Opinião
Imperialismo, disputas e contradições
Ninguém deve subestimar as notícias que chegam dos EUA. O homem de quem mais se fala, cujo comportamento obsceno está a fazer as manchetes da comunicação social de todo o mundo, é realmente um perigoso produto do establishement norte-americano e é verdadeiramente inquietante que no contexto da eleição do presidente da mais poderosa potência capitalista estejam a levantar cabeça as forças mais obscurantistas e reacionárias da sociedade norte-americana, e que um tal personagem se abalance a decisões tão graves como a “ação executiva” que veda a entrada nos EUA de cidadãos de vários países de maioria muçulmana associando provocativamente o Islã ao terrorismo.
Por Albano Nunes
Esta realidade, uma expressão aventureira da natureza do imperialismo, não deve, entretanto, branquear ou fazer esquecer a escalada de agressão e guerra do imperialismo norte-americano herdada por Trump, como se Obama e a senhora Clinton tivessem sido inofensivas pombas da paz, quando o que produziram foi uma sucessão ininterrupta de guerras de agressão em todos os continentes, particularmente no Oriente Médio. A figura de Trump e o perfil político da gente que está a nomear para a sua administração são realmente inquietantes, mas não é menos inquietante que tal esteja a ser pretexto para dramáticos apelos a que os EUA não afrouxem o seu papel “indispensável” como “guardiões da ordem mundial” e para reforçar a Otan e dar um novo salto na corrida aos armamentos. Ou no caso concreto de uma União Europeia em manifesta crise existencial, para justificar o reforço do federalismo, do ataque a direitos e liberdades fundamentas e do militarismo. É isso que influentes dirigentes da UE estão a reclamar, como Federica Mogherini que em recente artigo (Público de 25.01.17) defende “medidas ambiciosas no domínio da defesa”, o “reforço da cooperação com os nossos principais parceiros no domínio da segurança, a começar pela Otan”, o aumento das despesas militares “para atingir a meta de 2% fixada para os aliados da Otan”. A Europa “forte e unida” que a “Cimeira dos países do Sul da EU” acaba de reclamar em Lisboa vai no mesmo sentido. Particularmente significativas são as declarações da primeira-ministra da Grã-Bretanha na sua visita aos EUA ao garantir que afinal Trump está «100% com a Otan» e pugnando pelo aumento das despesas militares dos países membros desta aliança agressiva. Isto ao mesmo tempo que (procurando ganhar força negocial no processo do Brexit) exaltava a “relação especial” Grã-Bretanha/EUA lembrando “as liberdades que o presidente Reagan e a primeira-ministra Thatcher levaram à Europa de Leste”.
O nervosismo no campo imperialista é evidente. A visita de Theresa May aos EUA é um exemplo das jogadas político-diplomáticas em que os dirigentes do mundo capitalista estão envolvidos procurando ganhar a maior fatia possível do bolo da exploração dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, algo como uma nova divisão do mundo em esferas de influência. Os novos fatores de perturbação nas relações internacionais que estão a envolver as potências da tríade – EUA, União Europeia/Alemanha, Japão – são uma expressão do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo. No quadro mais geral do vasto processo de rearrumação de forças, também nas relações entre os principais países capitalistas se verificam ajustamentos e realinhamentos com impacto na situação internacional. Esta uma razão mais a exigir de Portugal uma corajosa política de soberania e independência nacional pois só ela pode impedir que o nosso País se torne joguete das disputas e contradições inter-imperialistas.
Fonte: Avante!