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O ‘centrão’ não é solução
Por José Reinaldo Carvalho (*)
O mais agudo analista sobre a conjuntura nacional jamais imaginaria que com pouco mais de cem dias de instalado, o governo de extrema direita, eleito com a pretensão de possuir respaldo popular e apoio político vasto e sólido, entraria em crise e patinasse na aprovação de qualquer medida no Parlamento.
Muitos supunham que a aprovação das reformas ocorreria a toque de caixa, sobretudo a da Previdência, unanimidade entre as classes dominantes e suas representações no mercado, na mídia e no parlamento, tanto entre caciques da “nova” como da “velha” políticas.
A ida triunfante de Bolsonaro à sala do presidente da Câmara parecia um sinal de que afinal o consenso político se estabelecera de uma vez por todas no planalto central e o país se preparava para “poupar” a mágica cifra de “um trilhão”, fixada por Paulo Guedes, e com isto acabar de uma vez por todas o inferno fiscal em que arde a economia do país há décadas. O “consenso” político seria, assim, a chave que abriria as portas à prosperidade do investimento externo em profusão, do crescimento continuado, da geração de empregos, do aumento da renda nacional.
Mas como na vida política real os consensos, em determinadas circunstâncias, só aparecem depois dos conflitos, logo se viu que era uma chave de palha. O governo sequer consegue ultrapassar , por enquanto, a primeira etapa da tramitação da PEC da reforma da Previdência – a admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
O governo Bolsonaro, como pináculo das forças de extrema direita, recolheu o consenso das classes dominantes e suas representações políticas apenas como instrumento para afastar do poder as forças de esquerda e centro-esquerda que buscavam pôr o Brasil na trilha do exercício da soberania nacional, da democracia e do progresso social.
Mas o programa político, econômico e social de Bolsonaro pode ser muito bem e melhor aplicado, naquilo que tem de essencial, pelas forças políticas de direita e centro-direita que sempre governaram o Brasil ao longo de quase toda a vida republicana brasileira, que em novembro completa 130 anos.
As representações políticas das classes dominantes julgam poder prescindir no governo e na maioria parlamentar de um clã analfabeto e furibundo, de fundamentalistas neopentecostais, de isolacionistas ultramontanos, de um populista tosco, de filósofos de fancaria, para pôr em marcha agendas e programas de opressão do povo e alienação da economia nacional aos interesses do capital monopolista financeiro.
Essas representações políticas têm o savoir-faire no exercício de sua atividade e não consentem ser tratadas com moeda diferente da que julgam merecer.
É nesta base que funciona o famigerado e mal denominado “centrão”. É assim que pensam e atuam caciques como os presidentes da Câmara e do Senado. A reforma da Previdência sairá, desde que os interesses desse setor – seja “novo” ou “antigo” da política sejam contemplados.
O país está num grave impasse, sendo o governo Bolsonaro e suas trapalhadas o principal reflexo disto. As representações políticas das classes dominantes saberão tirar proveito da situação, vão negociar, e encontrar as soluções políticas, como sempre fizeram. Se não o fizerem é porque a situação terá chegado a um grau extremo e os poderes reais julgarem que está na hora de impor a agenda neoliberal e antipopular por outros meios, ou seja, a instauração da ditadura aberta.
Por isso, se instrumentalmente pode ser útil valer-se de manobras regimentais com o auxílio do “centrão” para atrapalhar os planos da camarilha bolsonarista, por outro lado é preciso acautelar-se, pois o que o centrão está negociando mesmo não é o impedimento da reforma da Previdência, e sim prebendas, cargos, influência, poder. E a manutenção do status-quo “republicano” sob sua batuta. O “centrão” não é solução.
A esquerda precisaria retomar a iniciativa e encontrar na sua unidade e na mobilização dos movimentos populares e sindicais os caminhos para organizar a real oposição política e social ao governo de extrema direita. Praticar uma política de alianças amplas, sem a ilusão de que o protagonismo do centrão e caciques como Maia e Alcolumbre a levará a algum lugar.
(*) Jornalista, editor do Resistência, integrante de Jornalistas pela Democracia