Opinião

Insegurança do Direito, ditadura de fato

09/07/2018

Por José Reinaldo Carvalho (*)

O episódio que no último domingo (8) culminou na manutenção do encarceramento do presidente Lula fez cair mais uma vez a máscara do regime golpista, uma ditadura de fato, com seus aparatos judiciário e midiático.

A defesa retórica do “Estado democrático de direito” afigura-se mais uma vez como uma tese insuficiente para enfrentar os golpistas. Pior, é por estes usada à exaustão para encobrir tropelias e violações das leis.

Com a Constituição tantas vezes derrogada na prática, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o Brasil se tornou o lugar da insegurança jurídica e do caos institucional, expressões da ditadura de fato em que o regime político do Brasil se converteu.

Assim, não é suficiente falar apenas de caos institucional. É fato patente que o desembargador Rogério Favreto agiu dentro da lei, exerceu corretamente suas prerrogativas e tomou judiciosas decisões. A concessão do Habeas Corpus ao presidente Lula, libertando-o da prisão política e arbitrária a que está submetido, foi uma deliberação racional, lógica e justa. Mas quando a justiça não vinga, como afinal não vingou, após as canetadas dos juízes Gebran e Thompson, é preciso deixar explícito que o país está submerso no regime ditatorial.

A decisão de libertar o presidente Lula do cárcere da Lava Jato esbarrou num obstáculo, uma espécie de fortaleza até aqui inexpugnável – a posição política de magistrados e instâncias do Poder Judiciário que consiste em rasgar uma Constituição que já não é sequer uma sombra da Carta de 1988, denominada de Cidadã pelo então presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães.

Os torquemadas togados, exceção feita a pessoas destemidas como o desembargador Fraveto, entre outros, não raciocinam, não julgam nem deliberam com critérios jurídicos constitucionalmente válidos. São parte de uma engrenagem ditatorial, a ponta de um sistema configurado para triturar as liberdades democráticas, as garantias individuais, os direitos coletivos e difusos, sempre agindo retorica e hipocritamente em nome destes valores.

É que obedecem a outros desígnios, ligados aos interesses fundamentais das classes dominantes e do imperialismo, que erigiram em questão de princípio a interdição do retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.

Vivemos na época da erosão da hegemonia absoluta do imperialismo estadunidense e, no plano interno, da manifesta incapacidade de governança por uma classe dominante que atraiciona a soberania nacional, vilipendia os direitos do povo, massacra os trabalhadores e só pode continuar no poder por meios antidemocráticos. Uma classe dominante e um imperialismo que precisam de um legislativo de fachada, um judiciário discricionário e um executivo imperial.

A agenda projetada pelas forças que assestaram o golpe de 2016 jamais poderá ser aplicada no âmbito de um regime democrático.

Quem de maneira rude enunciou o princípio de que Lula não pode nem deve ser candidato foi o ministro mais característico do governo Temer, Carlos Marun, que na sequência do anúncio da decisão do desembargador Favreto, ainda na manhã de domingo, foi a público bradar: “Lula não pode ser candidato”. A tese foi repetida de maneira nauseante durante todo o dia e noite por comentaristas da Globo News e catedráticos de fancaria das ciências jurídicas, escalados para demonstrar não só a “incompetência” e “suspeição” do desembargador, como a nulidade do empenho dos partidários de Lula para registrar sua candidatura a presidente.

É sintomático que os comentaristas assalariados da Globo News e os juristas convidados tenham atribuído em uníssono às ações ilegais de Moro e Gebran a condição de expressões do direito natural, legitimando os torquemadas que diuturnamente, através de atos anticonstitucionais, mutilam a democracia e aprofundam o caráter excepcional do golpe.

As forças de direita esfregam as mãos enquanto seus porta-vozes proclamam que Lula deve seguir preso, não pode ser candidato porque está juridicamente ‘inabilitado’ e que do ponto de vista político, as forças progressistas têm alternativas à margem e até contrárias à liderança de Lula. Fazem experimentos de todo o tipo, buscam a fórmula mágica que faça nascer uma candidatura monstrengo, como tantos que têm surgido em todas as latitudes, “nem-nens” – nem de esquerda, nem de direita -, com discurso de fácil assimilação, embora na essência abstruso, para ocultar um programa de adaptação e subordinação aos reacionários de sempre, que buscam na ambiguidade e no engodo a fórmula para perpetuar o regime.

Uma fórmula que tem tudo para fracassar. Sob as condições de fraude explícita em que as eleições transcorrerão, a persistir o impedimento de Lula, o presidente “eleito” não terá legitimidade nem governabilidade.

Num quadro político, em mutação, mas repleto de condicionamentos, ainda não se constituiu a correlação de forças capaz de assegurar a derrota do regime golpista. Clareza política, disposição para a luta e capacidade de mobilizar o povo nas ruas são fatores subjetivos indispensáveis para desencadear outra dinâmica. Mas a acumulação de forças se dá tortuosamente, muitas vezes progredindo em meio a derrotas episódicas. Parafraseando o jornalista Breno Altman, as condições vão sendo criadas para “a Bastilha cair”.

(*) Jornalista, editor do Resistência

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