compartilhar, o conforto de seu modelos de “abundâncias”, justamente porque os seus privilégios estão apoiados sobre as carências das grandes maiorias dos povos do continente americano. Essa é a lógica que a OEA deve reproduzir.

Ter visto o mais antigo diplomata do clube usurpar a presidência, legitimamente exercida Bolívia – e dirigir um debate cheio de írritos com uma decisão inaplicável, foi realmente irritante; e não pude deixar de relacionar o fato com o golpe de Estado em Honduras, contra o presidente Zelaya.

Tanto o assassinato seletivo de dezenas de líderes comunitários, incluindo a indígena lenca[7] Berta Cáceres, quanto a nomeação desta múmia na OEA, são um resultado direto de laboratório geopolítico ianque, gerenciado pelo Pentágono e o Departamento de Estado, a NSA[8], a CIA entre outras agências e milhares de ONGs financiadas pela “diplomacia do dólar”.

A partir dessa Honduras, nos moldes ianques, o secretário de Estado, John Foster Dulles e seu irmão, o diretor da CIA, Allen Dulles, sócios de uma firma de advocacia ligada à United Fruit Company[9], planejaram e executaram o golpe de Estado, em 1954, contra Jacobo Arbenz, então presidente progressista da Guatemala; foi também a partir de Honduras que se forjou parte da invasão à Baía dos Porcos, em Cuba; em solo hondurenho, Ronald Reagan, munido do dinheiro do tráfico de drogas, armou os “contra” antissandinistas, que tanta dor causaram ao povo da Nicarágua.

Por isso Zelaya tinha de ser removido do poder em um país que, para os Estados Unidos, é apenas uma das suas bases militares mais ativas. Por certo, muito bem azeitada ultimamente, tendo como foco a Venezuela bolivariana.

Sem a existência dos servis o império cai. Tipos como Almagro e assustados mandatários como Peña Nieto, Macri, Santos, Cartes e Kuczynski, todos com uma enorme cauda de palha, são essenciais para os Estados Unidos cumprirem sua meta hegemônica no parapeito mafioso que é a OEA. E por essa cauda de palha, os ianques os têm presos nas mãos e, para cada qual, há um expediente a cumprir, traçado pelos EUA.

VI

O povo bolivariano da Venezuela apoia a decisão soberana de nosso governo de retirarmo-nos da OEA, ainda que concordemos com aqueles que pensam que se trata de uma medida tardia e que deve ser muito bem explicada em sua justa dimensão, sem superestimar as consequências, nem subestimar a reação dos atores nacionais e internacionais presentes na conspiração.

É preciso autocrítica para reconhecer os erros cometido em alianças ingênuas, como essa onde construímos o caminho para o delinquente Almagro; similar é aquele pacto legislativo que, em 1998, deu a presidência da Câmara dos Deputados a Cabra Capriles, com os votos do Movimento Quinta República. Essa é uma criação de corvos. São pactos que matam.

A OEA é para os Estados Unidos, o curral de seu quintal, ali jogam milhos às galinhas e até promovem a rinha de galos. O “sistema interamericano” está montado para o “destino manifesto”, não estamos descobrindo nada de novo.

Em um cenário de ofensiva de direita, incluindo os governos temerosos e pragmático, de uma coisa impossível chamada de centro-esquerda, todos os organismos multilaterais serão terreno movediço para as posições anti-imperialistas. Para isso, devemos estar preparados com duas armas que, talvez, até o momento não tenhamos utilizado com o suficiente acerto, a desconfiança e a concentração.

É preciso aprender a dizer não ao tempo, condicionar os votos a favor e não desperdiçar energia em jogos amistosos.

Vamos concluir com Martí, que nosso Bolívar tem muito trabalho pela frente. Vamos buscar o apoio dos povos, não percamos tempo com a diplomacia mercenária.

Notas

[1]  Santanderismo: Ideologia política baseada no general Francisco de Paula Santander, em oposição ao Bolivarianismo. (N.T.)

[2] Guajiro: Som de chamamento aos camponeses cubanos para lutarem contra o império espanhol. (N.T.)

[3] Músico, cantor e compositor cubano, conhecido como o menestrel da Revolução Cubana. (N.T.)

[4] Cipayo: Antigo soldado indígena a serviço do império europeu. (N.T.)

[5] Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, 1959 – 1960. (N.T.)

[6] Ministério do Poder Popular, governo bolivariano da Venezuela. (N.T.)

[7] Os lencas constituem um grupo étnico da América Central que ocupou parte de Honduras e El Salvador durante o período pré-colombiano. (N.T.)

[8] Agência Nacional de Segurança nos EUA  (em inglês National Secutiry Agency) (N.T.)

[9] Durante grande parte do século 20, a United Fruit Company foi uma das mais poderosas empresas multinacionais dos EUA. Atuando na produção e exportação de bananas, a companhia conquistou uma posição de monopólio e expandiu-se pela América Latina. (N.T.)

Fonte: AVN, Tradução de Maria Helena D’Eugenio para o Resistência

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