Opinião
O regime do golpe empossou o da tirania
Por José Reinaldo Carvalho (*)
A posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República mereceu um ruidoso consenso por parte da mídia empresarial e das lideranças conservadoras do mundo político e econômico-financeiro.
Por alguma razão, o ato de investidura no mais alto cargo do país de um político tão desafeto da democracia é designado como “festa da democracia”.
Atribuir caráter democrático ao novo regime e propagar que a democracia lhe deu posse é mais uma dessas falsificações que fazem parte da época das chamadas fake news.
Bolsonaro foi eleito e assume a chefia do Estado e do Governo nos marcos de um golpe de Estado, em que a estabilidade democrática do país foi rompida, resultando no impeachment da presidenta legitimamente eleita, na prisão sem motivos, sob falsa acusação, do maior líder popular do país e na proibição de sua candidatura.
O consenso sobre a “posse democrática” tem sua razão de ser na unidade programática das classes dominantes em torno dos principais pontos da agenda do novo governo: as reformas antissociais, a orientação econômica ultraliberal, o combate às forças de esquerda e o realinhamento internacional do Brasil.
Tudo devidamente encoberto sob juras de respeito à Constituição e à democracia, sendo uma um livro que se pode rasgar sob o impacto de emendas que desnaturam o seu espírito, e a outra um conceito impreciso e vago instrumentalizado segundo as conveniências do governo de turno.
No palavreado tosco do presidente da República, pronunciado em má dicção, busca-se esconder as suas reais intenções sob os bordões que fizeram a glória de sua campanha eleitoral: o “combate” à corrupção e à criminalidade, a “valorização” da família, a formação do Ministério “sem viés político”, a “ruptura” com práticas nefastas, o “direito de defesa” das pessoas e da polícia, e outras expressões que com o tempo se revelarão inócuas platitudes.
São expressões e gestos, tal como a pantomima do discurso em Libras, que se destinam a distrair o público e a revolver os porões do reacionarismo há tempos recalcado. Farão parte da propaganda governamental, serão o substrato do “Ame-o ou deixe-o” do século 21, enquanto a dura realidade dos problemas econômico-sociais e dos conflitos políticos não se impuser. Não tardará a surgir a simbologia do salvador da pátria e da mãezinha protetora de desvalidos, um culto à personalidade mesclando energia e bondade, enquanto os encarregados da economia, da polícia e da segurança – institucional ou não – derem curso a inomináveis crueldades.
Foi o sinal emitido por algumas cenas da cerimônia de Primeiro de Janeiro. A preparação meticulosa do ambiente contou com um ameaçador aparato militar, gestos patéticos e até mesmo uma “quebra do protocolo”. O discurso em Libras da primeira-dama fez parte do roteiro traçado, mas não só. A exibição de força das três armas e a demonstração de afeto na aparição da primeira-dama são signos que apontam para o “novo” estilo de governar. O regime tirânico vai combinar demonstrações de força com mensagens melífluas.
A verdadeira face da tirania aparece quando o presidente ataca os que ele considera “inimigos da pátria, da ordem e da liberdade”, ou proclama o fim do “socialismo”, do “politicamente correto”, da “ideologia de gênero”, da submissão às ideologias” e da vigência das “tradições judaico-cristãs”. E quando jura derramar sangue para defender as cores da bandeira.
Mesmo ignorando os fundamentos mais elementares da ciência política, Bolsonaro sabe que socialismo não houve no Brasil, que não há força política, seja em que espectro for, que defenda a bandeira vermelha como pavilhão nacional ou que proponha o socialismo como alternativa imediata aos graves problemas do país.
São truques da propaganda neofascista. Desde Dwight Eisenhower, o discurso em torno do conceito judaico-cristão é usado como amparo filosófico da guerra fria, da defesa da supremacia imperialista estadunidense, de valores conservadores e da mobilização de forças intelectuais e militantes contra o comunismo, o socialismo e o progressismo. O ghost-writer de Bolsonaro retirou do baú empoeirado a referência às “tradições judaico-cristãs” para justificar os ataques às concepções de democracia e direitos humanos das forças progressistas, com o fim de impor políticas conservadoras e de direita, consistentes no uso de atos repressivos de lesa-humanidade. Não foi por mera retórica que, quando deputado e candidato, o atual presidente exaltou a tortura e os torturadores.
Jair Bolsonaro assume a Presidência da República num país com imensa projeção e importância geopolítica. A corte que lhe fazem o presidente dos Estados Unidos e o líder sionista israelense Benjamin Netanyahu faz parte de um conflito internacional pelo novo ordenamento do mundo, em que a olhos vistos a superpotência norte-americana já não pode fazer o que quer pois já soou o dobre de finados da sua primazia inconteste.
O Brasil não pode enveredar pela senda antidemocrática e antissocial no plano interno, sob pena de sofrer perdas irreparáveis em seu desenvolvimento. Nem pode deixar-se arrastar pelos planos imperialistas dos EUA e Israel, sob o risco de perder irremediavelmente a sua soberania. As demonstrações de sujeição por parte do novo regime causam a justa indignação dos patriotas.
Resistir e lutar contra esse regime é, assim, questão de salvação nacional.
(*) Jornalista, editor de Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB