Opinião
Conflito na Ucrânia entra em seu terceiro ano. Rússia derrota planos dos EUA e da Otan
O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho opina que as vitórias russas na Ucrânia favorecem a luta anti-imperialista e por um mundo multipolar
Por José Reinaldo Carvalho (*) – A Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia entra neste 24 de fevereiro em seu terceiro ano. O conflito, também chamado de guerra da Ucrânia, é retratado pelas potências imperialistas ocidentais como agressão e invasão russa a um país soberano. No Kremlin é visto como uma luta para libertar as populações da região do Donbass do jugo de Kíev, que as estava massacrando, e uma ação necessária para garantir a segurança da Rússia, que percebeu o quanto a Ucrânia era utilizada pelas potências ocidentais como plataforma para violar sua integridade territorial.
Como todo conflito militar, este também deixa um rastro devastador de mortos, feridos e prejuízos materiais. As cidades e regiões afetadas enfrentam destruição de sua infraestrutura. Milhares de casas e edifícios residenciais, estradas, pontes, hospitais, escolas e outras instalações básicas são danificadas ou destruídas, levando muitas pessoas a ficar desabrigadas ou vivendo em condições precárias, o que é revelador de um pesado custo humanitário. Diante disso, as forças amantes da paz no mundo clamam pela solução política e o fim do conflito, que por suas implicações geopolíticas pode afetar também a paz mundial.
O conflito tem suas raízes em uma série de acontecimentos políticos e históricos complexos, envolvendo questões de soberania, identidade nacional e contradições geopolíticas.
A Ucrânia, outrora chamada “Pequena Rússia”, sempre foi um ponto sensível para o antigo império czarista, a União Soviética em diferentes períodos da construção do socialismo, e, desde 1991, para a atual Federação Russa. Quando a Revolução Russa foi vitoriosa, em 1917, e cinco anos depois se formou a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a questão nacional herdada do velho império czarista foi judiciosamente resolvida com a genialidade de Lênin e Stálin. As nacionalidades conquistaram sua autonomia e simultaneamente se juntaram na grande União, somente extinta com a desagregação da União Soviética.
A independência ucraniana, ocorrida naquele contexto, longe de representar uma “libertação nacional”, foi o resultado de uma contrarrevolução que abalou todas as relações geopolíticas na região e no mundo durante a última década do século 20.
Sob o pretexto de promover um novo equilíbrio nas relações internacionais, o país tem sido usado pelas potências imperialistas ocidentais como um aríete contra a Federação Russa. A aspiração por autonomia e independência se revela falsa diante da evidência de que o regime de Kíev se subordina aos interesses do binômio EUA-Otan e se integra na estratégia de combate a Moscou.
A primeira expressão disso foi o movimento contrarrevolucionário que se celebrizou como Euromaidan. A vitória desse movimento, que implicou a derrubada do presidente Víktor Ianukóvytch, em fevereiro de 2014, instalou um regime pró-Ocidente e antagônico à Rússia. Na sequência, desencadeou-se a guerra interna contra as populações do Donbass. A expansão contínua da Otan para o leste da Europa, durante os anos 1990 e as duas primeiras décadas do século 21, era objetivamente uma ameaça existencial direta à soberania e à segurança da Rússia. A possibilidade de a Ucrânia se tornar um membro efetivo da Otan, que persiste apesar de tudo, é especialmente ameaçadora para Moscou. E, para culminar, sob incitação das potências imperialistas ocidentais, a Ucrânia abandonou os acordos de Minsk, assinados em 2014 e 2015, que visavam a acabar com o conflito em Donbass. Esses acordos já tinham sido violados sistematicamente pelo regime de Kíev.
O conflito na Ucrânia também se enquadra no cenário mais amplo das contradições geopolíticas. Para as potências ocidentais, especialmente os EUA, a Ucrânia representa uma oportunidade de conter a influência russa na região e impedir seu fortalecimento como potência e polo relevante no mundo multipolar. A contenção da Rússia sempre foi um objetivo do imperialismo estadunidense, mesmo com a extinção da União Soviética.
A Ucrânia em si e seu presidente fantoche não têm qualquer importância especial, a não ser instrumental, como um intermediário para confrontar a Rússia e proteger os interesses geopolíticos do imperialismo na região oriental da Europa. Foi isto que justificou a entrada em peso dos EUA e seus parceiros no conflito, com a panóplia de ações políticas, econômicas e militares opostas à Rússia. O apoio militar e econômico à Ucrânia foi uma maneira de enfrentar a Rússia e uma aposta para vergar o gigante eurasiático.
Durante estes dois anos de conflito, as forças russas e os combatentes das Repúblicas de Donetsk e Lugansk obtiveram enormes vitórias. Toda a região do Donbass foi conquistada. Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia tornaram-se de fato e de direito em regiões pertencentes à Rússia. A despeito das campanhas, pressões, ameaças e sabotagens, a Crimeia mantém-se há uma década sob a soberania estatal da Federação Russa.
Depois da fracassada “contraofensiva” ucraniana de junho de 2023, a Rússia venceu sucessivas batalhas e consolidou suas posições, encontrando-se agora em ofensiva contra um exército em frangalhos. A ajuda militar dos EUA e da União Europeia ao regime de Kíev já não é capaz de reverter a situação. Por mais que seja desafiadora e complexa a busca de uma solução política e diplomática para o conflito, é imperioso que se negocie e que a Ucrânia aceite de maneira pragmática as condições para o fim do conflito.
As potências ocidentais tudo fizeram para isolar e derrotar a Rússia. Forneceram ajuda militar maciça à Ucrânia, que incluiu o financiamento de bilhões de dólares, a entrega de armas e equipamentos militares, munições, treinamento de tropas, emprego de mercenários, apoio técnico e logístico. Impuseram sanções econômicas à Rússia que incluíram restrições comerciais, congelamento de ativos de figuras políticas e empresariais e restrições de viagens, tentaram boicotar a Rússia por todas as formas, inclusive difundindo e praticando a russofobia até mesmo nas atividades culturais e desportivas.
As sanções econômicas à Rússia não tiveram o efeito de dobrar o país. A economia russa, embora tenha sido afetada, conseguiu se adaptar e mitigar os impactos das sanções. Os imperialistas empenharam-se numa cruzada política para derrotar a Rússia em fóruns internacionais, mas as parcerias da Rússia com países do Sul Global e do Brics somente se reforçaram. Tudo isso mostra que não estamos em presença de uma guerra russo-ucraniana. Trata-se de uma guerra dos países imperialistas liderados pelos Estados Unidos, contra a Rússia. Mas para eles tudo foi em vão. A superioridade militar russa, a unidade nacional, o prestígio do país, sua força moral e política se impuseram.
A esta altura, a continuidade da guerra por procuração das potências ocidentais leva esses países a uma fragorosa derrota. É crescente a insatisfação com o gasto de recursos para uma guerra que não é das populações dos países europeus ocidentais.
A tentativa de derrotar a Rússia, retomar os territórios já conquistados durante estes dois anos de Operação Militar Especial, a insistência na estratégia de derrotar a Rússia e, na perspectiva de alguns setores mais extremados, abrir uma ofensiva, atuar para derrubar o governo de Moscou, fomentar subversão interna, e tentar fragmentar a Federação Russa, poderia levar o mundo a uma catástrofe.
Tornou-se evidente que está em disputa a reconfiguração da “ordem mundial”, do “sistema internacional”, processo que se acelera e vai ganhando contornos mais nítidos. À medida que a ordem mundial se altera, que a multipolaridade se tornou irreversível, a hegemonia do Ocidente, liderado pelo imperialismo estadunidense, se enfraquece. Tudo isso significa que independentemente de formulações políticas e convicções ideológicas, a vitória russa no conflito da Ucrânia é uma vitória dos povos e nações que se empenham por sua independência e objetivamente fazem parte da corrente mundial anti-imperialista.
(*) José Reinaldo Carvalho é membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz