Opinião
O mundo está ameaçado pelo cinismo que desvirtua o Estado
A velocidade com que se destroem hoje as sociedades, é impressionante. Seja no Oriente Médio ou no Norte da África – com bombardeios financiados pelo imperialismo; seja no Brasil – com a ocupação do Governo por um setor medieval manipulado por oportunistas que se tornaram traidores da pátria a troco de corrupção; seja na Europa ilustrada – que cerca as nações com arame farpado para que, os que fogem das bombas nos seus países invadidos ou do afogamento no Mar Mediterrâneo, não invadam as suas ruas; seja nos Estados Unidos – onde elegem como Presidente o que ameaça de expulsão os imigrantes indesejáveis… Em todo o lado onde a vida social tinha a aparência de paz, honestidade, humanismo, merecedora de confiança de qualquer pessoa, surgiu uma praga insidiosa de cinismo, mentira, e ameaças, que se levanta como um muro para separar as instituições do Estado do cidadão que precisa de apoio para sobreviver.
Por Zillah Branco
O filme de Ken Loach – que mereceu a Palma de Veneza com o título “Eu, Daniel Blake” – mostra na Inglaterra de hoje a “ameaçadora Segurança Social” que usa os recursos da burocracia para jogar como peteca de um lado para outro, um idoso com problemas de coração, para não lhe dar nem a aposentadoria, nem a pensão de sobrevivência, nem o seguro de doença, com exigências de uma papelada formal onde ele deve responder a perguntas que nada têm a ver com a doença atestada por médicos, e o colocam na situação de quem “não quer trabalhar”. Aos poucos ele perde o pouco que tinha depois de 40 anos de trabalho como marceneiro, vai vendendo móveis e pequenos bens para poder pagar o aluguel da casa e comer, anda quilômetros para provar que quer, mas não pode, trabalhar. Discute com os funcionários que falam o mesmo idioma mas raciocinam dentro do modelo irracional imposto pela chefia do serviço. Irritam-se mutuamente e a polícia é chamada para levar o cidadão que perturba a ordem. Por fim ele morre com um AVC, que é a solução pretendida pelo sistema capitalista (apregoada pela diretora Lagarde do FMI e outros boçais como têm proliferado no Brasil, tipo Bolsonaro).
Quem ainda não passou (ou ouviu contar por um cidadão mais velho) por uma situação semelhante em uma repartição da chamada Previdência Social, ou das Finanças? Quem não sabe ainda que isto acontece com pessoas empobrecidas que adoecem ou envelhecem? Quem não leu apelos de famílias que têm filhos com deficiências e não têm a quem recorrer? Quem ainda desconhece a realidade da sociedade em que vivem?
É que isto hoje ocorre em todos os continentes deste destroçado planeta, com raras exceções onde o socialismo sobrevive com um Estado Social.
Até a mídia (criadora de ilusões e distribuidora de mentiras) mostra, rapidamente, umas notícias ou fotos das misérias que inundam as periferias dessa encantadora sociedade que parece estar sempre ao sol em permanente estado de felicidade e beleza!
Um dos recursos para deixar de ver a realidade ameaçadora é viver colado à internet. Mas, mesmo aí, quem usa a cabeça para pensar e escrever, tropeça nas “atualizações” que se sucedem também em alta frequência nos programas, e surgem “apagões”, ou é necessário repetir as indicações do endereço eletrônico e a senha que você substituiu ontem mas já deixou de valer. Surgem os avisos em vermelho sobre os “erros”, como os arames farpados entre as praias do Mediterrâneo e os países europeus para cortar o caminho aos náufragos, como os muros entre Israel e os palestinos ou os Estados Unidos e os mexicanos ou outros povos dominados pelo imperialismo.
Você sabe que não está errado, mas o “sistema” (capitalista, informático ou jurídico) diz o contrário. E quem manda é ele, com a lógica que lhe convém. Paciência, medo, desânimo, desistência, tudo isso leva à perda dos direitos de cidadania.
Passei por esta experiência no Brasil durante 10 anos de contatos com a Previdência Social que não quis reconhecer os meus direitos à soma dos períodos em que trabalhei como emigrante em outros países, conveniados, para a contagem do tempo que justificaria a aposentadoria. Depois recorri ao Juizado Federal que levou dois anos para produzir uma sentença favorável que resultou em uma pensão de miséria no valor de 1/3 do salário mínimo. Precisei vender a minha casa e fui para a companhia dos filhos em Portugal. Com a mudança de país perdi a isenção ao Imposto de Renda que retira 25% da miserável pensão.
Além do roubo perpetrado pela chamada Segurança Social e os serviços de Finanças, sofri a decepção com os governantes que apenas responderam um “sinto muito, mas nada podemos fazer diante das leis aplicadas” e com advogados que não quiseram perder tempo com uma causa sem vantagens financeiras e de promoção social. Para não morrer nesta luta inglória, continuo a denunciar a existência desta praga financeira que ocorre até no rico Império Britânico, como mostra o filme de Ken Loach. Não se pode contar com o apoio de pessoas que têm medo de perder as regalias alcançadas em luta por um ideal a que chamam “utopia” .
Só a força de uma Frente Popular que reúna a experiência dos mais velhos e a capacidade dos mais jovens poderá romper esta praga destruidora que se expande pelo mundo!