Opinião

Diego Pautasso: Putin atrai a Turquia e muda o jogo na região?

02/01/2017

A Turquia é um ator central para a dinâmica geopolítica do Oriente Médio. Mas sua importância é proporcional aos interesses contraditórios que permeiam sua inserção regional.

Por Diego Pautasso *

Por um lado, este país tem sido um histórico aliado ocidental, membro decisivo da Otan desde o período da Guerra Fria, com papel chave no controle do Estreito de Bósforo e do acesso soviético/russo ao Mar Mediterrâneo. Com a Guerra Civil na Síria, desencadeada a partir da Primavera Árabe (2011), o governo turco fez parte do apoio à insurgente oposição ao governo de Bashar al-Assad, convergindo com a atuação das monarquias do Golfo Pérsico lideradas pela Arábia Saudita e Catar em torno do Conselho de Cooperação do Golfo. Mesmo com o advento do Estado Islâmico, o governo turco se beneficiava tanto do contrabando do petróleo que financiava o jihadismo, quanto da luta que travam contra Assad e contra os separatistas curdos. Em outras palavras, a Turquia era elemento importante do eixo Otan-CCG no tabuleiro da crise síria.

Por outro lado, a derrubada de um caça russo em novembro de 2015 na fronteira da Turquia com a Síria começou a alterar o quadro político. Ao invés de uma imediata retaliação russo, Putin foi resiliente e não ‘mordeu a isca’. O objetivo era provocar o recrudescimento das animosidades bilaterais e ampliar o cerco e a contenção da Rússia, conformando um arco Ucrânia-Turquia-Geórgia. A tentativa de golpe contra Erdogan em julho de 2016 com provável anuência estadunidense intensificou a aproximação bilateral, pois tudo indica que a inteligência russa informou as autoridades turcas das movimentações golpistas, além de prestar solidariedade após o fracasso dos militares. Na mesma direção, é nítido, como destacou Putin, que o assassinato do embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov (19/12), é tentativa de implodir o processo de paz na Síria e sabotar a normalização das relações entre Moscou e Ancara.

Esse movimento de atração da Turquia fortalece o eixo Rússia-Irã no conflito sírio. Ressalte-se que desde que a Rússia decidiu fornecer apoio político e militar à Síria em setembro de 2015, a ingerência ocidental foi neutralizada evitando que o país tivesse o mesmo destino da Líbia. Mais do que isso: garantiu a manutenção de Assad, a integridade política e territorial síria, o combate ao Estado Islâmico e a diminuição da crise humanitária. O giro da política externa turca leva em conta não só os destinos da guerra síria, mas o apoio em seus conflitos territoriais e seu potencial como entroncamento de oleogasodutos na região (pois sem a Síria o projeto do Catar se inviabiliza, diferentemente dos projetos russo-iranianos).

Embora permeado por incertezas, os destinos da aproximação Rússia-Turquia e a recente tomada de Alepo em dezembro de 2016 por Assad e seus aliados sinalizam não só um cenário um pouco mais promissor para a crise síria quanto uma potencial alteração nos alinhamentos e na correlação de forças da região. A ver…

* Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política, professor de Relações Internacionais da UNISINOS, autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria, editora Juruá, 2011. E-mail: dgpautasso@gmail.com

 

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