Opinião

Mahmoud Abbas sobre a “Declaração de Balfour”: Sofremos nossa maior catástrofe e a Grã-Bretanha nos deve uma reparação

03/11/2017

Nesta quinta-feira (2) completou-se 100 anos da “Declaração de Balfour”, um documento infame através do qual a Grã-Bretanha, potência colonial que ocupava a Palestina, comprometia-se com o movimento sionista a entregar as terras palestinas aos judeus, ignorando os direitos do povo árabe palestino. O Resistência publica dois textos sobre esta famigerada declaração: o artigo abaixo, assinado pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas e publicado originalmente no jornal inglês The Guardian no dia 1º de novembro, e outro, escrito por Moara Crivelente, jornalista e Diretora de Comunicação do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), intitulado “No refúgio, palestinos resistem às consequências da promessa colonial britânica“, publicado no dia 2/11, no site do Cebrapaz. 

Grã-Bretanha deve (ao povo palestino) reparação pela Declaração Balfour e os 100 anos de sofrimento

Mahmoud Abbas, presidente do Estado Palestino

Mahmoud Abbas, presidente do Estado Palestino

Muitos britânicos não saberão sobre Sir Arthur James Balfour, um ministro dos Negócios Estrangeiros no início do século XX. Para 12 milhões de palestinos, seu nome é muito familiar. No centenário da declaração Balfour, o governo britânico deve aproveitar a oportunidade para fazer as coisas melhor. 

Mahmoud Abbas* 

Em seu escritório em Londres, em 2 de novembro de 1917, Balfour assinou uma carta prometendo a terra da Palestina à Federação Sionista, um movimento político recém estabelecido cujo objetivo era a criação de um Lar Nacional para os europeus judeus. Ele prometeu uma terra que não era sua, ignorando os direitos políticos de quem já morava lá. Para o povo palestino, meu povo, os eventos que desencadearam esta carta foram tão devastadores quanto são importantes. 

Esta política britânica, que apoiou a imigração sionista na Palestina ao mesmo tempo em que negava o direito árabe-palestino à autodeterminação, criou tensões severas entre os imigrantes judeus europeus e a população palestina nativa. A Palestina (o último ponto da agenda de descolonização) e nós, sua gente, que procuramos nosso direito inalienável à autodeterminação, sofremos nossa maior catástrofe, em árabe al Nakba. 

Em 1948, as milícias sionistas expulsaram pela força de mais de 800 mil homens, mulheres e crianças de sua terra natal, perpetrando massacres horríveis e destruindo centenas de aldeias no processo. Eu tinha 13 anos no momento da expulsão de Safad. A ocasião em que Israel celebra sua criação como Estado, os palestinos o recordamos como o dia mais sombrio de nossa história. 

A declaração de Balfour não é algo que pode ser esquecido. Hoje em dia, os palestinos somam mais de 12 milhões e estão espalhados por todo o mundo. Alguns foram expulsos de sua pátria em 1948, com mais de 6 milhões vivendo no exílio até hoje. Aqueles que conseguiram permanecer em suas casas são aproximadamente 1,75 milhões e vivem em um sistema de discriminação institucionalizada no que é hoje o estado de Israel. 

Aproximadamente 2,9 milhões de pessoas vivem na Cisjordânia sob uma ocupação militar – convertida em colonização, dos quais 300 mil são os habitantes nativos de Jerusalém, que até agora têm resistido às políticas destinadas a expulsá-los da cidade. Dois milhões vivem na Faixa de Gaza, uma prisão a céu aberto sujeita a uma destruição regular através da força total do aparelho militar de Israel. 

A declaração Balfour não é algo para comemorar, precisamente não enquanto um dos povos afetados continuar a sofrer tal injustiça. A criação de uma pátria para um povo resultou na desapropriação e perseguição contínua de outro, agora estendida a um profundo desequilíbrio entre o ocupante e o ocupado. O equilíbrio deve ser corrigido, e a Grã-Bretanha tem uma grande responsabilidade em liderar o processo. As celebrações devem aguardar o dia em que todos nesta terra tenham liberdade, dignidade e igualdade. 

O ato físico de assinar a declaração Balfour é algo do passado, não é algo que possa ser alterado. Mas é algo que pode ser feito melhor. Isso exigirá humildade e coragem. Será necessário chegar a um acordo com o passado, reconhecendo os erros e tomando medidas concretas para corrigir esses erros. 

Congratulo-me com a integridade dos britânicos que pedem ao seu governo que tome estas medidas: os 274 deputados que votaram a favor do reconhecimento do Estado da Palestina; os milhares que têm pedido ao seu governo que peça desculpas pela declaração de Balfour; as ONGs e os grupos solidários que ocupam as ruas, advogando incansavelmente pelos nossos direitos como palestinos. 

Apesar dos horrores que sofremos no século passado, o povo palestino manteve-se firme. Somos uma nação orgulhosa com uma rica herança de civilizações antigas e o berço das religiões abraâmicas. Ao longo dos anos, nos adaptamos às realidades que nos rodeiam – a cadeia de eventos desencadeada a partir de 1917 – e fizemos compromissos profundamente dolorosos por causa da paz, começando com a decisão de aceitar um Estado em apenas 22% de nossa pátria histórica, passando pelo reconhecimento do Estado de Israel, sem qualquer reciprocidade até este momento. 

Temos apoiado a solução de dois estados nos últimos 30 anos, uma solução cada vez mais impossível a cada dia que passa. Enquanto o Estado de Israel continuar a ser celebrado e recompensado, ao invés de prestar contas frente às normas universais por suas contínuas violações do direito internacional, não terá incentivo para acabar com a ocupação. Isto é agir de forma míope. 

Israel e os amigos de Israel devem perceber que a solução de dois estados pode desaparecer, mas o povo palestino ainda estará aqui. Continuaremos a lutar pela nossa liberdade, quer essa liberdade venha através da solução de dois Estados ou, em última análise, pela igualdade de direitos para todos os que habitam a Palestina histórica. É hora de o governo britânico fazer sua parte. Passos concretos para acabar com a ocupação com base no direito internacional e as resoluções, incluindo a mais recente, a resolução 2334 do Conselho de Segurança da ONU, bem como o reconhecimento do Estado da Palestina na fronteira de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital, podem contribuir, em certa medida, para os direitos políticos do povo palestino. 

Somente quando que esta injustiça for reconhecida como tal, teremos as condições para uma paz justa e duradoura no Oriente Médio, para o bem dos palestinos, dos israelenses e de toda a região. 

Mahmoud Abbas é Presidente do Estado da Palestina e Presidente do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP)

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