História

Mao Tsetung, em conversa com João Amazonas em 1963: “Um marxista-leninista deve buscar a revolução”

29/03/2021

Conversa entre Mao Tsé-tung e a delegação do Partido Comunista do Brasil liderada por João Amazonas

O documento que publicamos a seguir tem caráter histórico. Trata-se da famosa conversa, em 6 de março de 1963, de Mao Tsé-tung com João Amazonas e Lincoln Oest, dirigentes do Partido Comunista do Brasil, partido que passava por um processo de reorganização política oriundo da ruptura com os revisionistas que haviam formado o Partido Comunista Brasileiro. 

O conteúdo da conversa mantida entre os comunistas chineses e brasileiros é de extrema valia para todos aqueles interessados na história do movimento comunista em nosso país, bem como ajuda a entendermos de maneira mais concreta quais eram as posições de Mao Tsé-tung e do Partido Comunista da China, não apenas sobre o Partido Comunista do Brasil, mas também sobre outras personalidades importantes do campo democrático e popular. Também podemos confirmar o grande entusiasmo que Mao Tsé-tung nutria pela Revolução Cubana e por seus líderes Fidel Castro, Raúl Castro e Che Guevara, a despeito do que viria a acontecer posteriormente, com o afastamento e a ruptura entre o Partido Comunista da China e o Partido Comunista de Cuba. Mao Tsé-tung fornece conselhos valiosos aos dirigentes do Partido Comunista do Brasil, chamando a atenção para a necessidade de o partido estar preparado para enfrentar o “terror branco” da grande burguesia. É uma lei inevitável da história que, sempre que cresce e se desenvolve o movimento revolucionário, a grande burguesia, com apoio do imperialismo, recorre à violência aberta para desbaratar o processo de ascensão das lutas populares. Esta é uma verdade que ficaria comprovada posteriormente, em 1964, com o golpe militar fascista. Adicionamos algumas notas de rodapé no corpo do texto, para apresentarmos aos leitores algumas contextualizações históricas que podem ajudar na maior compreensão do conteúdo da conversa. 

Gabriel Gonçalves Martinez, cientista político e tradutor (*)

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Presidente Mao: Sejam bem-vindos. O seu partido é um partido marxista-leninista, determinado a fazer a revolução. Atualmente há alguns partidos que são comunistas no nome, mas não buscam a revolução. Um marxista-leninista deve buscar a revolução. Que tipo de partido comunista é este que não busca a revolução? Se não se busca a revolução, a partir de uma perspectiva popular, então não existem grandes diferenças entre este partido e os partidos políticos da classe capitalista. Não existe nenhuma necessidade de que tais partidos existam. Por exemplo, os partidos socialistas europeus, o trabalhista no Reino Unido – não são diferentes dos partidos políticos da classe capitalista. Atualmente, alguns partidos comunistas se aproximam da social-democracia, especialmente a fração do Partido Comunista Indiano liderada por Dange [1] – ele não difere, nem mesmo minimamente, dos grandes partidos nacionais da grande burguesia e dos latifundiários. Sobre o novo partido de vocês, vocês sentem que o novo partido é menor do que o velho partido, assim como sentem que a força do imperialismo e dos seus cães de guarda é grande, vocês têm muitas dificuldades. Em seu país existe a liberdade burguesa, um Partido Comunista pode ser legal ou semilegal. Atualmente o seu partido é legal ou semilegal?

João Amazonas: Nós somos semilegais. 

Presidente Mao: Por um lado, isso tem vantagens. Vocês podem recorrer às atividades semilegais, publicar periódicos abertamente e não serem banidos. Os quadros e os membros do partido podem abertamente realizar trabalho de massas, não há terror branco. Nosso partido foi sempre ilegal. Nós tivemos dois momentos de cooperação com o Kuomintang. A primeira fez foi de 1924 até 1927, três anos. Nós usamos as condições de cooperação para desenvolver o partido, o movimento de massas e realizamos algum trabalho militar. Na preparação e execução da Expedição ao Norte, nós obtivemos algumas tropas. Alcançamos o número de 50.000 membros no Partido. Mas naquela época o Partido não tinha consciência, não estava preparado para os sérios ataques pela classe capitalista, não estava preparado para se opor ao terror branco. Naquela época colocamos ênfase no trabalho de organizar o movimento de massas, incluindo o movimento camponês, organizando milhões de camponeses sob nossa liderança. Embora os camponeses (N.T: no texto original Mao não deixa claro se ele está se referindo às organizações camponesas ou ao partido propriamente dito) tivessem algumas armas, não estavam preparados para o terror branco. Em 1927, quando começa o terror banco, nós caímos em uma posição precipitada. Nós contamos nossa experiência para muitos partidos, como por exemplo o partido da Indonésia e o partido do Japão, para que eles a usem como referência. No geral, haverá o dia em que irão se deparar com esse tipo de situação. Nós propusemos que eles se preparem mentalmente, organizativamente e também, se possível, militarmente. Mas quem realmente nos ensinou a tomar as armas? Isso não foi algo que aprendemos por nós mesmos. Foi o imperialismo e o seu cão de guarda Chiang Kai-shek. Eles nos educaram usando o terror branco. Nós não tínhamos outra opção que não fosse recorrer às armas. Dos 50.000 membros do partido, não nos restou muita coisa. Muitos membros foram mortos, outros se renderam ao inimigo; houve aqueles que ficaram pessimistas e não queriam fazer nada, saindo do partido; o grupo que restou fomos nós, que éramos poucos. 

De 50.000 membros, menos de 10.000 permaneceram, menos de um quinto. Similar ao seu partido, que possui alguns milhares (de membros). Nós, os poucos que não fomos mortos e não traímos, não queríamos desistir, queríamos continuar a luta. Mas onde devíamos lutar? Era impossível lutar nas cidades. Nas cidades só era possível preservar alguma força para conduzir o trabalho clandestino, por isso fomos forçados a ir para o interior. Eu, pessoalmente, não fui para a universidade. Quem entre eles (aponta para Deng Xiaoping e outros camaradas) foi para a universidade? Ninguém! Eu não fui para a universidade, o camarada Liu Shaoqi também não. O camarada Zhou Enlai não foi para a universidade. O camarada Deng Xiaoping não foi para a universidade. Em nosso Comitê Central, há poucas pessoas que frequentaram a universidade. Minha profissão era a de professor do ensino fundamental. Eu também realizei algum trabalho em jornais. O trabalho do partido era o de se engajar com o movimento operário, se engajar na luta anti-imperialista e antifeudal. Durante o primeiro período de cooperação entre o Kuomintang e o Partido Comunista da China, antes de o Kuomintang tomar o poder, nós usamos o Kuomintang como fachada para desenvolver o movimento operário e camponês. Eu também estudei as relações de classe no interior, organizei escolas rurais, tais como o círculo de leitura e estudo do movimento camponês de Guangzhou. Mas poderá alguém dizer que eu realmente entendia os camponeses? Não! Quem fez com que os intelectuais marxistas-leninistas viessem das cidades para as montanhas para virarem guerrilheiros? Foi o terror branco de Chiang Kai-shek. Não havia outro caminho. Só havia um caminho: ir para as montanhas e formar guerrilhas. Uma vez que começamos a luta, nós lutamos por 22 anos, até 1949, quando finalmente Chiang Kai-shek foi expulso do continente. Foi somente quando nós passamos esses dez anos na luta guerrilheira que nós pudemos realmente entender os camponeses. O principal método era o de realizar conversas com os camponeses nas bases da área guerrilheira para entendermos sua situação. O principal defeito dos intelectuais (defeito que os trabalhadores das cidades também possuem) é que eles não entendem realmente o campo. O seu jeito de intelectual não está em sintonia com o jeito do camponês. Eu acho que o Julião[2] é assim, por isso os camponeses não confiam nele. Os camponeses ao olharem para eles (intelectuais) já sabem que o seu sabor é estranho, diferente, por isso eles não falarão o que pensam. Quando você fala com um camponês, tira o seu caderno para fazer notas, ele teme que você escreva coisas para retificá-lo. É como os populistas na Rússia: eles avançavam a ideia de ir ao povo, mas os camponeses não confiavam neles, de fato eles eram parte da classe capitalista. Essas experiências, talvez os camaradas já tenham lhe falado, mas eu acho, sinto que eu tenho o dever de contá-las novamente. Por enquanto vocês não experimentam o terror branco. Isso é porque em seu país ainda não existe uma real situação revolucionária e um real movimento revolucionário. A burguesia não sente ainda a necessidade de lançar o terror branco contra vocês, e mais ainda, não sente que exista a necessidade de se opor ao velho partido. O velho partido já se converteu em uma ferramenta da burguesia. Porém, quando vocês realmente começarem um amplo movimento de massas, que toque no seu domínio, sua propriedade, nesse momento os imperialistas, os grandes latifundiários e a burguesia compradora irão desferir o seu golpe. A experiência cubana também foi assim. O velho partido de Cuba, ou seja, o Partido Socialista Popular, não era temido pelas classes dominantes. O que eles temiam era o Movimento 26 de Julho, porque este movimento tocava na propriedade do imperialismo e dos reacionários, atacando suas bases militares. Tais ataques foram derrotados e as classes dominantes começaram a prender e matar o povo. Algumas pessoas não puderam permanecer no país, fugindo para o exterior; não havia outro caminho que não fosse a luta guerrilheira, a luta guerrilheira liderada por Castro, mas ela não foi fácil. Dizem que ela começou com apenas sete armas e 82 pessoas, depois de chegarem no país em um barco. Depois de lutarem por um certo período, apenas oito pessoas permaneceram, incluindo Fidel Castro, Raul Castro, Guevara e outros camaradas. Eles levaram a cabo uma luta no interior, sistematizando as lições de suas derrotas. Depois de sistematizarem sua experiência, eles continuaram o que estavam fazendo e conquistaram uma vitória inicial. Mas naquela época o Partido Socialista Popular opunha-se a eles, não estando disposto a participar da luta armada. Somente quando o Movimento 26 de Julho continuou sua luta é que os revolucionários dentro do Partido Socialista Popular o seguiram. Guevara e Raul eram todos membros do Partido Socialista Popular e continuaram a luta revolucionária.[3] Somente quando a vitória estava prestes a ser conquistada que o Partido Socialista Popular mudou sua política, passando da oposição ao apoio. Por que a liderança da revolução caiu nas mãos do Movimento 26 de Julho? Foi porque anteriormente o Partido Socialista Popular cometeu o erro do oportunismo. Nas fileiras do Partido Socialista Popular havia uma fração completamente revisionista, liderada por Escalante[4], que tinha como objetivo derrubar Castro e substituí-lo por outra pessoa qualquer, para mudar a bandeira da revolução de vermelha para cinza, de acordo com as necessidades do imperialismo. Tal facção foi derrotada. Como podemos ver, essa ainda continua dentro do partido cubano, onde ainda existem remanescentes do grupo de Escalante. Quem ensinou ao partido revolucionário ir para as montanhas e lutar a guerra de guerrilhas? Foi principalmente o imperialismo estadunidense e Batista, que fizeram com que eles não tivessem outro caminho. Em nosso país, nós também tivemos que prestar atenção ao ambiente. O seu país teve dois exemplos de luta armada camponesa. Uma foi feita sob a liderança de Prestes. Naquela época ele ainda não era membro do Partido. Eu perguntei o porque de ele ter fracassado. Ele disse que naquela época ele não tinha um programa agrário básico, para não mencionar um programa agrário completo. O outro tipo de luta armada camponesa, liderada por Julião, também foi derrotada. Ele enviou alguns intelectuais da cidade para o campo, que estavam fora de sintonia com os camponeses, de modo que estes não estavam muito felizes. Os governantes apenas os atacaram um pouco e eles caíram. Existem várias experiências valiosas que podem ser usadas. Há a experiência chinesa, a experiência cubana e a experiência soviética. Naquela época, os populistas russos eram um partido capitalista, havia também o partido dos cadetes, que também era burguês. Eram partidos reformistas semelhantes ao partido chinês de Kang Youwei[5], que não pode ser comparado com Sun Yat-sen, pois nunca conquistaram o poder político. Por um lado, eram contra o tzar, por outro lado, se opunham ao Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Além disso, se opunham aos bolcheviques que eram parte do Partido Operário Social-Democrata da Rússia. O poder dos mencheviques dentro do POSDR era bastante considerável. Eles não estavam preparados para ir até o interior e iniciar a revolução, não estavam preparados para uma real revolução e para a luta armada. Todos esses partidos juntos – o partido constitucionalista, o partido democrático, os populistas, os mencheviques no POSDR – se opunham ao partido bolchevique. Dentro dos bolcheviques ainda havia a fração liderada por Zinoviev, que também se opunha à revolução e à luta armada. A fração que realmente apoiava a luta armada era a fração de Lenin, formada por Lenin, Stálin, Molotov, etc. Cada partido burguês e pequeno-burguês expunha sua face real perante a sociedade. No período entre as revoluções de fevereiro e outubro, muitos grupos políticos entraram no palco político e perderam sua credibilidade aos olhos do povo. O tzar já havia perdido sua credibilidade e já havia caído. Kerensky, socialista-revolucionário, tomou o poder e também perdeu sua credibilidade. O povo não acreditava nos Democratas Constitucionalistas, pois eles abandonaram o povo. Um grande partido que permaneceu era o partido menchevique. Eles tinham a maioria nos Sovietes, ao passo que os bolcheviques eram minoria. Mas os bolcheviques e Lênin decidiram se levantar. Nas vésperas da Revolução de Outubro eles adotam a palavra de ordem Todo o Poder aos Sovietes, que havia sido previamente abandonada. A razão pela qual essa palavra de ordem havia sido abandonada foi que os mencheviques tinham a maioria nos Sovietes. A palavra de ordem Todo o Poder aos Sovietes significaria todo poder aos mencheviques. Mas, nas vésperas da Revolução de Outubro, os bolcheviques passaram de minoria para maioria, então Lenin propôs que a palavra de ordem Todo o Poder aos Sovietes deveria ser novamente adotada. No entanto, naquela época a maioria era de apenas 51%. Claro, ela aumentou muito depois da Revolução de Outubro. Todos os partidos que se opuseram à luta, tais como os Socialistas Revolucionários, os Democratas Constitucionalistas, os populistas, os Mencheviques, etc., todos eles converteram-se em partidos contrarrevolucionários. Este ponto merece ser pesquisado. Todos os capitalistas e inimigos reacionários na sociedade, tais como Chiang Kai-shek, Kerenski, o imperador, os detentores do poder, todos os grupos capitalistas e pequeno-burgueses não-revolucionários ou antirrevolucionários, geralmente querem desempenhar o seu próprio papel no seu próprio jogo. Antes que todos esses grupos percam em grande medida sua credibilidade diante das massas, a revolução não pode acontecer. A revolução cubana demonstrou esse ponto. Batista e as pessoas que cooperaram com ele perderam sua credibilidade. A maioria da sociedade acreditava que o único caminho era a revolução. A revolução conquistou a vitória porque ela foi apoiada pela maioria do povo. No seu país, 65% da população está no interior. Essa é uma ótima condição, um pouco pior que as condições da Rússia nas vésperas da Revolução de Outubro. As condições da China eram ainda melhores que a sua. 80% da população estava no interior e a população urbana não chegava a 20%. A exploração feudal na China era pior do que no Brasil. O material de vocês diz que o aluguel da terra, mais outras formas de exploração, atinge um terço ou metade da renda? 

João Amazonas: Sim.

Presidente Mao: É apenas isso? Precisamos estudar mais. Na China a exploração feudal tomava de 50% a 80% [da renda], era muito difícil viver. Por que, embora cometendo muitos erros no passado, perdendo nossas bases no sul, nós fomos forçados a percorrer 12.500 km durante a Longa Marcha, mas não fomos destruídos e mantivemos nossa força, continuamos a revolução e conquistamos a vitória? Há duas razões: a primeira é que a exploração no interior, a exploração imperialista, era muito forte. Esta é uma razão objetiva. Esteve sempre presente. A outra é uma razão subjetiva: se nós não tivéssemos superado a posição dominante que havia no partido antes de 1934, ou seja, o dogmatismo que trouxe grandes perdas para a revolução, nossa revolução teria colapsado há muito tempo atrás. Depois da Conferência de Zunyi, nós mudamos a linha equivocada, que era esquerdista na forma, mas na realidade era direitista, pois temia terrivelmente o inimigo. No final das contas, nós que éramos poucos nos tornamos a maioria e o partido não se dividiu. No entanto, uma parte do partido se separou. Zhang Guotao comandava mais tropas que nós. Eles eram cerca de 80.000 e nós éramos 30.000. Além disso, ele estabeleceu um Comitê Central. Naquela época existiam dois comitês centrais. Porém, no final das contas, nós superamos a linha de Zhang Guotao. O Exército Vermelho que tinha originalmente 300.000 soldados, depois da Longa Marcha tinha apenas 30.000. A militância do partido que também originalmente tinha por volta de 300.000 membros, depois da Longa Marcha contava apenas com algumas dezenas de milhares. Mas naquela época nós não estávamos mais fracos, mas sim mais fortes. Porque nós obtivemos lições a partir de nossa experiência e a nossa linha era relativamente correta. Nós também sintetizamos nossa experiência das derrotas causadas pelo oportunismo de direita, cometido em 1927, e resumimos nossa experiência das três linhas direitistas anteriores ao ano de 1934, que trouxe vários reveses para o Partido e não nos deixou escolha a não ser realizar a Longa Marcha. Depois, tivemos os oito anos de guerra contra o Japão e os quatro anos da guerra de libertação, onde também passamos por muitas dificuldades e altos e baixos. Nós renovamos nossa cooperação com Chiang Kai-shek. Naquela época, havia duas formas de pensamento dentro do partido: uma era a fração revisionista, que nós chamamos de oportunismo de direita ou capitulacionismo. Ela era representada por Wang Ming, que agora está em Moscou. Até hoje ele se opõe a nós, apoia o revisionismo, mas ele ainda é membro de nosso Comitê Central. Nós tanto nos unimos como também lutamos contra Chiang Kai-shek. Nós estávamos unidos com ele no aspecto da resistência ao Japão, mas lutávamos contra o seu aspecto de se opor ao Partido Comunista e ao povo, o que incluía a luta armada. Em oito anos de guerra contra o Japão, Chiang Kai-shek lançou três campanhas anticomunistas, enviando suas tropas para nos atacar. De um lado, éramos atacados pelos japoneses, de outro lado, por Chiang Kai-shek. Nós estávamos sob um ataque em duas frentes, mas nós lutávamos principalmente contra o Japão. No que diz respeito ao cerco anticomunista de Chiang Kai-shek, se nós não contra-atacássemos, nós teríamos colapsado. Nós contra-atacamos nos três ataques anticomunistas de Chiang Kai-shek, mas depois do contra-ataque, quando éramos vitoriosos, ou sofríamos derrotas (como no caso do incidente de Anhui), nós restringíamos a luta até certo ponto. Dessa forma, durante todo o período da guerra contra o Japão, preservamos a política de frente única com o Kuomintang, até o momento da capitulação japonesa, e mesmo depois, a mantivemos por um ano. Depois, em julho de 1946, Chiang Kai-shek nos atacou agressivamente. Naquela época, ele tinha mais de 4 milhões de soldados, nós tínhamos um pouco mais de 1 milhão e forças guerrilheiras. Nossa base tinha uma população de mais de 100 milhões de pessoas. O prestígio do imperialismo estadunidense e de Chiang Kai-shek entre o povo chinês foi ficando cada vez menor, até não terem mais prestígio algum. A guerra foi travada durante três anos e meio, havendo retiradas e ofensivas. Então, durante mais de um ano (1946 até o verão de 1947) nós nos retiramos em grandes passos, mas ao mesmo tempo eliminamos grande número de tropas inimigas. No verão de 1947, nós contra-atacamos, e nossa retirada virou uma ofensiva. Em 1949, expulsamos Chiang Kai-shek do continente. No geral, a revolução segue um caminho tortuoso, não um caminho reto. Perder, vencer, perder novo e de novo vencer, dessa forma até a vitória final. Nós esperamos que vocês estudem a experiência cubana. Eles também perderam e venceram, perderam novamente, assim como se retiraram, avançaram, depois se retiraram novamente, fizeram isso repetidas vezes, até conquistarem a vitória. Porém, fizeram isso em um tempo curto. Do ataque ao quartel de Moncada até a vitória foram apenas cinco anos. Naquela época, os Estados Unidos e a claque reacionária não tinham essa experiência. Agora a situação é diferente, eles possuem a experiência de terem sido derrotados em Cuba. Os governantes de todos os países na América Latina também possuem a experiência da derrota em Cuba, assim como a experiência de sucesso na Guatemala e no Equador. Eu conheci o antigo Presidente da Guatemala, Jacobo Arbenz, ele está agora em Cuba (quando vocês forem para Cuba, vocês podem se encontrar com ele e enviar minhas saudações). Ele é um bom camarada. Pelo fato de minha conversa com ele ter sido logo após sua derrota, ele estava um pouco para baixo. Eu disse: o sucesso e a derrota são coisas comuns nas operações militares. A derrota da revolução na Guatemala foi temporária, o povo guatemalteco e o camarada Arbenz irão no fim das contas vencer. Eu concordo totalmente com o discurso de Castro do dia 16 de fevereiro. Ele disse que, objetivamente, na América Latina, existe uma situação revolucionária, mas ainda faltam as condições subjetivas. O que ele quer dizer é: os partidos comunistas de muitos países são oportunistas, incluindo o Partido de Prestes, o partido mexicano, argentino, chileno e uruguaio (o camarada Wu Xiuquan disse: há também o partido colombiano). A situação do Brasil não é ruim. Não há apenas a Revolução Cubana, mas também há a Venezuela, o partido venezuelano é bom. Na Colômbia, existe uma fração de esquerda, mas não no Equador, Peru e na Argentina. Agora a esperança está nos ombros das frações revolucionárias. Vocês são a fração revolucionária no Brasil. O desenvolvimento de seu partido é bastante rápido, demonstrando que o povo quer a revolução. Dizem que no velho partido há muitos membros que apoiam vocês. Em novembro, o casal Cossoy me disse que concordava com o novo partido e tinha discordâncias com o velho. O marido de Cossoy me disse que ele foi membro do Comitê Central, tendo servido como secretário do comitê do partido no Rio de Janeiro, o que depois foi revogado [6]. Vocês devem ter confiança. Agora vocês são uma minoria, mas a esperança está sobre os seus ombros. O seu partido irá definitivamente se desenvolver, conquistando a vitória final, mas haverá muitos ziguezagues durante a luta. Haverá vitórias e também derrotas. Sistematizem sua experiência, que no final será possível conquistar a vitória. Nem todos que entram no seu partido poderão chegar até o dia da vitória. Quando a revolução encontrar dificuldades, é certo que muitas pessoas a abandonarão no meio do caminho, outros irão passar para o lado inimigo, e há ainda aqueles que sacrificarão suas vidas. Em Cuba, 20.000 pessoas sacrificaram suas vidas, mas isso é menos que aqueles que na velha sociedade morriam de fome, doenças e opressão. Muito mais pessoas morrem dessa forma. O material do seu partido menciona a taxa de mortalidade, dizendo que muitas pessoas morrem antes de atingirem os 19 anos, e que a expectativa de vida é de 39 anos. Na China a expectativa de vida costumava ser 30 anos. O seu partido também menciona a má nutrição, a falta de ferro e cálcio. Tudo isso comprova o que dizia Lênin: o sofrimento da revolução é menor do que o lento sofrimento na velha sociedade. A China costumava ter uma multidão de pessoas. Depois da vitória da revolução, a população aumentou muito rápido, em um nível que agora pensamos que é demasiado rápido. Eu espero encontrar um mapa do Brasil.

João Amazonas: Nós podemos procurar. 

Camarada Wu Xiuquan: (para o Presidente Mao) Nós mesmos podemos procurar por isso. 

O camarada Li Qixin sacou um grande mapa e todos passaram a observá-lo. Amazonas, apontando para o mapa, diz: o Brasil possui fronteiras com oito países. O Presidente aponta para o Rio Amazonas, e pergunta: este é o maior rio do mundo? Amazonas responde: não é o mais longo, mas é rio com o maior volume de água. Lin Ken diz: em alguns lugares, você não pode ver de uma margem para a outra.

Presidente Mao: Termino minha fala aqui. Eu falei demais. Vocês não estão satisfeitos com alguma coisa? Vocês têm alguma pergunta?

João Amazonas: Nós não temos nenhuma pergunta.

Presidente Mao: Eu não posso dizer que tudo que disse é apropriado, talvez algumas coisas não sejam, eu posso apenas fornecer alguma referência. Vocês precisam criar experiência, não copiar mecanicamente a experiência de um país estrangeiro. O revisionismo moderno é por um lado revisionismo, mas por outro lado é também dogmatismo, porque ele copia a experiência dos países estrangeiros.

Amazonas: Eu quero dizer ao Presidente Mao algumas palavras. Por muitos anos, eu fui membro do Comitê Central no partido de Prestes. Por causa do trabalho de relações do partido, viajei para muitos países. Durante os meus contatos em muitos países, é apenas na China que existe um tipo de relação diferente com os partidos irmãos de outros países. Mesmo na União Soviética, a relação com os partidos importantes é bastante diferente da relação com partidos que não são importantes. Eu nunca me encontrei com altos líderes do Partido Comunista da União Soviética. 

Presidente Mao: Você esteve na União Soviética por quanto tempo?

João Amazonas: Eu estudei na União Soviética por dois anos e também estive lá para trabalho, duas vezes. Quando Molotov foi afastado de seu posto, eu estava na União Soviética. O que eu quero dizer é que eu vi um novo tipo de relações entre partidos irmãos na China. Enquanto mantemos contato com os camaradas dirigentes do partido chinês, eu vejo modéstia, espírito de amizade e afeição em relação aos partidos irmãos e uma rica experiência. Essa experiência irá ajudar o Brasil e todo o movimento comunista internacional. Na língua portuguesa, existe um ditado que diz: “na dificuldade é que se conhece os bons amigos”. Agora que nós estamos em uma situação difícil, encontramos a tempo a ajuda que o partido chinês nos estendeu. Nós nunca encontramos um tal tipo de ajuda anteriormente. Especialmente sobre a questão rural, o camarada Mao Tsetung enfatizou que nós devemos reconhecer que não entendemos ainda os camponeses, e o nosso trabalho no interior está ainda apenas tocando na superfície. Eu quero uma vez mais expressar nosso profundo agradecimento em nome do partido, e em meu próprio, ao camarada Mao, pela ajuda política e pelo material fornecido a nós pelo partido chinês, por nos dar toda a atenção possível durante nossa visita. Eu nunca esquecerei o problema levantado pelo camarada Mao Tsetung, de que no futuro haverá derrotas e vitórias, mas que o povo brasileiro certamente conquistará a vitória final. Em geral, nós não temos palavras para expressar nossa satisfação e nosso agradecimento. Expressaremos nossos agradecimentos em nossa luta. Apenas a nossa luta pode ser a forma de expressarmos nossos agradecimentos.

Presidente Mao: O seu partido está se desenvolvendo rapidamente. Portanto, o Brasil possui um partido revolucionário. A ajuda da China é nosso direito e nossa obrigação. Toda ajuda é mútua. Sua luta é um grande apoio para nós, nós temos inimigos comuns.

Lincoln Oest: O camarada Amazonas acabou de dizer que o nosso partido é muito pequeno e tem dificuldades. Antes de virmos, nossa liderança discutiu e decidiu trazer ao camarada Mao Zedong e sua esposa uma pequena lembrança para expressar nossa admiração, amor e estima pelo camarada Mao Tsetung (entrega ao Presidente um pacote). 

Presidente Mao: Obrigado. A saúde da minha esposa não está boa. Atualmente ela não está em Pequim, mas sim no Sul, para tratamento. Eu entregarei a ela.

João Amazonas: (apertando as mãos do Presidente): Hoje foi uma grande honra para nós termos encontrado o Presidente.

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Notas 

[1] Shripad Amrit Dange, foi um dos fundadores do Partido Comunista da Índia (PCI) e líder sindical. No contexto da ruptura sino-soviética, Dange tomou lado dos soviéticos, e no plano interno buscava desenvolver uma política de apoio ao Congresso Nacional Indiano (CNI). Foi expulso do Partido Comunista da Índia pró-soviético, depois que este partido começa a se opor ao governo do CNI. Acabou se filiando em uma outra organização revisionista chamada Partido Comunista de Toda a Índia, que depois iria se converter no Partido Comunista Unido da Índia. 

[2] Mao está se referindo ao brasileiro Francisco Julião, famoso líder das Ligas Camponesas. 

[3] Raul Castro de fato foi membro do Partido Socialista Popular de Cuba, mas não existem informações e relatos históricos sobre o pertencimento de Che Guevara a este partido. 

[4] Anibal Escalante foi uma figura histórica do movimento comunista cubano, um dos principais organizadores do Partido Socialista Popular. Politicamente era bastante próximo do Partido Comunista da União Soviética e de outros partidos dirigentes dos países socialistas. 

[5] Líder reformista chinês que tentou introduzir certas reformas democráticas no regime monárquico no período final da dinastia Qing.

[6] Mao está falando de Amarílio de Oliveira Vasconcellos e sua esposa Raquel Cossoy. Raquel Cossoy foi secretária-geral da Sociedade Cultural Sino-Brasileira. 

(*) O material foi traduzido do Mandarim, de original arquivado na República Popular da China onde o tradutor reside. Publicado originalmente no Brasil pela Editora Nova Cultura

 

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