Opinião
O Socialismo com Características Chinesas na Nova Era e sua principal contradição
“Deng Xiaoping uma vez teorizou que quando a China cumprisse uma série de objetivos em seu desenvolvimento, apontaria um caminho alternativo aos povos oprimidos do mundo. Demonstrando, portanto, a superioridade do socialismo frente ao capitalismo como a única solução para um desenvolvimento sustentável, científico e humano.”
Por Gaio Doria *
Xi Jinping, secretário-geral do Partido Comunista da China, ficou de pé no púlpito do salão do povo e durante 210 minutos leu 32440 ideogramas, sem descansar por sequer um minuto e bebeu água somente uma vez. Um feito impressionante para um homem de 64 anos de idade que através de sua postura determinada – com uma voz serena e compenetrada – passou uma mensagem clara ao mundo: O Partido Comunista da China (PCCh) é um partido marxista-leninista, fiel aos princípios do marxismo e engajado em sua aclimatação teórico-prática no contexto chinês. O compromisso da maior agremiação comunista do mundo é garantir o progresso da China através da realização da modernização socialista.
É impossível ignorar estes elementos quando buscamos entender este gigante asiático. A China fez uma escolha histórica pelo socialismo. Não se trata de um sistema simplesmente importado, mas um caminho forjado através da luta revolucionária do povo chinês que, sob a liderança de seu Partido Comunista, conquistou grandes avanços. A Revolução Chinesa não foi artificialmente imposta de cima para baixo. A sociedade chinesa não foi sequestrada pelos comunistas, como uma grande parte dos analistas burgueses gosta de sugestionar. A Revolução foi um processo histórico que gozou de extrema capilaridade, a esmagadora maioria do povo chinês se engajou politicamente e lutou pela sua independência e pelo seu futuro, por um projeto de nação. Por esta particular característica, o Partido Comunista da China fincou raízes profundas nas massas operário-camponesas da China.
Assim, a declaração realizada no dia 25 de outubro de 2017, do secretário-geral do PCCh, Xi Jinping, na coletiva de imprensa do 19º Congresso, de que o Partido deve sempre servir ao povo, sendo sua vanguarda e a espinha dorsal da nação chinesa não se enquadra como mera propaganda política. É um fato histórico. A relação do Partido Comunista da China com o povo chinês é orgânica e sólida, construída ao longo de seus quase 100 anos de existência.
Quem não compreender a natureza sócio-histórica deste relacionamento jamais entenderá a China contemporânea. Recairá, como a imensa maioria dos críticos, no pessimismo apocalíptico, repetindo da mesma maneira que Prometeu, análises místicas sobre a queda do Partido Comunista da China e o fim do socialismo. É por isso que o Ocidente não foi capaz de interpretar e acompanhar com clareza o crescimento da China nos últimos 40 anos.
A política chinesa, apesar de suas especificidades, não é de maneira nenhuma indecifrável. Existe uma institucionalidade na forma como é conduzida. A República Popular da China, herdeira da Revolução de Outubro de 1917, toma os princípios estabelecidos pela Comuna de Paris e os acúmulos de experiência do movimento comunista internacional como pilares fundamentais para a organização de seu sistema político. Desta forma, a realização de congressos com certa periodicidade é práxis comum a todos os Partidos Comunistas ainda existentes no mundo. Evidentemente, o caso da China reveste-se de especial importância por se tratar do maior Partido Comunista existente no poder. Mas então por que há tanta dificuldade em compreender a China? A resposta é simples, os referenciais teóricos utilizados para se analisar o país são revestidos de nuances ideológicas e preconceitos que impedem uma visão científica da realidade chinesa.
A fundação da República Popular da China (RPC) representou o fim de um ciclo histórico, onde a China fora reduzida à condição de semicolônia pelo imperialismo ocidental. A partir de 1949, iniciou-se o longo caminho rumo à modernização socialista. Nesta trajetória, a Nova China coletou sucessos e fracassos. Após as primeiras décadas da RPC, Deng Xiaoping percebeu que o binômio guerra e revolução fora substituído pelo binômio paz e desenvolvimento. Por isso, a China deveria embarcar em uma nova etapa histórica, a Reforma e Abertura, a qual Deng categorizou como uma segunda revolução. Em setembro de 1982, no 12º Congresso do Partido Comunista da China, no esteio dos sucessos iniciais da Reforma e Abertura, Deng Xiaoping sumarizou a experiência histórica e concluiu: a verdade universal do marxismo precisa ser integrada à realidade concreta da China, que deve trilhar o seu próprio caminho, construindo o Socialismo com Características Chinesas.
A linha política do Partido foi alterada através da percepção de qual seria a principal contradição no Primeiro Estágio do Socialismo, outro grande avanço teórico realizado pelo PCCh que percebeu, através das dificuldades práticas, o longo período de tempo necessário para se construir o socialismo. A luta de classes deixou de ocupar um papel proeminente e a principal contradição tornou-se a crescente necessidade econômica e cultural do povo e o atraso das forças produtivas.
Desta forma, o Socialismo com Características Chinesas representa um avanço teórico importante na sinicização do Marxismo. Tornou-se o pensamento base para o Partido e para o povo chinês, sendo o guia para a construção do socialismo na China e para a realização do sonho chinês e do rejuvenescimento da China, conforme teorizado pelos dirigentes comunistas.
O que é socialismo e como construí-lo? Qual tipo de Partido construir ? Qual tipo de desenvolvimento se deve atingir? Foram as principais perguntas respondidas nas últimas décadas. A teoria de Deng Xiaoping tratou de responder a primeira pergunta. O pensamento da Tríplice Representatividade, formulado por Jiang Zemin, se ocupou da segunda pergunta. O conceito de desenvolvimento científico, proposto por Hu Jintao, confrontou os desafios impostos pela terceira pergunta.
Estas questões, no entanto, jamais encontrarão respostas definitivas. É por isso que o marxismo formulou o materialismo histórico dialético, como um modo de pensar assentado sobre a preocupação de apreender a realidade em suas mudanças incessantes, no seu constante processo de transformação com suas inúmeras contradições.
Desta forma, o secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), Xi Jinping, em seu relatório ao 19º Congresso apontou que: “Mediante os esforços feitos durante um longo período de tempo, o socialismo com características chinesas já entrou numa nova era, que confirma a nova posição histórica do desenvolvimento da China”.
O diretor do Departamento Acadêmico da Escola Central do PCCh, Xie Chuntao, autor de diversos livros, corrobora deste pensamento. Após 40 anos de Reforma e Abertura, o desenvolvimento cientifico-tecnológico em todas as esferas produtivas, o crescimento econômico estável e os avanços político-sociais, alçaram a China a uma posição de vanguarda no cenário mundial. Isto indica, portanto, a entrada do Socialismo com Características Chinesas em uma nova era.
Desse modo, o 19º Congresso do Partido Comunista da China assume uma importância histórica inédita. A conquista da posição de segunda maior economia do mundo, transformou a China em uma potência industrial. A era do atraso das forças produtivas definitivamente chegou ao fim. Por essa razão, Xi Jinping teorizou: “O que enfrentamos agora é a contradição entre o desenvolvimento desequilibrado e inadequado e as necessidades cada vez maiores do povo por uma vida melhor”.
A redefinição da principal contradição da China talvez seja o ponto mais importante do 19º Congresso. Os marxistas interpretam o mundo através do materialismo histórico dialético. A dinâmica de forças opostas está sempre presente nas sociedades. Para conduzir mudanças sociais com sucesso é necessário identificar e definir a principal contradição de uma determinada sociedade. Elaborada de maneira correta, ajudará a promover um desenvolvimento científico e estável. Interpretada de maneira incorreta, pode levar uma sociedade às ruínas e ao caos social.
Sob o contexto de mudanças profundas e complexas das circunstâncias nacionais e internacionais, os desafios programáticos do Partido na governança da China atrairão atenção global. Diante disso, representando o núcleo da liderança do PCCh, as palavras de Xi Jinping expressam o propósito fundamental do 19º Congresso e a aspiração dos comunistas chineses:
“O tema do Congresso consiste em permanecer fiel à missão, erguer bem alto a bandeira do socialismo com caraterísticas chinesas, vencer decisivamente a construção integral de uma sociedade moderadamente abastecida, aproveitar a grande vitória do Socialismo com caraterísticas Chinesas na nova era e lutar consistentemente para concretizar o sonho chinês da grande revitalização da nação chinesa”.
Os desafios a serem enfrentados pela China serão diversos e de proporções enormes. Aprimorar o sistema de saúde, racionalizar o uso de recursos naturais, combater a corrupção, fortalecer as instituições, aprofundar a democracia socialista, entre outros.
Destarte para enfrentar os desafios impostos a China nos próximos cinco anos. O Partido Comunista da China elegeu na sessão de encerramento de seu 19º Congresso, no dia 24 de outubro de 2017, o seu novo Comitê Central. O 19º Comitê Central foi eleito pelos 2.336 delegados presentes, inclui 204 membros e 172 suplentes. Xi, em seu discurso de encerramento, disse: “Acreditamos que todas as decisões e planos que o congresso elaborou e todos os resultados que ele obteve desempenharão um papel muito importante para guiar e garantir o sucesso em nossos empreendimentos importantes”.
Deng Xiaoping uma vez teorizou que quando a China cumprisse uma série de objetivos em seu desenvolvimento, apontaria um caminho alternativo aos povos oprimidos do mundo. Demonstrando, portanto, a superioridade do socialismo frente ao capitalismo como a única solução para um desenvolvimento sustentável, científico e humano.
* Gaio Doria é mestre em economia chinesa pela Universidade do Povo da China (中国人民大学), em Pequim, onde atualmente faz doutorado no Instituto de Marxismo da mesma universidade; colaborador da Comissão de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
Fonte: Diário do Povo Online