Opinião
Estados Unidos: As muralhas e as guerras de Donald Trump
O presidente estadunidense, Donald Trump, parece estar pronto para lutar com violência ou mediante pressões diplomáticas e políticas contra um amplo leque de organizações ou países que põem em risco as ambições hegemônicas de Washington.
Por Roberto García Hernández *
Suas ameaças contra Irã, a República Popular Democrática da Coreia, Venezuela, Síria, Rússia, China e também o Estado Islâmico (EI), Boko Haram, o movimento Talibã no Afeganistão, estão respaldadas pelo poderio militar, as campanhas midiáticas e as pressões de todo tipo contra estes “adversários”.
Relatórios recentes assinalam que Estados Unidos tem mais de 600 instalações militares de todo tipo e 180 mil soldados em 140 países, para missões combativas, de diferentes tipos, mas que precisam de uma liderança civil e militar para desempenhar as suas funções.
Ações similares cumprem as forças navais em regiões conflitivas além do mar, com destaque para os grupos de ataque de porta-aviões, bem como a aviação, infantaria de marinha e os serviços de inteligência do Pentágono em estreita coordenação com a CIA e o restante dos órgãos de espionagem.
Poucos peritos põem em dúvida as capacidades do poderio nacional norte-americano para pôr em andamento as suas intenções agressivas e hegemônicas, e sua falta de escrúpulos na hora de usar a força.
Entretanto, o agir pouco tradicional de Trump como presidente da primeira potência econômica e militar do mundo, põe seus subordinados numa situação difícil para conseguir estes objetivos e ergue verdadeiras “muralhas” de empecilhos para alcançar seus próprios objetivos.
Escândalos e Contradições
A sucessão de escândalos que afetam o governante e a instabilidade de sua equipe de segurança nacional conformam apenas a ponta do iceberg de mazelas muito mais graves que obstam o funcionamento do Governo.
A apresentação em 8 de junho passado do ex-diretor do FBI James Comey – a quem Trump expulsou do cargo em 9 de maio – perante o Comitê de Inteligência do Senado, foi uma amostra acrescentada do estado de “caos” na administração.
Comey qualificou o chefe do Salão Oval de mentiroso e de tê-lo difamado após despedi-lo com o pretexto de que dirigiu de maneira incorreta a pesquisa sobre os correios eletrônicos da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, além de perder supostamente a confiança de seus subordinados.
Peter Bake, analista do jornal The New York Times, afirma que o depoimento de Comey foi quase com certeza a acusação mais atroz de um alto funcionário contra um presidente “durante toda uma geração”.
Para outros especialistas, este confronto terá conseqüências negativas e um impacto imprevisível no trabalho do mandatário durante meses e anos, se é que consegue livrar-se de um processo legal mais profundo ao estilo do Watergate.
As contradições do chefe da Casa Branca com a comunidade de inteligência e agências federais chave para o cumprimento das missões em ultramar impuseram outra muralha que impede a comunicação imprescindível para o desempenho das ações que ele pretende impor a sua equipe de trabalho.
Alguns especialistas assinalam que o presidente não tem a menor ideia do que significa dirigir um país como os Estados Unidos, e isto faz com que cresça a importância do papel de seus assessores, aos quais nem sempre obedece.
Vagas no Pentágono
Um dos vários exemplos sobre este divórcio entre os objetivos hegemônicos dos Estados Unidos e as capacidades organizativas da atual administração, é que o Departamento de Defesa mal conseguiu completar sua nomenclatura por causa das indecisões e da improvisação do poder Executivo.
Apesar de toda a complexa situação global no plano militar, quatro meses depois de assumir a presidência, Trump apenas designou cinco dos 53 principais postos na direção do Pentágono, o menor ritmo de nomeações em mais de meio século.
Vários candidatos a postos de alto nível tiveram que se retirar das listagens devido às demoras e problemas nos seus respectivos negócios pessoais, ou simplesmente porque alguns estavam nas listas negras de personalidades que expressaram discrepâncias com Trump durante a campanha para as eleições presidenciais de novembro de 2016.
Meios de imprensa norte-americanos calculam que há por volta de 150 casos de especialistas republicanos em matéria de segurança nacional e defesa que o chefe da Casa Branca não levou em conta para ocupar vagas importantes por tais motivos.
Um artigo recente da cadeia de jornais McClatchy assinala que a questão não é que o Senado não confirme aqueles propostos por Trump, senão que várias dúzias de cargos relacionados com a segurança nacional do país ainda carecem de aspirantes.
Algo similar acontece no Departamento de Estado, que tem apenas oito funcionários confirmados de um total de 120 posições que deverão preencher-se, enquanto no Departamento de Segurança Nacional só foram ocupados dois dos 16 pendentes, o que impede a adoção de decisões urgentes.
Um porta-avião perdido e a crise com o Catar
A desordem atinge tal dimensão que motiva gafes de altos responsáveis norte-americanos na área internacional por falta de comunicação e coordenação.
Foi assim quando Trump anunciou o envio de um poderoso agrupamento de navios às imediações da Península Coreana, encabeçados pelo grupo de ataque de porta-aviões USS Carl Vinson, quando este em realidade participava de exercícios militares a mais de seis mil quilômetros em direção oposta.
Também no meio de uma campanha contra o EI na Síria e o Iraque, quando mais necessita do apoio de seus aliados incondicionais no Oriente Médio, Trump não soube – ou não pôde – tirar proveito de sua reunião recente com os líderes de mais de 55 nações da área.
Especialistas da conflitiva região do Levante asseguram que as conversas do chefe do Salão Oval com o rei Salman bin Abdulaziz, da Arábia Saudita, durante sua visita a Riad, foi decisiva para o início da crise em torno do Catar, embora, na verdade, existiam outros problemas de fundo.
Segundo o jornalista norte-americano Fareed Zakaria, Trump retornou da mencionada visita convencido de que unificou os aliados históricos de Washington na zona, que tinha dado um duro golpe ao terrorismo e acalmado as águas de uma região ingovernável, mas o que fez “foi dar luz verde à política externa agressiva e sectária de Riad”.
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein anunciaram em 5 de junho a ruptura de todo elo diplomático, consular, aéreo, terrestre e marítimo com o Catar por considerar que esse país ameaça a segurança das nações do Conselho de Cooperação do Golfo ao apoiar e promover o terrorismo e ter estreitos laços com o Irã.
O próprio Trump assegurou, em 10 de junho em Washington D.C., que as autoridades de Doha financiam o terrorismo a um nível muito alto e instou a cessar este apoio.
Esta crise põe em risco mesmo as operações que estão em andamento contra o Estado Islâmico pela coalizão militar liderada pelos Estados Unidos, o que foi reconhecido pelo secretário de estado, Rex Tillerson.
O Pentágono mantém em Ao Udeid Air Base, a 35 quilômetros ao sudoeste de Doha, sua maior instalação no Oriente Médio, com 11 mil efetivos, em que podem operar até 120 aeronaves militares.
Ali radica o Centro de Operações Aéreas Combinadas, que garante o mando e controle das ações da aviação norte-americana na Síria, Afeganistão e outras 18 nações.
Possivelmente o senador republicano Lindsey Graham é quem dá uma panorâmica mais exata do que acontece com o chefe da Casa Branca, ao assinalar numa entrevista em 8 de junho no programa televisivo This Morning, da cadeia CBS, que o problema é que a metade do que Trump faz está mal feito.
É provável que não seja tão exata a quantificação expressa pelo Graham, mas, tudo parece indicar que se aproxima muito à realidade, embora possivelmente a percentagem do que faz mal seja muito superior, a julgar pelas muralhas que ergue no seu agir diário, às vezes desde sua conta no Twitter e outras ao vivo e direto.
Mesmo assim, com esses erros constantes, o magnata imobiliário que se transformou em presidente pretende enfrentar o mundo e impor uma ordem internacional à medida de seus caprichos, algo que provoca preocupação, mesmo entre seus aliados incondicionais tanto nos Estados Unidos como no restante do mundo.
* Chefe da Redação da América do Norte de Prensa Latina
Fonte: Prensa Latina