China
Gaio Doria: Um balanço das duas sessões da China de 2016
Realizaram-se entre os dias 1 e 16 de março, em Pequim, as “duas sessões”, o encontro anual do máximo órgão legislativo da China e da Conferência Política Consultiva.
Por Gaio Doria, de Pequim*
O legislativo chinês é constituído por um sistema de assembleias populares (ou Congressos do Povo). A Constituição de 1982 estipula que todo o poder pertence ao povo e o órgão onde o povo exerce seu poder são a Assembleia Popular Nacional e as Assembleis locais (de outras esferas de governo), todas estabelecidas via eleições democráticas.
Eleitas, são responsáveis por instituir os órgãos administrativos e judiciais do Estado chinês que, após formados, permanecem sob constante supervisão das assembleias populares.
É crucial para entender o sistema político chinês perceber que a Assembleia Popular Nacional do Povo é o órgão mais alto e importante do poder estatal, conforme os princípios estabelecidos pela Comuna de Paris. A APN é composta por deputados eleitos nas províncias, regiões autônomas e municipalidades em conjunto com delegados eleitos pelas forças armadas
A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh), por sua vez, cumpre o papel de supervisionar a democracia chinesa, ou seja, garantir que a Constituição, as leis e demais regulamentos sejam implementados. Este órgão supervisor foi fundado pelo Partido Comunista da China em conjunto com partidos políticos não comunistas, pessoas e organizações independentes antes da fundação da República Popular da China. Assim como a APN, a CCPPCh também se divide em nível nacional e local.
O crescente destaque na mídia chinesa e internacional tem demonstrado não somente o amadurecimento da democracia socialista chinesa, mas também o seu reconhecimento pelo mundo.
Este ano as duas sessões assumiram uma importância especial por duas razões principais. A primeira porque acontece no contexto da desaceleração do crescimento econômico do país, a segunda porque aprova o 13º plano quinquenal, plano este que quando concluído deixará a China nas portas da primeira meta dos “dois centenários”. O ano de 2021 marcará os cem anos da fundação do Partido Comunista da China. Os comunistas chineses pretendem que nesta a data esteja concluída a construção de uma sociedade modestamente confortável em todos os aspectos, com o Produto Interno Bruto (PIB) e a renda per capita da população urbana e rural duplicados em relação aos do ano de 2010.
Contudo, para muitos observadores, as expectativas em relação à economia chinesa permanecem dúbias. O eixo midiático acadêmico euro-estadunidense, cuja experiência em análises sobre China se estende por décadas, desenvolveu uma série de fetiches que servem como peças-chave de suas análises. Em geral todas as análises desembocam em perspectivas pessimistas cuja previsão apocalíptica escreve para a China um futuro pior que o da URSS.
A falha de todas estas explicações recai em dois fatores, a desqualificação do caráter socialista da República Popular da China e do peso do marxismo para o Partido Comunista da China.
Os especialistas do apocalipse clamam que a redução no crescimento chinês vai necessariamente gerar uma “aterrisagem bruta”, com sérias consequências econômico-sociais. A desvalorização da moeda chinesa, as turbulências na bolsa entre outros exemplos, são extensivamente citados para corroborar com esta tese.
A ladainha muda, mas o objetivo é o mesmo, detonar a experiência socialista na China. Recordemos que durante as reformas econômicas da China, os magos do sistema financeiro internacional advogaram incessantemente a privatização de todas as estatais, processo que ficou conhecido como “terapia de choque”. Amplamente adotado pelos antigos países socialistas do Leste europeu e a URSS, a terapia gerou uma das maiores desgraças humanas do século 20. Em um estudo publicado pelo The Lancet, estima-se que na década de 1990 os antigos países comunistas tiveram a pior taxa de mortalidade nos seus últimos 50 anos, milhões de pessoas simplesmente sumiram das estatísticas. A China não seguiu a receita e cresceu a uma média de 9% ao ano por décadas.
Portanto, essa hipótese da “aterrisagem bruta” é falsa pois insiste em desqualificar a experiência histórica da China e seu caráter socialista. A China não é um país capitalista. Choques econômicos fortes ocorrem nas economias capitalistas porque todas as grandes empresas são privadas, o que deixa o Estado impotente para tomar qualquer medida, exceto socializar o prejuízo para salvar o pescoço dos capitalistas com o fim de evitar o colapso social. Na China, onde a propriedade pública exerce dominância na economia, o Estado tem a habilidade de intervir investindo mais, logo evitando qualquer choque brusco.
No dia 6 de março, o premier Li Keqiang apresentou o relatório de trabalho do governo como de práxis, marcando o começo do encontro legislativo. Neste documento, foram apresentados os resultados obtidos pela China em 2015 e os planos para 2016. No decurso das sessões foram discutidos os assuntos mais relevantes ao contexto atual da China. Dentre eles podemos destacar a política do controle de natalidade, a questão do mar do sul, o aumento no orçamento militar, a regulação para o funcionamento de ONGs estrangeiras na China e a esperada Lei de Filantropia.
A Conferência Consultiva este ano teve aproximadamente 5.300 propostas, sendo 40% destas focadas na reforma da economia. A APN, por sua vez, recebeu mais de 462 moções, sendo 442 delas sobre legislação. Grande parte dos trabalhos deste ano foram focados no desenvolvimento do sistema legal e político da China. No entanto, melhorar a qualidade de vida dos chineses, proteger o meio ambiente e o combate à corrupção também tiveram um espaço considerável na agenda do legislativo.
Os legisladores chineses aprovaram no dia 16 o 13º plano quinquenal que levará a China a alcançar sua meta em 2020, antes do centenário de fundação do Partido Comunista da China. Os especialistas estimam que na data, a economia chinesa excederá 90 trilhões de yuans. Se comparada com os 67,7 trilhões anuais de 2015, a economia atingirá a meta estabelecida pelo plano.
O crescimento espantoso que a China vem experimentando nos últimos anos jamais seria possível em um ambiente político turbulento e instável. Neste sentido, o papel desempenhado por esses dois órgãos ao longo da história da República Popular da China tem demonstrado a estabilidade da democracia e do sistema político chinês.
(*) Gaio Doria faz estudos de pós-graduação de Filosofia Marxista na China; é militante do PCdoB e colaborador do Portal da Resistência.