Conjuntura internacional

O conflito na Ucrânia entre o realismo e a catástrofe global

09/08/2022

Ou os EUA e aliados encontram um modus vivendi na multipolaridade, ou suas ações custarão caro a toda a humanidade, escreve José Reinaldo Carvalho (*)

As declarações dos principais protagonistas do mundo multipolar – a China e a Rússia – veiculadas pelas agências internacionais nesta quinta-feira (21) sobre o conflito em curso no Leste europeu apontam na direção correta: o retorno à mesa de negociações, para o restabelecimento de um diálogo que nunca deveria ter sido interrompido, visando a um acordo de paz ou, no mínimo um cessar-fogo.

Na véspera, o embaixador da China nos Estados Unidos, Qin Gang, defendeu um cessar-fogo imediato na Ucrânia e o restabelecimento das negociações de paz entre Rússia e as potências ocidentais. Ele reafirmou a posição anunciada em diferentes ocasiões pelas autoridades do país socialista asiático. Na última segunda-feira (18), o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que o governo de Pequim vai manter uma postura firme e proativa para facilitar as negociações e a paz na Ucrânia. No início deste mês, ele acusou alguns países ocidentais de usar a crise ucraniana como pretexto para aplicar sanções unilaterais à China. A declaração foi dada após um artigo do jornal Global Times noticiar que o governo de Joe Biden estaria usando as mesmas estratégias usadas contra a Rússia para pressionar e conter avanços militares e tecnológicos da China.

Contestando as versões difundidas pelos EUA sobre a natureza da parceria estratégica com a Rússia, o embaixador chinês em Washington disse que a “relação China–Rússia não é para o confronto e não está dirigida contra nenhum terceiro país”.

Por sua vez, nesta quinta-feira (21), a Rússia afirmou que continua com as portas abertas para as negociações de paz com a Ucrânia. “Nem o presidente [Vladimir Putin], nem o ministro [das Relações Exteriores, Sergei Lavrov], jamais fizeram referência a fechar as portas para as negociações”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. O presidente Putin, por sua vez, afirmou, durante sua recente visita a Teerã, que as autoridades ucranianas se recusaram a aplicar os acordos, que estavam próximos de ser alcançados.

A última reunião relevante que apontava na direção de um acordo ocorreu em 29 de março, em Istambul, sob os auspícios do presidente turco Recep Taip Erdogan. Ali acendeu-se uma réstia de esperança, com a entrega de um caderno de exigências pela parte russa, que a parte ucraniana se dispôs a examinar positivamente. Inopinadamente, ato contínuo, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky anunciou que suspendia os diálogos.

O comportamento das potências imperialistas ocidentais, designadamente os EUA e seus parceiros da Otan de dar as costas às negociações entre russos e ucranianos e a prioridade que dão à imposição de severas sanções econômicas à Rússia e ao fornecimento de armas à Ucrânia são os fatores determinantes para o impasse.

Enquanto isso, a Rússia alcançou significativos avanços militares no terreno e está prestes a exercer o controle pleno da região do Donbass, onde se localizam as províncias de Lugansk e Donetsk, que se autoproclamaram Repúblicas Populares independentes e defendem a separação da Ucrânia, na sequência do golpe de Estado ocorrido no país com apoio explícito e direto dos Estados Unidos e da União Europeia.

Na contramão dos acenos por um cessar-fogo, as potências ocidentais têm feito declarações que dificultam que o conflito passe a ter como cenário principal a diplomacia e não as ações militares. O chanceler alemão, Olaf Scholz, apregoou no começo da semana a continuidade das sanções, caso um acordo seja feito nos termos russos. Biden, reiterou que vai ajudar os ucranianos a derrotar militarmente os russos e anunciou o envio de nova ajuda militar. E o mandatário francês, Emmanuel Macron, sacou do bolso do colete uma estapafúrdia proposta de criar uma “comunidade política europeia” para isolar a Rússia, sem especificar se está propondo a criação de algum novo mecanismo institucional pan-europeu. Tudo isso parece ter enchido de brios o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytri Kuleba, que bradou: “só haverá negociações após a vitória da Ucrânia”.

Não há realismo nas declarações desses estadistas. Uma ofensiva visando a derrotar a Rússia só seria possível com o envolvimento direto dos EUA e seus parceiros da Otan, o que transformaria um conflito que militarmente ainda é localizado em uma conflagração geral.

O melhor caminho é o pragmático: aceitar os fatos já consumados no campo de batalha, o que garantiria a preservação da soberania nacional ucraniana, em um novo quadro geopolítico característico de uma nova situação internacional em que a hegemonia das forças imperialistas ocidentais não pode mais ser exercida como antes. Ou essas potências encontram um modus vivendi no mundo multipolar emergente, ou suas ações antirrussas e antichinesas poderão provocar uma tragédia para toda a humanidade.

(*) José Reinaldo Carvalho é jornalista, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secretário-geral do Cebrapaz

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