Opinião
O Foro de São Paulo e os desafios estratégicos da esquerda
Reúne-se nesta semana em San Salvador, capital de El Salvador, entre os dias 22 e 26, o 22º Encontro do Foro de São Paulo.
Por José Reinaldo Carvalho*
Articulação das forças progressistas e de esquerda de toda a América Latina e do Caribe, o Foro de São Paulo atrai as atenções de todo o mundo e, além de mais de uma centena de partidos políticos latino-americanos, conta com a presença de forças políticas de outros continentes. Sua existência é a demonstração mais cabal da busca permanente da unidade das esquerdas, como condição indispensável para levar adiante a luta anti-imperialista e por mudanças progressistas na região.
Fundado em 1990, no auge da contrarrevolução que resultou na derrocada dos países socialistas, e quando estava a pleno vapor a ofensiva do imperialismo estadunidense, então unipolar, e da reação mundial contra as conquistas democráticas e sociais dos povos, o Foro de São Paulo é a maior e mais duradoura articulação de forças de esquerda em todo o mundo. Voltado para assegurar a unidade na diversidade das correntes da esquerda, firmou-se como uma coordenação de caráter anti-imperialista, em luta pela democracia, os direitos dos povos, a soberania nacional, a integração regional, a paz mundial e o socialismo, nas condições peculiares da época e resguardadas as situações nacionais específicas.
O Foro de São Paulo é um importante instrumento para unificar a voz e as ações da esquerda latino-americana na luta contra o neoliberalismo, o conservadorismo, as heranças ditatoriais, as políticas econômicas lesivas aos direitos dos trabalhadores e o neocolonialismo.
Sempre que o Foro de São Paulo se reúne, os povos latino-americanos e caribenhos têm muito a ganhar, pois suas resoluções e planos de ação estimulam as lutas pela democracia e a soberania nacional na região.
Como ocorre em todos os encontros do Foro de São Paulo, a assembleia final é precedida de reuniões de trabalho das secretarias regionais, da realização de oficinas temáticas nas quais se debate com mais concretude, observando as peculiaridades locais e setoriais. São reuniões indispensáveis para informar corretamente a elaboração do plano de ação e da declaração final. As reuniões do Foro de São Paulo são ocasiões propícias também à realização dos encontros setoriais de sindicalistas, mulheres, jovens, parlamentares e de ativistas dos movimentos antirracistas e culturais, o que muito contribui para estreitar os vínculos entre as forças políticas e os movimentos sociais. Daí a importância da presença de representações desses movimentos, além dos partidos políticos.
Na condição de membro atuante do Grupo de Trabalho, ao lado do PT, que está à frente da Secretaria Executiva, o Partido Comunista do Brasil dá, desde a criação do Foro de SP, sua contribuição para o êxito dessa articulação de forças políticas, sendo fator de unidade e do seu fortalecimento na execução das decisões adotadas coletivamente nos encontros gerais e nas reuniões do Grupo de Trabalho.
O documento central que estará em discussão nas plenárias do 22º Encontro, faz um rico balanço quantitativo e qualitativo, assinalando entre outras coisas que o Foro se consolidou como “ferramenta da esquerda latino-americana na luta contra o neoliberalismo”. Destaca ainda sua “identidade anti-imperialista” e sua condição de “espaço de encontro”, no qual somam seus esforços partidos e movimentos políticos de diversas origens. “A diversidade política e ideológica, motivo de enfrentamentos e divisões no passado, tanto na esquerda em geral, como entre os membros do Foro, em particular, se transformou em um fator de riqueza do debate e do intercâmbio de ideias, e de geração de propostas e ações comuns, com a derrota do neoliberalismo como objetivo central”, destaca.
No atual momento, a esquerda encontra-se diante de desafios superiores, tendo sempre presente o pressuposto da unidade. A humanidade está sob uma escalada de ameaças, do uso da força, golpes de novo tipo, militarização, corrida armamentista, proliferação de bases militares e intervenções. Tudo isso protagonizado pelo imperialismo estadunidense e seus aliados da União Europeia, que destroem países, saqueiam os recursos naturais dos povos, ocupam territórios, fomentam o terrorismo de Estado e intentam sufocar as experiências democrático-populares em construção na América Latina.
A região da América Latina e Caribe vive uma encruzilhada histórica. Ou avança no sentido de aprofundar os processos de mudança, consolidar as conquistas sociais e políticas, fortalecer a independência e a integração, ou retroceder, sucumbindo às políticas neocolonialistas e opressivas do imperialismo e das classes dominantes, se as forças de esquerda enveredarem pelo caminho da cedência, da conciliação de classes, da falta de vigilância, e se desarmarem política e ideologicamente perante a ofensiva brutal do inimigo.
O momento requer resistência e luta e sobretudo, que se deem passos seguros no sentido de estabelecer a hegemonia das forças de esquerda no terreno eleitoral e legislativo, na direção do poder executivo nacional, de instituições governamentais nacionais e locais, incluindo o poder judiciário, na luta de massas, na direção de movimentos sindicais, juvenis, femininos e populares, para o que é indispensável uma acertada política de alianças, ampla, com as necessárias demarcações perante forças que se apresentam como centristas sendo na essência retrógradas e de direita. É ainda indispensável o protagonismo da esquerda na luta de ideias, com a ocupação de espaços nos meios de comunicação, a criação de veículos próprios e atuação nas redes sociais, simultaneamente ao combate ao monopólio dos grupos privados.
Para enfrentar tais desafios, as forças de esquerda latino-americanas têm diante de si o desafio de se unir em torno de um Programa estratégico, que, resguardando as peculiaridades nacionais e a independência político-ideológica de cada partido e movimento, dê respostas comuns a problemas táticos e estratégicos, pertinentes à luta anti-imperialista e antineoliberal, confronte as políticas conservadoras sob hegemonia do capital monopolista-financeiro, oponha-se aos planos intervencionistas e belicistas, defendendo a paz e reafirmando a região como “zona de paz”, equacione o combate ao subdesenvolvimento e a desigualdade social, proponha a realização de reformas estruturais, tais como, entre outras, a reforma urbana e agrária, a reforma política, a democratização da mídia, a distribuição da renda e da riqueza, o desenvolvimento industrial e técnico-científico e a universalização dos direitos. É indispensável lutar por um novo poder político, representativo das maiorias, substituindo o poder das classes dominantes, soerguer novas instituições e favorecer novas relações sociais e um novo modo de vida.
Um Programa estratégico deve responder também à construção de um perfil político, ideológico e ético, que credencie os partidos políticos e movimentos de esquerda como forças merecedoras da confiança dos trabalhadores e dos povos.
O 22º Encontro do Foro de São Paulo pode ser um marco na inauguração desse esforço de elaboração programática estratégica, na melhor tradição dos encontros realizados em El Salvador e na América Central. Indicações nessa direção foram dadas desde a reunião do Grupo de Trabalho, realizada na Cidade do México, em 13 de março, a partir de uma proposta do Partido Comunista de Cuba, acatada pelos partidos presentes.
Os comunistas brasileiros, estarão ativamente empenhados na realização dessa tarefa estratégica, tendo sempre presente a unidade entre as forças de esquerda e a autonomia de cada uma.
*Secretário de Política e Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil; delegação do PCdoB no 22º Encontro do Foro de São Paulo.