Opinião

O significado da visita de Kim Jong Un à República Popular da China diante do cenário geopolítico

02/04/2018

A visita do dirigente coreano Kim Jong Un à China pegou a comunidade internacional de surpresa. A entrada às 15:00 horas do dia 26 de março de um trem blindado da Coreia Popular na estação Beijing Railway, cujas informações não estavam listadas no painel, despertou intensa curiosidade.

Por Gaio Doria, de Pequim, para o Resistência*

A presença da guarda honra do Exército de Libertação Popular, de uma fileira de carros VIP e de fortes medidas de segurança não deixaram dúvidas de que se tratava de uma visita de um alto dirigente da Coreia Popular. A mídia japonesa foi a primeira a noticiar que havia chegado a Pequim um trem de 21 vagões, semelhante ao utilizado por Kim Jong Il em 2011 por ocasião de sua visita à Rússia. Inicialmente, a mídia internacional especulou tratar-se da irmã de Kim Jong Un, Kim Yo-Jong, devido sua participação nas Olimpíadas de Inverno em Seul, no início deste ano. Contudo, devido ao esquema de segurança elevado por toda a capital chinesa, rapidamente chegou-se à conclusão de que tratava-se do máximo dirigente coreano, Kim Jong Un.

Apesar dos rumores terem seguido por alguns dias, as fotos e comentários oficiais só foram liberados após à conclusão do que foi denominado como uma visita informal, ocorrida entre os dias 25 e 28 de março. Em diversas notícias publicadas nas mídias estatais chinesas, foi explicado que a visita foi fruto de um convite realizado pelo Secretário Geral do Partido Comunista da China, Xi Jinping. Por sua vez, a resposta positiva do lado coreano reveste-se de um significado histórico sem precedentes, pois trata-se da primeira visita a um país estrangeiro realizada por Kim Jong Un desde que assumiu a liderança do Partido do Trabalho da Coreia.

A escolha da China não foi mero acaso. Esta visita tem o objetivo de melhorar as relações bilaterais entre os dois países comunistas que, desde a escalada de testes por parte da RPDC, vinha se deteriorando em um ritmo alarmante. Mais importante, este encontro trouxe Pequim para o epicentro da questão nuclear na península coreana, contrariando os analistas que até então viam na ausência da China no processo de negociação de um possível encontro entre Donald Trump e Kim Jong Un, uma grande derrota diplomática às aspirações chinesas de se tornar uma potência regional e global capaz de mediar conflitos.

Embora esta visita tenha aparecido de surpresa para muitos, no dia 18 de março, o jornal Global Times, periódico filiado ao Diário do Povo e especializado em questões internacionais, publicou um editorial intitulado “Nada deve vir entre a China e a Coreia Popular”, onde sinalizou uma aproximação entre os dois países e um prenúncio do encontro.

Embora seja impossível especular sobre o conteúdo exato do que foi conversado exatamente entre os dois mandatários comunistas, podemos enxergar neste editorial uma síntese da perspectiva chinesa sobre a questão. O ponto de partida do texto é pontuar o fato de que a opinião pública internacional é majoritariamente influenciada por informações da mídia ocidental, sul-coreana e japonesa. Naturalmente, isto influencia na percepção geral da questão e dificulta seu entendimento frente ao senso comum.

A posição da China é clara: apesar de ser contra o programa nuclear da RPDC, não admitirá a possibilidade de guerra e caos na região. Além disso, a República Popular da China reafirma constantemente seu princípio de não intervir em assuntos internos de outros países. Portanto,  é direito da RPDC manter o seu sistema político.

A natureza da relação entre os dois países asiáticos, explica o editorial, difere da relação entre Washington e Seul. A China, ao contrário dos Estados Unidos, não mantém tropas em território coreano. Pequim e Pyongyang possuem uma relação de igualdade e respeito mútuo. O argumento amplamente difundindo de que a China possui a habilidade de controlar a Coreia Popular é uma falácia. É em cima desta afirmativa que o editorial insinua que há interesses de terceiros em criar e estimular conflitos entre os dois países irmãos.

Neste sentido, a conclusão do editorial publicado sete dias antes da visita de Kim Jong Un, nos oferece uma janela precisa para o quadro teórico que pautou o encontro: Para a China, ajudar na mediação é favorável à estratégia de Pequim em consolidar-se como potência regional com legitimidade para executar manobras nos assuntos do nordeste asiático. Para a Coreia Popular, argumenta o editorial, seria difícil e perigoso lidar com Seul, Washington e Tóquio sozinha. O apoio da China poderá neutralizar muitos riscos e contrabalancear a correlação forças.

A mídia internacional reagiu publicando uma enxurrada de artigos sobre a natureza do encontro, em sua maioria fazendo especulações sobre o papel da China nos futuros encontros de Kim Jong Un com mandatários estrangeiros e nas negociações referentes à questão nuclear na península coreana. Embora seja cedo para fazer afirmações ou arriscar previsões, é seguro afirmar que qualquer conflito de interesses na questão nuclear entre a Coreia Popular e a China jamais romperá a aliança estratégica entre os dois países.

* Mestre em economia pela Universidade do Povo da China onde atualmente faz o doutorado; militante do PCdoB, colaborador da Comissão de Política e Relações Internacionais.

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