Opinião

Imperialismo sem máscaras

07/01/2018

Por Jorge Arreaza (*), em seu Blog

2017 foi um ano esclarecedor, em que ficou clara a a política internacional e se pôs à prova a política externa da República Bolivariana da Venezuela, a Diplomacia Bolivariana de Paz. Já não há dúvidas possíveis, o unilateralismo e o imperialismo estadunidense foram reafirmados. Muitos no mundo tendiam a confundir-se com o sorriso e o jeito trabalhado e simpático de Barack Obama, descartando o caráter devastador do império de turno. A verdade é hoje mais que evidente.

Ficaram sem referência e sem argumentos os que pensavam que os grupos terroristas no Oriente Médio surgem espontaneamente, sem financiamento e apoio do Pentágono; aqueles que mantinham a ilusão ao afirmar que Washington já não intervém nos assuntos internos de outros países, nem financia planos desestabilizadores e golpes de Estado; que o Departamento de Estado já não forja fraudes eleitorais segundo sua conveniência, nem cria matrizes tendenciosas nos meios de comunicação para justificar ações bélicas subsequentes; quão errados estavam os que asseguravam que as instituições estadunidenses não planificam e desenvolvem implacáveis perseguições financeiras contra povos inteiros para “fazer soar o alarme” de suas economias e provocar mudanças de governo pela força.

Equivocam-se os que declaravam que os EUA já não consideram como seus acérrimos rivais e competidores a Rússia e a China, no bom estilo da Guerra Fria; como também os que chegavam a pensar que os EUA estavam em tempos de retificação e ia respeitar as instituições multilaterais e o Direito Internacional Público; pior ainda, aqueles que alguma vez acreditaram que os EUA cumpririam responsavelmente o Acordo de Paris sobre a mudança climática; assim como os que negavam que o Departamento de Estado é capaz de pressionar economicamente Estados iguais, se se atrevem a defender posições soberanas na ONU em assuntos sobre o Oriente Médio.

Muitos analistas asseveravam que a chegada ao poder político em nossos países de empresários endinheirados nada tem a ver com Washington; ou os que sugeriam que Washington já não dominava a OEA, nem a usaria para agredir e intervir nos assuntos internos da América Latina e Caribe. Inclusive muitos opinadores no mundo chegavam a pôr em dúvida as inexoráveis teses do domínio do complexo industrial-militar ou que a economia estadunidense se alimenta e dinamiza através da produção e venda de equipamentos militares e armas, ou seja, através da geração de guerras e derramamento de sangue.

Os que pensavam (ou queriam fazer crer) que esses fatos irrefutáveis eram mitos ou invenções dos “comunistas, esquerdistas e ecologistas”, foram testemunhos, como o mundo inteiro também é, da irrefutável veracidade dessas práticas, políticas e ações, ante a aberta sinceridade com que orgulhosamente o presidente Donald Trump desvelou e assumiu a autoria intelectual e material de todas essas violações à ordem internacional (reconhecimento que se lhe agradece).

Como afirmam os advogados: com a confissão da parte, não há necessidade de provas. Demonstrou-se de maneira indicutível que o imperialismo não somente existe, como diante dos sinais de sua decadência e do evidente fracasso de seu sistema econômico de suporte e de seu pensamento único, entrou em fase de agressivo desespero, passando a representar a principal ameaça (embora usual e ordinária, como toda ameaça imperial) para a humanidade. Na medida em que o mundo multipolar se consolida, mais perigosas se tornam as ações dos principais atores da trama imperial.

Em uma universidade estadunidense, um questionado e muito debilitado empresário-presidente latino-americano, carnalmente muito próximo a Washington, derramou-se em sinceridade para qualificar o papel que os EUA e a direita latino-americana atribuem a nossos povos e seus governos: “A América Latina é um simpático cachorro dormindo no tapete, que não gera nenhum problema”. O trato discriminador e racista que a Casa Branca mostrou para com nossos países nos últimos meses, confirma essa teoria da submissão.

A construção de muros entre povos, a expulsão e o maltrato cruel aos migrantes, o cancelamento de políticas de preferências para com países do Caribe e América Central, as sanções econômicas e perseguições financeiras, a interferência permanente nos assuntos internos, a arrogância econômica para dominar-nos, a humilhação na renegociação de tratados comerciais, entre outras afrontas, dão fé da ativa ofensiva imperialista em Nossa América.

Desde a inefável OEA, o nada honorável senhor Luís Almagro fez alarde de disciplina ante as ordens de Washington, através de inumeráveis horas de trabalho, ingentes esforços e recursos incalculáveis investidos com o único objetivo de derrocar o governo da Venezuela. Sua ação induzida é parte evidente da estratégia desvelada de ofensiva imperialista na região. Contudo, sua eficiência foi muito deficiente. O presidente Maduro não só segue no comando, mas também acumulou uma vitória política após outra. A favor do senhor “Amargo”, devemos dizer que foi muito eficaz para internar a OEA na unidade de terapia intensiva da história, moralmente en estado vegetativo irreversível e politicamente em ridículo estado disfuncional de absoluta inutilidade.

O imperialismo ansioso e furioso pela ineficácia de suas ações e das que instruem a incapaz direita venezuelana para liquidar a Revolução Bolivariana, ativou-se em todas as frentes. O Departamento de Estado (e com este sempre a CIA) se deslocou a toda a América Latina e Caribe, como também à Europa (ordenando sancionar a Venezuela) e junto a governos dos cinco continentes. Pôs o Canadá a obrigar um grupo de governos submissos na região para tratar de encurralar o governo de Caracas, fez mil movimentos nas Nações Unidas, tanto no Conselho de Direitos Humanos, como no mesmíssimo Conselho de Segurança, buscando acompanhamento sob pressão, em sua obsessão por perseguir a Venezuela. Em todos os casos foi derrotado.

E precisamente, as máscaras que caíram com o advento do governo supremacista e racista de Donald Trump, permitem, até por defeito, deixá-los em evidência. O principal argumento para atacar a Revolução Bolivariana foi o dos Direitos Humanos. Mas, sem que eu vá ao detalhe da situação de violação permanente por parte dos governos dos EUA em matéria de Direitos Humanos em seu país e no mundo, permitam-me citar um eloquente parágrafo a respeito, extraído da intervenção da Venezuela no 72º período de sessões da Assembleia Geral da ONU, como resposta à imoral afirmação da Representante Permanente dos EUA nessa organização, ao afirmar que Venezuela e Cuba não merecem ser membros do Conselho de Direitos Humanos:

Arreaza, Chávez e Maduro

“Se algum país não merece pertencer ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, é precisamente os Estados Unidos da América. Trata-se do principal violador de direitos humanos, não só em seu território, mas em todo o mundo. Guerras injustificadas, bombardeios a população civil, cárceres clandestinos com aplicação de métodos de tortura, imposição de medidas unilaterais ilegais contra economias de vários países, pressões econômicas diversas e temerárias políticas migratorias. É o único país que se atreveu a utilizar armas nucleares contra outro povo, gerando centenas de milhares de mortes. Um país que, violando a institucionalidade essencial da ONU, liderou a invasão do Iraque em 2003, sob o argumento da busca de armas de destruição em massa, que jamais encontraram, apesar das mais de um milhão de mortes que essa cruenta operação militar gerou. Os Estados Unidos constroem o muro na fronteira com o México e há propostas de lei para taxar em 7% as remessas dos imigrantes, não para sua seguridade social, mas para financiar a construção do indigno muro.

Utilizando dados verificáveis dos organismos e relatorias da ONU, podemos concluir que: os EUA não ratificaram 62% dos principais tratados em matéria de Direitoso Humanos; nos EUA não existe instituição independente para a defesa e promoção dos Direitos Humanos; o Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais e arbitrárias denuncia a falta de independência do poder judiciário nos EUA; o confinamento solitário é uma prática alargada nesse país; o número de pessoas sem teto alcança os 3,5 milhões, entre eles 1,5 milhão de crianças; 28% das pessoas em pobreza não contam com nenhuma cobertura de saúde; a taxa de mortalidade materna aumentou vertiginosamente nos últimos anos, 10 mil crianças estão alojadas em prisões para adultos, as crianças podem ser condenadas a prisão perpétua (70% delas afro-americanas); o relator especial para a educação denunciou o uso de choques elétricos e meios físicos de coerção em centros de estudo; os EUA é um dos sete países do mundo que não ratificou a convenção para a eliminação da discriminação contra a mulher; nos EUA a licença remunerada por maternidade não é obrigatória; as denúncias sobre abusos policiais, especialmente contra a população afro-americana, são comuns, mais de 10 milhões de afro-estadunidenses segue em situação de pobreza, a metade deles em situação de miséria; em um país onde a escravidão se supõe abolida, a 13ª emenda admite a escravidão como modalidade de condenação penal; uma em cada três mulheres indígenas estadunidense é violada ao longo de sua vida; trata-se de um país onde a discriminação racial não só não está superada, mas recrudesce com as posições supremacistas do governo atual”.

Depois da derrota da violência política na Venezuela (financiada em boa parte desde centros de poder nos EUA), graças à paz trazida pela eleição popular da Assembleia Nacional Constituinte, e quando os atores mais diversos se preparavam para novas contendas democráticas e inclusive para retomar o processo de diálogo, o governo dos EUA tirava outra máscara ao impor uma série de medidas unilaterais coercitivas e ilegais contra a economia venezuelana. Desta maneira, oficializava e reforçava a perseguição financeira contra a Venezuela que já vinha sendo exercida com rudeza desde os tempos de Obama.

Não nos referimos às absurdas sanções individuais e inócuas contra servidores do governo, membros do Conselho Eleitoral ou da Assembleia Constituinte. Trata-se de medidas para evitar que a Venezuela possa obter financiamentos e efetuar transações internacionais para garantir o cumprimento de seus compromissos e a obtenção de matéria prima para a produção o de produtos acabados para satisfazer as necessidades do povo. É uma modalidade de bloqueio que emula o que impuseram à irmã República de Cuba durante cinco décadas.

Estas medidas destinadas a estrangular a economia, ou seja, o povo, para forçar o cumprimento da vontade imperial na Venezuela, também estão voltadas para o objetivo de evitar qualquer tipo de diálogo entre os atores políticos. Estas chamadas sanções, se bem que acarretaram danos, serviram em grande medida para coesionar ainda mais a consciência anti-imperialista e libertária do povo de Bolívar. Adicionalmente, estas decisões unilaterais aceleraram a velocidade com que o Governo do Presidente Maduro procura desprender-se da economia estadunidense e do escravizante padrão dólar.

Através das alianças com China, Rússia, Turquia, Irã e os países da Alba, entre outros, a Venezuela foi desenhando caminhos alternativos para ir diminuindo à sua mínima expressão os efeitos das sanções ilegais de Washington, e consolidar um novo tipo de relações econômicas, com novos padrões de intercâmbio que blindem a economia venezuelana, em seu empenho por tornar-se independente e superar o modelo rentista imposto no século 20.

Desde a Venezuela, hoje empunhamos novamente as bandeiras de todos aqueles que demonstraram que o imperialismo, com qualquer cara que decida mostrar, não é invencível, nem inquestionável. Evoquemos o “instante que relampagueia” que assinalava o pensador alemão Walter Benjamin; a estrela de cinco pontas de Ho Chi Minh e o bravo povo vietnamita; a gesta incalculável dos barbudos da Sierra Maestra e a resistência de quase seis décadas ao cerco de distintas gerações de abutres que revoluteiam a ilha sem poder quebrantar a dignidade do povo cubano; a façanha da Angola libertária nas profundezas da África que ainda retumba entre tambores e ritmos ancestrais. A história nos ensina que só a determinação de um povo unido e consciente pode fazer frente a qualquer imposição, qualquer opróbrio e a toda força de dominação.

Em 2018 vêm novos desafios em Nossa América. A unidade deve ser princípio e premissa fundamental das resistências, lutas e triunfos contra o imperialismo. Para além da noção de integração, nos referimos à verdadeira UNIÃO, a originária, a Bolivariana. A Alba e a Petrocaribe levam em sua essência esse espírito unionista dos povos e se fortalecem em momentos de demonstrada ofensiva imperialista. Com a Alba como núcleo virtuoso, devemos fortalecer os mecanismos autônomos de integração da América Latina e Caribe, que hoje sofrem ataques externos e intentos de implosão. A solidariedade, a complementaridade e a justiça social e econômica, devem prevalecer diante dos novos intentos de anexação do capital.

Na Venezuela seguirá adiante o processo de diálogo e, como disse o Presidente Maduro, chova, troveje ou relampagueie, haverá eleições presidenciais este ano. A consciência dos povos que levam Bolívar como guia e exemplo, se imporá à inconsciência das elites submissas que existem e preservam privilégios, graças à Doutrina Monroe e ao empenho fraturador de dominação sobre nossos povos. A Diplomacia Bolivariana de Paz seguirá defendendo a dignidade de um povo decidido a ser livre e independente e o direito da humanidade à Paz e à Justiça. Pensando nos meses por vir, e ainda que pareça reiterativo, não podemos senão recordar a palavra de ordem e reflexão de luta que nos deixou o Comandante Chávez semeada há pouco mais de cinco anos: Unidad, Luta, Batalha e VITÓRIA!

Sempre, venceremos!

(*) Jorge Arreaza é ministro das Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela.

Traduzido pela redação do Resistência

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