Síria
Embaixador sírio: “Síria servirá de exemplo para que outros países não sucumbam e não se dobrem”
A guerra contra a Síria completa seis anos e a política de ingerência e agressão imperialista é cada vez mais evidente. Estima-se que cerca de 400 mil pessoas tenham sido mortas, mais de cinco milhões tenham se tornado refugiadas e outras seis milhões, obrigadas a se deslocar internamente, enquanto a Síria e forças aliadas travam uma batalha árdua contra os grupos terroristas disseminados com o apoio estrangeiro e garantem a resistência nacional contra a agressão imperialista. Para tratar deste assunto e do papel do Brasil no conflito, o Instituto de Relações Internacionais e Defesa (InfoRel) entrevistou o embaixador da República Árabe da Síria, Ghassan Nseir, em Brasília. Leia a entrevista, publicada em 20 de maio.
O seu país vive um conflito desde 2011 que envolve, direta e indiretamente, as grandes potências. O que está por trás deste conflito que impede que a Síria o supere e possa ser reconstruída?
Embaixador Ghassan Nseir: Para responder a esta pergunta é necessário, primeiramente, mostrar a importância estratégica e civilizatória da Síria na região. Devido a esta importância, a Síria teve, historicamente, um papel iluminista na região, em todos os aspectos, tanto culturais quanto científicos e políticos e até mesmo em suas propostas nacionalistas pan-arabistas, de que os árabes formam uma só nação, capaz de alcançar o grau das grandes nações em termos econômicos e científicos. A Síria foi, também, a pioneira na luta contra o sionismo, representado pela política agressiva e expansionista de Israel, e posicionou-se a favor dos direitos usurpados do povo palestino, ao exigir o seu direito de viver em seu país independente e o retorno dos refugiados ao seu país de origem, de acordo com as resoluções das Nações Unidas e do Conselho de Segurança relativas ao tema.
A verdade é que este é o pano de fundo do conflito na Síria, porque o país não se curvou diante das mobilizações americanas trazidas por Colin Powell, ex-Secretário de Estado americano, depois da invasão do Iraque. Por isso, todos os países que giram em torno da órbita dos Estados Unidos da América se aliaram contra a Síria e colocaram o terrorismo takfirista a seu serviço, com o financiamento da Arábia Saudita e do Qatar e com a ajuda da Turquia, para desestabilizar, enfraquecer e até mesmo dividir a Síria. Para acabar com este conflito, é necessário, primeiramente, acabar com o terrorismo takfirista wahabita, e isso ocorre com o fim do apoio dado pelos países supracitados, em dinheiro e armas, ao terrorismo, para que os sírios possam decidir os seus assuntos políticos, sem interferência externa de qualquer que seja a parte e sem a imposição de mobilizações por parte de países, tais como a Arábia Saudita, o Catar, a Turquia e outros.
Na sua avaliação, o Ocidente trata o conflito sírio de forma correta? Por quê? Quem afinal são os terroristas que atuam no país?
Ghassan Nseir: O Ocidente não trata a questão síria de forma correta e nem legal, mas de forma contrária ao previsto na Carta das Nações Unidas, à partir do momento em que fornece apoio e armas ao terrorismo, ingere de forma direta para mudar um sistema de governo, utiliza-se do terrorismo takfirista, o coloca a seu serviço para alcançar seus objetivos e viola a Carta das Nações Unidas e as resoluções do Conselho de Segurança, aprovadas e observadas pela Síria, especialmente as que se referem ao combate ao terrorismo.
Os terroristas que atuam no país vieram de mais de oitenta países. Todos os marginais do mundo foram mandados para a Síria, com o apoio de seus países e com a contribuição do governo da Turquia, que facilitou a sua entrada e o seu treinamento. São muçulmanos extremistas ligados a Al Qaeda, que passaram a adotar o nome de ISIS (Estado Islâmico para o Iraque e a Síria), grupo que deu origem à Frente Al Nusra e a vários outros grupos formados, com diferentes nomes e alguns sendo financiados por parte da Arábia Saudita, outros por parte do Catar e outros por parte da Turquia. E suas armas vêm de depósitos situados na Ucrânia e na Bulgária, além das que foram desviadas da Líbia e transportadas através dos aviões e navios turcos, financiados pela Arábia Saudita e pelo Catar, com as bênçãos dos Estados Unidos da América, da França e da Inglaterra.
Estes mesmos países europeus impuseram um bloqueio econômico injusto ao povo sírio, impedindo-o de receber remédios e alimentos, para depois choramingar sobre a situação humanitária na Síria e sobre o sofrimento do povo. Isto é hipocrisia política em seu nível mais baixo, porque quem deseja ajudar o povo sírio não lhe impõem bloqueios e nem corta o seu acesso a alimentos e remédios.
Neste momento, o senhor diria que estamos mais próximos de uma solução para o conflito com a pacificação da Síria? O que é determinante para que a paz seja firmada?
Ghassan Nseir: A resistência do Exército Árabe Sírio e o apoio dos nossos aliados produziu vitórias no território, especialmente depois da expulsão dos terroristas de Alepo. E todos os planos que os países inimigos tentaram executar contra a Síria, com a ajuda dos terroristas armados, foram um fracasso graças à resistência de seu povo, de seu exército e de suas lideranças. Além disso, o terrorismo apoiado pelos países ocidentais e outros passou a ameaçá-los internamente. Lembremos dos atentados de Paris e Nice, na França, os atentados na Alemanha, na Bélgica e outros. Era sobre isso que a Síria estava alertando, quando ela dizia que “os terroristas se virarão contra vocês”.
A Síria sempre conclamou a todos os países para combater o terrorismo, em colaboração com o Exército sírio, para acabar com este flagelo sem precedentes na história da humanidade. Agora parece que estes países foram obrigados a lidar com os fatos e passaram a modificar as suas políticas de apoio aos terroristas, porém alguns países como a Arábia Saudita, o Catar e a Turquia continuam a apoiar o terrorismo. E, com exceção destes países, todos os outros estão convencidos de que a solução do conflito na Síria não pode ser pela via militar, mas sim pela via política, entre os próprios sírios, sem a imposição de condições externas. Desde o início, o Governo sírio buscou anistiar os sírios desviados e ludibriados, para que depusessem suas armas e voltassem a exercer suas tarefas cotidianas. O Governo sírio adotou, como modelo, o caminho da conciliação, fato que levou muitos sírios a retornarem para os braços do Estado, evitando que suas cidades e vilarejos entrassem em confronto com as forças do Estado e, desta forma, livraram-se do domínio dos grupos terroristas armados. A maioria destas pessoas expulsou os terroristas e se rebelou contra a sua presença. Mas em outras áreas, os terroristas tomaram os moradores como reféns e como escudos humanos. O Governo da Síria apoia o que for acordado pelos sírios e convida a oposição nacional para sentar-se à mesa e debater a situação da nova Constituição do país, que será sujeita a um referendo popular para, posteriormente, ser aprovada e para que sejam definidos os fundamentos e o sistema do futuro governo da Síria.
O Brasil abriga uma população de origem síria bastante considerável. Neste contexto, como o senhor avalia o papel do país na resolução do conflito? O senhor entende que o Brasil deveria envolver-se de maneira mais contundente nesta questão? Por quê?
Ghassan Nseir: Existe no Brasil um número razoável de descendentes de origem síria, que imigraram para cá desde os meados do século 19. O número deles é estimado entre nove e 17 milhões de pessoas. Quanto aos refugiados, segundo as estimativas oficiais, o número é de 2.700 pessoas. Os sírios tiveram uma contribuição ativa e muito importante no desenvolvimento do Brasil nos aspectos econômico, comercial, arquitetônico, cultural e científico. Em quase todas as cidades brasileiras podemos encontrar marcos que indicam a presença síria (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Anápolis, Goiânia, etc.).
Devido à esta presença no Brasil, ao apoio que a comunidade síria daqui têm dado ao Governo da Síria e à rejeição ao terrorismo takfirista, o Brasil deveria desempenhar um papel ativo, que cause uma boa impressão nesta comunidade, especialmente porque seus familiares, seus vilarejos e cidades estão sendo vítimas da matança, da crucificação, das degolas, da destruição das igrejas e templos, da destruição das ruínas históricas e raras e da tentativa de apagar a civilização síria que data de mais de 10 mil anos, como ocorreu em Palmira, Alepo, Bosra, na fortaleza de Hosn e outras. Mas, infelizmente, o Governo brasileiro, ao contrário dos outros países do BRICS [Brasíl, Rússia, Índia, China e África do Sul], suspendeu o funcionamento de sua Embaixada em Damasco, transferiu os funcionários para Beirute e diminuiu o nível da representação diplomática para um Encarregado de Negócios. Isto fez com que os brasileiros que vivem na Síria tivessem dificuldades para obter seus documentos, porque foram obrigados a viajar até Beirute e arcar com os prejuízos financeiros, além de outros fatores complicadores.
A posição do Brasil foi análoga a dos países ocidentais, exceto pelo fato de defender a solução política para o conflito e sem a intervenção externa. Todavia, as notas emitidas pelo Ministério das Relações Exteriores colocaram no mesmo nível o Governo legítimo e as quadrilhas terroristas takfiristas armadas. Além disso, as posições do Brasil nas organizações ligadas às Nações Unidas eram, na maioria das vezes, favoráveis a resoluções contrárias à Síria, especialmente a resolução apresentada pela Arábia Saudita no Conselho de Direitos Humanos.
Mesmo assim, devido às relações e laços firmes que ligam os nossos dois países e povos, contamos com o Governo brasileiro para que contribua ativamente e que tenha um envolvimento maior, através de sua atuação nos organismos internacionais, objetivando ajudar o povo sírio a vencer o terrorismo e a reconstruir o seu país independente, sem interferência externa, para então ajuda-lo a reerguer o país, que teve toda a sua infraestrutura destruída pelo terrorismo takfirista. As empresas brasileiras e os investidores podem, com o apoio do Governo brasileiro, formar uma comitiva para ir a Síria e prospectar o que pode ser feito num futuro próximo, de forma a contribuir com a reconstrução do país. Também poderia ser formada uma comitiva parlamentar, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para ir à Síria, se encontrar com os representantes do povo e conhecer a vontade política e constitucional do povo sírio. Existem, ainda, outras possibilidades para movimentar os contatos entre os dois países como, por exemplo, convidar os membros da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Popular da Síria para visitar o Brasil.
O governo sírio é acusado de massacrar o seu próprio povo, segundo as agências de notícias internacionais. Na sua avaliação, há um exagero nesta cobertura, erros de percepção do conflito ou interesses escusos por trás da imagem negativa que vem sendo construída, principalmente do presidente Assad?
Ghassan Nseir: As agências internacionais de notícias foram um fator fundamental na guerra contra a Síria. Elas foram recrutadas, receberam dinheiro, especialmente a Al Jazeera, a Al Arabya, a BBC e a France 24, além dos jornais e jornalistas. A mídia teve um papel muito negativo, que não condiz com a ética profissional da imprensa, visto que adotou a enganação, a mentira, a falsificação dos fatos e das imagens e utilizou-se de tecnologias modernas para distorcer imagens de locais e pessoas. Eles colocaram todas as técnicas disponíveis a serviço do ataque à Síria, ao Governo sírio e ao seu Presidente. Alguém já se perguntou por que o Presidente não matou seu povo antes? Ele não está no cargo desde 2001? Por que só agora? Como? Existe algum país no mundo que não defenda o seu povo e o seu exército quando é atacado por homens armados, terroristas, takfiristas, que não aceitam a opinião do próximo, vindos de mais de 80 países?
Qualquer que seja a guerra, ela resultará em vítimas, mas será que eles supõem que o Exército sírio não deveria defender seus cidadãos, que tiveram suas casas e propriedades tomadas pelo ISIS e pela Frente Al Nusra e que lhes foi imposto um modo de vida nunca visto antes, nem na história antiga e nem na moderna? Essa mídia interesseira realizou uma campanha para denegrir e demonizar o Presidente sírio e o Exército sírio, utilizando termos para descreve-los que não são adequado à imprensa e nem ao povo sírio, que sempre esteve ao lado do Presidente e do Exército sírio e sempre os apoiou. A mídia fracassou mas continua agindo da mesma forma. Em todo o caso, a verdade é como a luz do sol, não pode ser tapada com uma peneira. Por mais que tenham mentido, por mais que tenham enganado, a verdade começou a aparecer até para quem não quer ver. O presidente Assad é o capitão deste navio e ele não o deixará em perigo. Ele se manterá firme até o último suspiro, para defendê-lo e defender quem estiver a bordo. Esta é a posição do Presidente que, sem o apoio do povo e do Exército, não teria conseguido enfrentar esta guerra, que já dura seis anos, e combater um ataque universal e terrorista contra a Síria. A Síria venceu e com ela venceram todos os povos que não se dobram diante das mobilizações que ameaçam a sua soberania e a sua decisão independente.
Já é possível aventar a possibilidade de reconstrução do país e das suas infraestruturas? Neste sentido, o senhor encorajaria as empresas brasileiras a se voltarem para as oportunidades que se apresentam na Síria?
Ghassan Nseir: O Governo sírio vem, há algum tempo, preparando planos e projetos para a reconstrução. Começou, também, a reorganizar algumas áreas na cidades de Damasco, Homs, Alepo e outras. O presidente Assad disse que a reconstrução da Síria será feita pelas mãos de seus filhos e com a ajuda dos países amigos, que ficaram do nosso lado durante a crise. Partindo desta orientação, convidamos as empresas brasileiras para conhecer as oportunidades disponíveis na Síria. Se houver interesse, elas devem se apressar, porque há empresas de vários países, como a Índia, a China, a África do Sul e a Russia, que já começaram a prospectar as necessidades da Síria, através do envio de comitivas dos setores econômico e empresarial para a Síria. Por isso, este assunto deve ser tratado com seriedade e rapidez. Nós as incentivaremos e lhes daremos as boas vindas!
Qual a importância geoestratégica da Síria no contexto do Oriente Médio neste momento e em relação à todos os seus principais atores? Os milhões de sírios que tiveram de abandonar o país, têm um horizonte para poderem retornar?
Ghassan Nseir: A Síria, por sua localização geográfica, pela história de sua civilização e sua influência na região do Oriente Médio, é considerada um fator fundamental na política da região. E por ser próxima do continente europeu e seus países, este acaba sendo afetado pelo que acontece na Síria, seja negativa ou positivamente. Se observarmos os reflexos da guerra terrorista contra a Síria, veremos que os países europeus receberam uma cota substancial das reverberações deste abalo que atingiu a Síria, causando-lhes problemas tanto interna quanto externamente (à exemplo da questão dos refugiados, que terá reflexos políticos, sociais e de segurança por um longo período nos países europeus). Além disso, a resistência da Síria, sua luta contra o terrorismo takfirista e o fracasso das ambições dos países neocolonialistas terão uma grande influência sobre a consolidação da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, que proíbem a interferência nos assuntos internos de outros países. Isto servirá de exemplo para os outros países para que não sucumbam e não se dobrem diante das mobilizações das grandes potências, para servir aos seus interesses às custas das capacidades dos povos. Se a Síria for derrotada por este terrorismo takfirista e pelos países que o apoiam, muitos dos países que não aprovam as políticas dos Estados Unidos da América e seus interesses serão alvo de mudanças de regimes e de provocação de conflitos internos que garantam os interesses do Ocidente. Vamos parar e avaliar as interferências dos Estados Unidos da América e do Ocidente em alguns países, tais como o Iraque, a Líbia e o Iêmen.
O que aconteceu com estes países? Eles estão melhor agora do que antes? Qual é a situação de seus povos? Cada pessoa que atua na política com objetividade deve se fazer estas perguntas. Quanto aos refugiados, é preciso dizer que antes destes acontecimentos na Síria, não tínhamos uma crise chamada “refugiados”. Em compensação, a Síria servia de abrigo para as ondas de refugiados, como a dos armênios, depois do massacre otomano, a dos palestinos nos anos de 1948 e 1967, a dos iraquianos logo depois da invasão do Iraque em 1991 e a dos libaneses, depois das guerras de 1982 e 2006. A Síria recebeu estas ondas e não ficou choramingando, abriu suas escolas para os filhos dos refugiados e ofereceu todo o tipo de assistência, no mesmo nível em que era oferecida aos sírios. E os palestinos sabem muito bem disso, pois lhes era dada a preferência sobre os sírios nas ofertas de empregos públicos. Quanto aos refugiados sírios, devemos voltar aos documentos sobre os acampamentos que foram instalados na Turquia e na Jordânia, antes mesmo do início dos acontecimentos. Havia um incentivo por parte dos países inimigos da Síria que objetivava o esvaziamento dos moradores, através da aterrorização e do exercício de pressões para que fugissem por medo dos assassinatos, das degolas, do pagamento de resgates, da escravização das mulheres, dos casamentos “jihadistas” e de todas as outras práticas desumanas. Alguns se deslocaram para as áreas controladas pelo Exército sírio e outros para fora do país. A Turquia usou os refugiados como moeda de troca, para barganhar com a União Européia, para chantageá-la e obter ganhos políticos. A porcentagem de refugiados sírios não ultrapassa 10% do total da chamada de crise de refugiados.
Muitos se aproveitaram na situação e alegaram ser sírios, mas dentre os refugiados, pode-se encontrar afegãos, somalis, sudaneses, iraquianos e líbios alegando ser de nacionalidade síria para poder emigrar. O Governo da Síria escancarou suas portas para que todos os que emigraram pudessem voltar, deu as boas vindas e expressou a sua disposição em garantir a sua reintegração. O Senhor Presidente anunciou vários decretos de anistia aos que emigraram de forma ilegal, aos que fugiram do serviço militar e aos que participaram dos grupos terroristas armados, conclamando-os a retornar ao seu país e reparar a sua situação, para que estejam habilitados a voltar à sua vida normal. Nós reafirmamos isso, porque precisamos de recursos humanos qualificados. Eles são qualificados, porque a Síria financiou os seus estudos, o seu crescimento e a sua formação. Na Síria, o ensino é obrigatório e gratuito até o Primeiro Grau e gratuito para o Segundo Grau e a Universidade. Por isso, todos os emigrantes são formados. A pessoa síria que foi obrigada a emigrar, por medo dos grupos terroristas armados, que chegaram ao ponto de cortar cabeças, voltará, sem sombra de dúvida, quando houver segurança em seu país e quando pudermos acabar com os grupos terroristas takfiristas armados, apoiados pela Arábia Saudita, pelo Catar, pela Turquia e com as bênçãos dos países ocidentais e dos Estados Unidos da América. O cidadão sírio não encontrará um país melhor que o seu, porque na Síria ele encontrava vantagens que não existem nos países da região e na maioria dos países do mundo, visto que, na Síria, a assistência médica é gratuita, o ensino é gratuito e tem à sua disposição uma ajuda de custo para a aquisição de produtos essenciais, tais como combustível, alimentos e medicamentos.
Além disso, o desenvolvimento na Síria ocorreu em todas as áreas. A eletricidade, a água potável, os telefones e a internet chegaram a todos os lugares do país. Não existe nenhuma cidade, por menor que seja, sem escolas, centros de saúde e serviços básicos. Por isso, estamos certos de que a maioria dos sírios que emigraram, em consequência do temor pelas suas vidas, retornarão à Síria. Eles esperam o dia em que a paz seja restabelecida e a erradicação do terrorismo para fazer suas malas. O seu país os aguarda de portas abertas, para recebê-los e ajudá-los. Quanto aos relatórios dos organismos responsáveis pelas áreas de saúde, desenvolvimento e educação, ligados às Nações Unidas, anteriores ao ano de 2011, podemos observar os avanços alcançados pela Síria em todos os setores, desde a erradicação do analfabetismo e até a assistência médica garantida, as baixas taxas de mortalidade infantil e a erradicação das epidemias e pandemias.
Como o senhor avalia o papel da Organização das Nações Unidas agora com um novo secretário-geral, o português António Guterres, que tem experiência internacional, especialmente com refugiados? O senhor diria que a ONU é uma coisa e o seu Conselho de Segurança, outra?
Ghassan Nseir: A Organização das Nações Unidas e os organismos ligados à ela foram instituídos com o objetivo de estabelecer a paz e a segurança internacionais, em concordância com a sua Carta, a qual deveria ser observada e aplicada longe de qualquer politicagem, manipulação ou interesses das grandes potências. Mas a prática é absolutamente diferente dos princípios e da missão desta organização. Porque alguns países, especialmente os colonialistas, a dominam e controlam suas resoluções e orientações. As Nações Unidas tiveram um papel negativo na crise da Síria, isso para não dizer um papel inimigo, contrariando sua missão, sua Carta e seus princípios. Isso se aplica às suas posições em relação à ocupação da Líbia, do Iraque, do Iêmen, assim como foi com a Síria. Esperamos que o novo Secretário Geral possua a independência e a objetividade necessárias à administração dos assuntos da Organização. Além disso, a Organização necessita de reformas para haver um equilíbrio no mundo e para que ela não fique sob o domínio de alguns países.
Quanto à experiência do novo secretário-geral com a questão dos refugiados, não devemos resumir o que acontece na Síria à questão dos refugiados. Devemos discutir os motivos que levaram à esta problemática, pois antes de 2011 não tínhamos o problema dos refugiados. Foi o terrorismo takfirista, personificado no ISIS, na Frente Al Nusra e em outros grupos, o causador deste problema. E se não fosse pelo apoio dos Estados Unidos da América, dos países ocidentais, do Catar, da Arábia Saudita e da Turquia, estes grupos não teriam conseguido armas e equipamentos para destruir a infraestrutura da Síria e para tomar o controle dos poços de petróleo, para vender o petróleo à estes países em troca de armas. Portanto, acredito que existe uma situação de hipocrisia política na questão dos refugiados, porque por um lado eles causam o problema da emigração e por outro choramingam por eles e falam sobre ajudas humanitárias. Então a questão está muito clara para quem quiser ver. O terrorismo takfirista é o motivo e quando sabemos o motivo, podemos solucionar o problema, com a presença das lideranças naturais.
Quem o senhor acredita, não tem interesse em que o conflito sírio tenha fim? Por quê? E como avalia a atuação de países como Rússia, Estados Unidos, Irã, Israel, dentre outros, e da União Europeia, em relação à uma solução para o conflito sírio?
Ghassan Nseir: Pelos mesmos motivos que citei anteriormente. Todos eles querem dominar as capacidades dos povos, agem de modo neocolonialista para preservar os seus interesses. De modo geral, eles não querem acalmar o conflito porque eles se beneficiam da venda de armas e da compra de petróleo a preços muito baixos, sem se envolver diretamente nas ações de enfrentamento. Os Estados Unidos da América, desde a invasão do Iraque em 2003, querem enfraquecer a Síria para atender aos interesses políticos de Israel na região, com o objetivo de continuar com a ocupação das terras palestinas, com a expansão dos assentamentos e com a expulsão dos palestinos. Os Estados Unidos da América executam os planos de Israel na região e a continuação do conflito na Síria ocorre no contexto deste interesse. Quanto à União Européia, esta segue os passos da política dos Estados Unidos da América, que empurra os países da União Europeia para adotar posições que contrariam os seus próprios interesses.
Os países europeus acabam, sempre, absorvendo o primeiro impacto de qualquer conflito provocado pelos Estados Unidos da América e por Israel na região. Eles pagam um preço muito alto pelos reflexos negativos da política americana, que desconsidera qualquer observação dos princípios e da Carta das Nações Unidas. Quanto à Rússia, como uma grande potência que tem o dever de preservar a paz e a segurança internacionais, no âmbito da Carta das Nações Unidas, agiu de forma coerente e impediu que alguns países usassem a tribuna das Nações Unidas e do Conselho de Segurança para determinar o destino de alguns países em detrimento dos povos da região. Além disso, a Rússia e o Irã vêm buscando uma solução para o conflito, porque perceberam que a vitória do terrorismo na Síria e no Iraque ameaçará a sua segurança, sem contar que, conforme as leis internacionais, eles interviram na Síria a pedido do Governo sírio. Quanto aos Estados Unidos da América e seus aliados internacionais, formados por mais de cem países, eles violaram a soberania da Síria e apoiaram o terrorismo. Porque não existe lógica no fato dos Estados Unidos da América terem formado uma aliança militar de vários países para combater o terrorismo e, no entanto, o terrorismo continuar a se expandir e se espalhar. É do interesse de Israel e dos Estados Unidos da América que este conflito continue e que a Síria seja dividida para enfraquecer o país que fez frente aos planos sionista-americanos. Eles querem subjugar a Síria para atender às suas mobilizações e sabotar a sua relação de amizade com o Irã.
É possível pensar em uma solução que não implique na queda do presidente Bashar al-Assad? O governo sírio tem um “mapa do caminho” para a pacificação do país?
Embaixador Dr. Ghassan Nseir: O Presidente da República, Dr. Bashar Al Assad, é o Presidente eleito pelo povo, de acordo com a Constituição da República Árabe da Síria. A sua legitimidade está relacionada à Constituição e ao povo sírio. Não existe lógica ou lei que o obrigue a deixar o cargo a não ser pela Constituição síria. Quanto às tentativas de demonizar o Presidente e à exigência de sua saída por parte de alguns países, primeiramente, isso contraria a Carta das Nações Unidas. Em segundo lugar, se permitirmos que alguns países se achem no direito de afastar o presidente de um país por não considera-lo adequado ou porque não está respondendo às suas ordens ou não sucumbe às suas exigências, isto ameaçará a independência de vários países e sabotará a estabilidade e a paz internacionais. E aí voltaremos aos métodos e comportamentos da era colonialista e, consequentemente, os povos serão esmagados e não terão a capacidade de determinar o seu destino e escolher o sistema de governo que lhes é adequado. Portanto, este princípio é inaceitável, porque a opção do povo é o fundamento para a escolha deste ou daquele presidente. Desde o início da crise, o Governo da Síria propôs um mapa do caminho, representado pelo acordo para se estabelecer uma nova constituição para o país, que deverá passar por um referendo popular e conforme o resultado deste referendo, seria formado um novo Governo, de acordo com o plano, abaixo detalhado:
Apresentação do plano: Partindo dos princípios imutáveis da Síria, encabeçados pela soberania, independência e autodeterminação do país e pelos princípios e metas da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, que asseguram a soberania, a independência, a integridade territorial dos países e a não interferência em seus assuntos internos, e da crença na necessidade de diálogo entre os filhos da Síria e com as lideranças da Síria, para recuperar o clima de segurança e o retorno à estabilidade, a solução política para a Síria será da seguinte forma:
1ª. Fase:
1º.: Os países envolvidos, tanto regionais quanto internacionais, comprometem-se em cessar com o fornecimento de financiamento, armas e abrigo para os militantes, em paralelo ao cessar das ações terroristas por parte dos militantes, de forma a facilitar o retorno dos deslocados sírios, em segurança, para as suas áreas de origem. Imediatamente em seguida, cessarão as operações militares por parte das nossas forças armadas, reservando-lhes o direito de reagir, caso a pátria, o cidadão ou as instalações públicas e privadas sejam alvo de agressão.
2º.: Encontrar um mecanismo adequado para confirmar o comprometimento de todos com o que foi acordado no 1º item, especialmente no que se refere ao controle de fronteiras.
3º.: O Governo atual iniciará, imediatamente, os contatos intensivos com todos os setores da sociedade síria, através de seus partidos, instituições e departamentos para manter diálogos abertos, com o objetivo de realizar uma conferência de diálogo nacional, com a participação de todas as forças sírias que desejam alcançar uma solução para a Síria, dentro e fora do país.
2ª. Fase:
1º.: O Governo atual fará uma convocação para a realização de uma conferência sobre o diálogo nacional global, para alcançar um pacto nacional, que preserve a soberania da Síria, a unidade e a integridade de seus territórios, rejeite a interferência em seus assuntos internos e erradique todas as formas de terrorismo e violência. Isso significa uma convocação do governo aos partidos e setores da sociedade para definir os parâmetros desta conferência, que será realizada na segunda fase. Quanto ao pacto, ele servirá para delinear o futuro político da Síria, propôr o sistema constitucional e jurídico, definir os aspectos políticos e econômicos e um acordo sobre novas leis para os partidos, eleições, administrações locais e outros.
2º.: O Pacto Nacional será objeto de um referendo popular.
3º.: Formar um governo amplo, no qual serão representados todos os componentes da sociedade síria. Este governo será responsável pelo cumprimento dos artigos acordados no pacto nacional.
4º.: Depois de proposto e aprovado pelo referendo popular, o governo amplo adotará as leis aprovadas na conferência do diálogo nacional, em conformidade com a nova Constituição e as novas leis. Mas antes, usaremos o termo ‘se’: ‘Se’ as leis ou a Constituição, sobre as quais se fundamentará o novo governo, forem aprovadas pela conferência do diálogo nacional.
3ª. Fase:
1º.: O novo governo será formado em conformidade com a Constituição existente naquele momento.
2º.: Realizar uma conferência geral para a conciliação nacional e decretar anistia geral para todos os presos em razão dos acontecimentos e resguardando os direitos civis dos que foram prejudicados por eles.
3º.: Atuar para reparar e reconstruir a infraestrutura do país e indenizar os cidadãos que foram prejudicados pelos acontecimentos.
Anistia Geral: Será concedida, resguardando os direitos civis dos que foram prejudicados, porque o Estado tem o direito de conceder a anistia, abrindo mão de seus direitos, porém não pode abrir mão dos direitos das pessoas. Se a Síria chegar a esta fase, será necessário que a anistia seja concedida também pelas pessoas, para então podermos chegar a uma conciliação nacional, onde haja o perdão entre as pessoas.