Colonialismo
Conselho Mundial da Paz submete apelo à ONU pela proteção das crianças saarauís sob ocupação marroquina
O Conselho Mundial da Paz submeteu uma comunicação escrita elaborada por um grupo de organizações saarauís para a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a realizar-se entre 11 e 29 de setembro. No texto, o foco das denúncias é a situação das crianças saarauís, desprotegidas e vítimas de diversos tipos de abuso e violações dos seus direitos, sob a ocupação militar marroquina. O apelo é por responsabilidade das Nações Unidas na proteção dos direitos humanos dos saarauís. Leia o documento a seguir.
Comunicação escrita submetida pelo Conselho Mundial da Paz para a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (11 a 29 de setembro de 2017), a pedido de um grupo de organizações saarauís
Reino do Marrocos: Violações dos Direitos das Crianças no Território Não Autônomo do Saara Ocidental
Introdução (1)
O Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, intitulado “Compilação sobre o Marrocos” (2), cita várias recomendações gerais feitas pelos Procedimentos Especiais (3) e pelos Órgãos dos Tratados (4) sobre os Direitos das Crianças, mas segue em silêncio sobre a situação das crianças no Território Não Autônomo do Saara Ocidental. (5)
Enquanto o Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias visitou a prisão em Laayoune e a estação da Gendarmerie no porto de Laayoune em dezembro de 2013 (6), encontrando 368 prisioneiros na prisão, inclusive 36 menores de idade, o Comitê sobre os Direitos da Criança, em suas Observações Conclusivas (7), de 2014, lamenta a falta de informações no relatório do Reino do Marrocos sobre as medidas tomadas para implementar suas recomendações anteriores (CRC/C/15/Add.211, par. 57), a respeito da situação das crianças que vivem no Saara Ocidental.
A proposta de relatório do Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal relativo ao Reino do Marrocos (8) lista várias recomendações gerais sobre a política de proteção da criança, igualdade para as crianças e tratamento legal igualitário, sem qualquer discriminação, e a intensificação dos esforços para combater a violência contra a criança, mas nenhuma refere-se
às violações específicas contra as crianças saarauís no Território Não Autônomo do Saara Ocidental.
Violações dos direitos das crianças
Entre fevereiro e outubro de 2014, membros do Adala UK no Saara Ocidental entrevistaram mais de 300 famílias saarauís e crianças de idade entre 4 e 17 anos, vivendo na parte ocupada do Território Não Autônomo do Saara Ocidental.
A. Detenções arbitrárias, sequestros, maus-tratos, tortura, confissões forçadas
Menores saarauís são repetidamente vítimas de tortura, espancamentos fatais e maus-tratos sistemáticos e institucionalizados pelas forças de segurança marroquinas. Razões para estes tratamentos incluem: ser filhos de ativistas pelos direitos humanos; participar ou estar próximo a áreas de protestos pacíficos em apoio à autodeterminação do Saara Ocidental; alegadamente, acusados de lançar pedras.
A perseguição a crianças saarauís inclui seu sequestro e detenção [conduzidos] em suas casas durante a noite, por policiais marroquinos com armas pesadas, que algemam as crianças e extraem confissões forçadas, sem um advogado ou membro da família presente. As crianças são normalmente mal tratadas enquanto em trânsito e chegam à delegacia de polícia
traumatizadas e sozinhas. Crianças são ameaçadas física e psicologicamente, inclusive com ameaças de abusos sexuais e estupro.
Crianças são frequentemente forçadas a assinar confissões que não são permitidas ler ou que não entendem porque são escritas no dialeto berber marroquino ou outra língua que não compreendem.
B. Sequestros e detenções entre a meia-noite e as 05h00
Várias crianças explicam que foram detidas na casa da família entre a meia-noite e as 05h00. Deter crianças à noite tem como objetivo provocar sentimentos fortes de insegurança e viola “os interesses das crianças”, (9) como sublinhado pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças.
C. Algemas; vendas
Em muitos casos, as crianças são algemadas, frequentemente de forma dolorosa, e vendadas. Crianças explicaram que as algemas prendem sua corrente sanguínea e suas mãos ficam inchadas. A humilhação e a insegurança sentida por essas crianças perduram muito depois do evento. Elas reclamam de distúrbios do sono, experimentam ansiedade e consideram difícil sentirem-se seguras.
D. Violência física
Em todos os casos, as crianças experimentaram alguma forma de violência física durante sua detenção, em trânsito ou durante seu interrogatório. Isso inclui socos, tapas e chutes, agressão com cassetetes, barras de metal e pedras. Muitas crianças explicam que foram sujeitas à violência depois de terem sido presas e, algumas vezes, enquanto estavam algemadas.
E. Ameaças e abuso verbal
Quase todas as crianças testemunharam que eram habitualmente ameaçadas e abusadas verbalmente durante os interrogatórios.
A ameaça mais comum feita pelas autoridades marroquinas contra as crianças saarauís é a do estupro. Elas geralmente acreditam nessas ameaças porque é de conhecimento comum que adultos sob custódia policial são frequentemente abusados sexualmente e estuprados, e que crianças na escola são abusadas sexualmente por oficiais de segurança.
As autoridades também ameaçam as famílias das crianças, dizendo que se elas não se comportarem e assinarem todas as confissões, suas famílias serão agredidas. Isso também é facilmente acreditado uma vez que todas as crianças testemunharam casas sendo queimadas pelas autoridades marroquinas e adultos saarauís sendo espancados na rua, em plena luz do dia.
F. Discriminação, Repressão e maus tratos nas escolas e nas ruas
Embora as crianças saarauís e marroquinas estejam nas mesmas salas de aula nas escolas, as crianças saarauís são discriminadas. Professores não respondem às suas perguntas e não falam com elas diretamente, a não ser para insultar ou intimidá-las. Elas são estritamente proibidas de falar hassania e são forçadas a cantar o hino nacional marroquino e saudar a bandeira marroquina.
As crianças saarauís são forçadas a citar de memória o juramento à Marcha Verde, que inclui referências à inclusão do território do Saara Ocidental ao Marrocos.
Professores frequentemente infligem punições físicas às crianças saarauís usando paus de madeira e bastões de metal. Insultos como “saarauí imundo” dos professores e outros funcionários são frequentes. Professores principais também intimidam as crianças saarauís e ameaçam expulsá-las.
Há muita violência no pátio da escola sem que os funcionários intervenham. Policiais à paisana também estão presentes no pátio todos os dias. Eles molestam sexualmente crianças saarauís e ameaçam estuprá-las.
À volta da escola, há sempre carros das autoridades marroquinas, que batem nas crianças saarauís a qualquer momento, sem razão, além de fotografá-las e filmá-las.
G. Identidade cultural
Crianças saarauís são tolhidas de sua identidade cultural. Sua nacionalidade é tomada e recebem nacionalidade e documentos de identidade marroquinos. Recebem nomes próprios das autoridades marroquinas que vão contra os costumes saarauís e a ordem pela qual a árvore genealógica é geralmente representada.
Elas são proibidas de vestir suas roupas tradicionais na escola. A música saarauí também é transformada: marroquinos usam as letras e os acordes de músicas saarauís e alteram-nos para o ritmo da música marroquina. Ela é apresentada como música saarauí, mas não é [saarauí].
O uso do hassania nas escolas é estritamente proibido e as crianças são agredidas e ridicularizadas por usá-lo, apesar de a preservação da língua estar prevista na Constituição Marroquina (Artigo 5).
H. Registrar queixas
Registrar queixas em instituições oficiais é perigoso para famílias saarauís. Queixas aceitas não recebem respostas. Registrar queixas nas escolas pode levar à expulsão. Famílias arriscam perder o emprego e sofrer assédio e ameaças.
Conclusões
As crianças saarauís estão expostas a comportamento violento, repressão, maus tratos, ameaças, abuso psicológico e físico, e vivem sob temor constante.
Registrar queixas oficiais é difícil e perigoso, levando à falta de queixas documentadas.
Crianças são condenadas a até quatro anos de prisão por lançar pedras. Cortes baseiam-se nos testemunhos de policiais e confissões obtidas sob coação.
As queixas das crianças apresentadas aqui são apenas a ponta do icebergue; muitas não são incluídas devido ao temor de represália.
Todas as práticas destacadas violam leis internacionais que protegem crianças de maus tratos quando elas estão em contato com as forças de polícia e militares e instituições judiciais.
Recomendações
O Conselho de Direitos Humanos deveria completar o Relatório do Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal relativo ao Reino do Marrocos com as seguintes recomendações:
- Insta o Reino do Marrocos a concordar com o estabelecimento de um mecanismo permanente de monitoramento dos Direitos Humanos no Saara Ocidental sob os auspícios da ONU;
- Urge o Reino do Marrocos a implementar todas as provisões da Convenção sobre os Direitos das Crianças no Saara Ocidental e a prover ao Comitê sobre o Direito da Criança a informação que solicitou em 2014;
- Urge o Reino do Marrocos a encerrar todas as práticas de discriminação contra as crianças saarauís nas salas de aula;
- Urge o Reino do Marrocos a investigar as queixas de prisão e detenção arbitrária de menores saarauís sem a presença de um membro da família ou advogado, assim como as queixas de intimidação de menores saarauís pelos policiais marroquinos e agentes de segurança e as queixas de confissão forçada dos menores saarauís no Território Não
Autônomo do Saara Ocidental.
Notas
1 – Esta contribuição escrita foi beneficiada pela assistência de Adala UK
2 – A/HRC/WG.6/27MAR/2
3 – Mandatos para apresentar informes e para assessoria em temas ou países específicos. Procedimentos Especiais
do Conselho de Direitos Humanos: https://goo.gl/DSSSt3 [N.T.]
4 – Órgãos de monitoramento da implementação dos tratados sobre direitos humanos: https://goo.gl/fti5J7 [N.T.]
5 – Assim classificado pela ONU, na lista: http://www.un.org/es/decolonization/nonselfgovterritories.shtml [N.T.]
6 – A//HRC/27/48/Add.5
7 – CRC/C/MAR/CO/3-4
8 – A/HRC/WG.6/27/L.4
9 – Na Convenção sobre os Direitos das Crianças (1990), o artigo 3, p. 1., diz: “Em todas as ações a respeito das crianças, sejam tomadas por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais de direito, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, os interesses das crianças devem ser uma consideração prioritária.” [N.T.]
Tradução: Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). Fonte: Cebrapaz