Opinião

Eleições EUA: Operações psicológicas como arma eleitoral

29/02/2016

A maior parte da cúpula do Partido Republicano ainda sonha em emplacar Ted Cruz como o candidato do partido à Casa Branca. Não que Ted Cruz seja menos reacionário do que Donald Trump, o franco favorito nas prévias dos “elefantes” (o elefante é o símbolo do Partido Republicano), mas por que avaliam que Trump seria um candidato mais fácil de ser batido pelo oponente do Partido Democrata. Para viabilizar Ted Cruz, estão sendo empregadas técnicas de “operações psicológicas”, como nos conta Thierry Meyssan neste artigo.

Ted Cruz PsyOp

Pela primeira vez na História, uma equipe especializada em operações psicológicas tenta fabricar um candidato à eleição presidencial estadunidense e leva-lo à Casa Branca. Sua vitória, se ocorrer, atestaria a possibilidade de falsificar o próprio processo eleitoral. Ou, poria a questão do poder dos militares sobre as instituições civis.

Por Thierry Meyssan*

As “operações psicológicas” (Psy Ops) são “artifícios de guerra”, à imagem do Cavalo de Troia. Sob a influência do general Edward Lansdale, os Estados Unidos dotaram seus exércitos e a CIA de unidades especializadas, inicialmente nas Filipinas, no Vietnã e contra Cuba, depois de maneira permanente [1].

As operações psicológicas são muito mais complexas que a propaganda que não visa a outro objetivo senão deformar a percepção da realidade. Por exemplo, durante a guerra contra a Síria em 2011, a propaganda aliada consistia em convencer a população de que o presidente Assad fugiria como o presidente Ben Ali tinha fugido na Tunísia. Os sírios deveriam então se preparar para um novo regime. Enquanto no começo de 2012, uma operação psicológica previa substituir nos canais de televisão nacional com falsos programas pondo em cena a queda da República Árabe Síria de sorte que a população não opusesse mais qualquer resistência  [2].

Da mesma maneira que existem hoje exércitos de mercenários, tais como Blackwater-Academi, DynCorp ou CACI, existem companhias privadas especializadas nas operações psicológicas como a britânica SCL (Strategic Communications Laboratories) e sua filial estadunidense Cambridge Analytica. No maior segredo, elas ajudam a CIA a organizar as “revoluções coloridas” e se lançam à manipulação dos eleitores. Desde 2005, elas participam no salão britânico Defense Systems & Equipment International (DSEI) e vendem seus serviços aos que dão os melhores lances [3]. No exemplo sírio, a SCL trabalhou no início de 2011 no Líbano onde estudou as possibilidades de manipulação da população em cada comunidade.

Operações psicológicas e eleitorado

Nas sociedades modernas, as autoridades políticas são designadas pela via eleitoral. Isto pode ocorrer com uma simples escolha — segundo as qualidades pessoais — entre candidatos pré-selecionados até a designação de personalidades portadoras de um projeto político determinado. Em todos os casos, os candidatos devem apoiar-se em militantes ou funcionários para fazer sua campanha. Sabe-se que o vencedor é quase sempre aquele que consegue reunir atrás de si o maior número de apoiadores. Portanto, convém não somente fabricar um candidato, mas também um partido ou um movimento para apoiá-lo. Ora, os eleitores hoje em dia hesitam em se filiar numa organização e os funcionários custam caro. A SCL teve a ideia de utilizar técnicas comportamentais para fabricar um partido político que levará seu cliente ao poder. Seus psicólogos elaboraram o perfil padrão do militante sincero e manipulável, depois coletaram os dados sobre a população alvo, determinaram quem corresponde ao perfil padrão e as mensagens mais eficazes para convencê-la a apoiar seu cliente.

Pela primeira vez isto acaba de ter lugar em larga escala: nos Estados Unidos com Ted Cruz.

O slogan da campanha de Ted Cruz : “TrusTed”, um jogo de palavras significando “Ted, aquele em quem se acredita”.

O financiamento da operação

Robert Mercer, um dos dez principais doadores da vida pública estadunidense, pagou indiretamente mais de 15 milhões de dólares à SCL-Cambridge Analytica para que se encarregue da campanha de Ted Cruz [4].

Inventor de um software de reconhecimento vocal,  Mercer é hoje o patrão da Renaissance, uma  sociedade de investimentos que está entre as mais eficazes do mundo. Seu célebre fundo Medaillon realizou de 1989 a 2006 em média 35 % de lucros por ano fazendo funcionar um sistema de evasão fiscal para seus clientes [5].

Robert Mercer jamais manifestou opiniões políticas publicamente e os comentaristas estadunidenses não sabem muito como classificar esse “republicano”. Não se conhece, por exemplo, suas posições sobre problemas da sociedade como o direito ao aborto ou o casamento gay. No máximo, sabe-se que ele não acredita que as mudanças climáticas são provocadas pela atividade humana. E que ele combate claramente Hillary Clinton e seu amigo Donald Trump, e  que é próximo de John Bolton.

A coleta de dados pessoais

Para selecionar os cidadãos suscetíveis de se tornarem militantes, a SCL/Cambridge Analytica reuniu secretamente dados pessoais entre milhões de eleitores [6].

O doutor Aleksandr Kogan comprou os dados da Amazon, gigante da venda on line nos Estados Unidos, depois pagou cerca de um dólar suplementar por cliente para que um questionário fosse enviado via Mechanical Turk (MTurk). Aceitando se identificar via Facebook, o internauta permitia a MTurk ter acesso a seus dados pessoais que eram cruzados com os da Amazon e os transmitia por meio da sociedade de Kogan, Global Science Research (GSR), à SCL. Embora o doutor  Kogan tenha assegurado ao Guardian trabalhar apenas com fins de pesquisa científica e unicamente com dados anônimos, estes estão hoje em posse da  SCL [7].

Em alguns meses, a SCL dispõe de uma base de dados detalhada de mais de 40 milhões de eleitores estadunidenses, sem que tenham sido voluntários.

Em 2008, a Corte Internacional de Justiça decidiu se opor aos Estados Unidos na revisão de um processo de um mexicano condenado sem o benefício da assistência jurídica consular. Entretanto, Ted Cruz, então advogado geral do Texas, arguiu perante a Corte Suprema que um Estado federado não era obrigado a obedecer a uma Corte estrangeira. Ele ganhou, os Estados Unidos denunciaram o protocolo adicional à Convenção de Viena, e o condenado foi executado.

A interpretação dos dados pessoais

A Cambridge Analytica Então procedeu  a uma avaliação de cada perfil segundo o método de analisar:

– a “Abertura” (apreciação da arte, da emoção, da aventura, das ideias pouco comuns, da curiosidade e da imaginação);

– ser “Consciencioso” (autodisciplina, cumprimento das obrigações, organização acima da espontaneidade; a orientação em face dos objetivos buts);

– a “Extroversão” (energia, emoções positivas, tendência a buscar estímulo e a companhia dos outros, ir em frente) ;

– ser “Agradável” (tendência a ser compassivo e cooperativo mais do que suspicaz e antagônico em relação aos outros) ;

– “Neuroticismo” (tendência a suportar facilmente emoções desagradáveis como a raiva, a inquietude ou a depressão, vulnerabilidade).

Para cada pessoa estabeleceu-se um gráfico de personalidade utilizando 240 questões de testes NEO PI-R (Neuroticism-Extraversion-Openness Personality Inventory-Revised).

Sobre essa base, a SCL identificou os indivíduos que seriam os militantes sinceros e manipuláveis, em seguida elaborou argumentos personalizados para convencê-los.

Podia-se pensar que estudos de personalidade elaborados independentemente da vontade das pessoas seriam bastante aproximados. Porém…

Brilhante jurista, Ted Cruz defendeu o monumento dos Dez Comandos instalado no Capitólio do estado do Texas. Ele redigiu o memorial dos procuradores gerais de 31 estados, segundo os quais a proibição das armas viola o direito ao porte der armas garantido pela segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos. Ele defendeu igualmente a recitação do Juramento à bandeira dos Estados Unidos, uma “Nação sob a proteção de Deus”, nas escolas públicas.

O candidato Ted Cruz

O candidato à Casa Branca Ted Cruz é um excelente jurista, brilhante orador e debatedor. Ele peticionou muitas vezes junto à Corte Suprema dos Estados Unidos. É mais liberal que conservador.

Seu pai, o pastor evangélico Rafael Cruz, é um emigrado cubano que prega o mandato que Deus teria dado aos homens de fé para governar a “América”. Ele assegura que no final dos tempos, que não tardará, Deus dará aos justos as riquezas das naus [8].

A esposa de Ted, Heidi Cruz, foi diretora para a América do Sul no Conselho de Segurança  Nacional à época de Condoleezza Rice, depois vice-presidente do Goldman Sachs encarregada da gestão das fortunas dos clientes do Sudoeste do país [9].

No começo da campanha presidencial, Ted Cruz recebia poucas opiniões favoráveis e a imprensa falava de sua personalidade como pouco empático. Entretanto, graças à ajuda da SCL/Cambridge Analytica, constituiu-se rapidamente um vasto grupo de apoio e ele ganhou as primárias de Iowa.

Em 1988, Ted Cruz afirmava seu ideal de vida: “Assumir o controle do mundo. A dominação mundial, administrar tudo, ser rico, poderoso, esse tipo de coisa”.

Seu eventual acesso à Casa Branca Maison-provaria a possibilidade de subverter uma campanha eleitoral recorrendo ás técnicas das operações psicológicas.

* Thierry Meyssan é consultor político, presidente-fundador da Rede Voltaire e da Conferência Axis for Peace (Eixos para a Paz)

Tradução: José Reinaldo Carvalho

Fonte: Rede Voltaire

[1] Edward Lansdale’s Cold War, Jonathan Nashel, University of Massachusetts Press, 2005.

[2] “A Otan prepara uma vasta operação de intoxicação”, por  Thierry Meyssan, Komsomolskaïa Pravda (Russie), Réseau Voltaire, 10 junho de  2012. “PsyOp imminente de l’OTAN contre la Syrie”, Réseau Voltaire, 20 juillet 2012.

[3] “You Can’t Handle the Truth. Psy-ops propaganda goes mainstream”, Sharon Weinberger, Slate, September 2005.

[4] “The Man Who Out-Koched the Kochs”, Annie Linskey, Bloomberg, October 23, 2014.

[5] “Renaissance Avoided More Than $6 Billion Tax, Report Says”, Zachary R. Mider, Bloomberg, July 22, 2014.

[6] “Cruz partners with donor’s ’psychographic’ firm. The GOP candidate’s campaign is working closely with a data company owned by Cruz’s biggest donor”, Kenneth P. Vogel and Tarini Parti, Politico, July 7, 2015. “Cruz-Connected Data Miner Aims to Get Inside U.S. Voters’ Heads”, Sasha Issenberg, Bloomberg, November 12, 2015. “Cruz campaign credits psychological data and analytics for its rising success”, Tom Hamburger, The Washington Post, December 13, 2015.

[7] “Ted Cruz sing firm that harvested data on millions of unwitting Facebook users”, Harry Davies, The Guardian, December 11, 2015.

[8] “Ted Cruz’s Father Fires Up Campaign Rhetoric. Rafael Cruz’s Bible-laced speeches appeal to conservatives, but could alienate swing voters”, Janet Hook, Wall Street Journal, June 21, 2015. “Ted Cruz’s dad is even more frightening than Ted Cruz”, Robert Leonard, Salon, September 24, 2015.

[9] “Heidi Nelson Cruz, Ted’s Wife : 5 Fast Facts You Need to Know”, Tom Cleary, Heavy, March 23, 2015. “Heidi Nelson Cruz: A Political Spouse Making Sacrifices and Courting Donors”, Steve Eder & Matt Flegenheimer, The New York Times, January 18, 2016.

 

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