Opinião
G7 faz a cúpula do declínio, da provocação, insegurança e ameaças de guerra
Já se foi o tempo em que o G7 tomava decisões que definiam o rumo dos acontecimentos mundiais, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho (*) – A cúpula do G7, realizada na Itália nestas quinta (13) e sexta-feira, apresentada como a reunião das mais ricas potências “democráticas” é um acontecimento que se destaca apenas por sua irrelevância. Já se foi o tempo em que esse grupo tomava decisões que definiam o rumo dos acontecimentos, como se fossem ordens executivas de um diretório capaz de fazer valer ditames. Era o tempo em que o poder desses países se expressava também pelo número de nações governadas por sobas de províncias, satrapias, espécies de vice-reinados em vilipêndio da autodeterminação e dos direitos de seus povos.
Hoje dessa época resta apenas uma pálida lembrança que permanece para ressaltar que estamos em presença do franco e vertiginoso declínio do mundo unipolar. O mundo do G7 está finando. Não têm valor, crédito nem apoio as iniciativas que seus líderes esboçam para afiançar seu tipo de multilateralismo, que nada tem a ver com o direito internacional e o direito internacional humanitário, substituído que foram pela falácia da “ordem internacional baseada em regras”. Enquanto os líderes do G7 tentam projetar uma imagem de unidade e força, a realidade interna e externa sugere um panorama muito mais complexo e desafiador. A imagem de um passado distante de um G7 robusto e coeso é cada vez mais apagada pela nova realidade em que outras potências emergentes e blocos geopolíticos alternativos se tornam o polo dinâmico da economia e da geopolítica. A China e a Rússia, por meio da Organização para a Cooperação de Xangai e do BRICS, estão construindo uma nova ordem mundial, afastando-se da hegemonia do imperialismo estadunidense e seus parceiros da Otan e União Europeia. Este polo não apenas ganha força, mas também atrai a atenção e a aliança de várias nações do Sul Global, que buscam uma representação mais justa e equitativa no cenário internacional.
A realidade interna e externa desses países sugere um panorama muito mais complexo e desafiador. Para além do declínio histórico, os principais líderes reunidos em Apulia, Itália, à exceção da primeira-ministra anfitriã, Georgia Meloni, enfrentam neste momento crises internas significativas. Joe Biden, nos Estados Unidos, consome-se, cada vez mais estafermo, em uma dura batalha para a reeleição em meio a uma polarização política sem precedentes. Rishi Sunak, no Reino Unido, parece destinado a perder o poder na próxima eleição nacional. Emmanuel Macron, na França, sofreu uma acachapante derrota nas eleições europeias. Dissolveu o parlamento, convocou eleições antecipadas e corre o risco de que o período restante de seu mandato presidencial seja marcado por uma inaudita vulnerabilidade, na condição de terceira força política, atrás da extrema direita e da esquerda unida da Nova Frente Popular. Olaf Scholz, na Alemanha, também foi escorraçado pelas urnas.
É nesse contexto que o G7 se lança a empreitadas que geram apenas mais tensão internacional. A primeira decisão da cúpula, na presença do ditador ucraniano Vladimir Zelensky, foi fornecer 50 bilhões de dólares em empréstimos para a Ucrânia, utilizando juros de ativos soberanos russos bloqueados. A decisão foi tomada em paralelo à assinatura de um novo acordo de segurança de longo prazo (10 anos) com os EUA. O plano do G7 para a Ucrânia é baseado em um empréstimo de vários anos usando lucros de cerca de 300 bilhões de dólares de fundos russos confiscados, a maior parte dos quais está bloqueada na União Europeia. Biden liderou a provocação contra Rússia bradando que tais acordos constituem “mais um lembrete para Putin de que não vamos recuar.”
Essas decisões agravam as tensões e aumentam o perigo de uma confrontação direta dos seus patrocinadores com a Rússia. Não se trata de um gesto normal de apoio financeiro de um bloco de países a um aliado em condições de normalidade, mas de uma ação de salteadores. Não à toa a Rússia reagiu energicamente, afirmando que as potências imperialistas reunidas na Itália praticaram uma ação criminosa. Prometeu retaliar e disse que a resposta será dolorosa.
Vê-se que essas potências decidiram exacerbar o clima de tensão, o que aumenta a insegurança global, deixando o mundo mais distante da paz e da estabilidade.
O confisco de ativos soberanos sem o devido processo cria um precedente perigoso no direito internacional. Se estas ações forem vistas como aceitáveis, abre-se um precedente pelo qual qualquer país pode justificar a apropriação de ativos estrangeiros sob pretextos políticos, desestabilizando ainda mais o sistema financeiro global. Esta medida não apenas atinge a Rússia, mas também alerta outras nações sobre a insegurança de seus próprios investimentos internacionais. Um efeito colateral dessas medidas, em desfavor do próprio G7 é que os países emergentes do Sul Global podem se afastar ainda mais dessas potências, em busca de novas oportunidades de desenvolvimento e cooperação. Países na África, América Latina e Ásia estão cada vez mais alinhados com iniciativas que promovem crescimento inclusivo e sustentável, muitas vezes encontrando parceiros mais dispostos e menos impositivos fora do eixo tradicional do G7.
Ao invés de buscar soluções diplomáticas para o conflito na Ucrânia, o G7 optou por uma abordagem que poderia levar a uma escalada militar. O acordo de segurança a longo prazo entre os Estados Unidos e a Ucrânia, além do fornecimento contínuo de armamentos e suporte militar, solidifica a linha de confronto com a Rússia. Este tipo de apoio não apenas prolonga o conflito, mas também aumenta o risco de uma guerra em larga escala, que poderia facilmente se espalhar para outras regiões e envolver diretamente as potências nucleares.
Em um momento em que a cooperação e a paz são mais necessárias do que nunca, o G7 escolheu o caminho da provocação e da insegurança. Este encontro, longe de representar um passo em direção a um futuro mais estável e próspero, consolida ainda mais as ameaças de guerra. As decisões tomadas não apenas prejudicam a estabilidade global, mas também criam precedentes perigosos que podem levar a uma era de maior incerteza e perigo.
Na ordem do dia dos líderes da potências imperialistas ocidentais constam também pressões sobre o Hamas para capitular perante os genocidas como condição preliminar para o cessar-fogo e medidas estratégicas relacionadas com a região do Indo-Pacífico, prenunciando ações que vão, mais dia, menos dia, confrontá-las com a China.
(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da CVomissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil, onde exerce a função de coordenador do setor de Solidariedade e Paz. É presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz