Conferência no Parlamento Europeu discute alternativas por uma política solidária e de paz; leia a fala de Socorro Gomes
O Grupo Parlamentar Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica, do Parlamento Europeu, realizou, nos dias 10 e 11 de dezembro, a conferência Política de Vizinhança da União Europeia: Conjuntura, visões alternativas e abordagens para uma política justa, pacífica e solidária na vizinhança do Sul e do Leste, na sede do Parlamento, em Bruxelas.
Diversos representantes de entidades do Oriente Médio, do norte da África e do Leste Europeu foram convidados, e a presidenta do Conselho Mundial da Paz (CMP), Socorro Gomes, participou da mesa sobre as abordagens dos movimentos de esquerda, de mulheres e da paz. Leia a seguir a fala de Socorro:
Estimados companheiros e companheiras, senhoras e senhores membros do Parlamento Europeu:
Antes de mais, agradeço ao Grupo Parlamentar Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica Verde pelo convite para participar desta importantíssima conferência.
Sem dúvida, enfrentamos encruzilhadas cada vez mais desafiadoras e este ano de 2015 nos traz importantes momentos de reflexão.
O momento é mais que pertinente para a avaliação contínua do nosso papel na promoção de alternativas aos graves impasses que o mundo está vivendo e na exigência por transformações urgentes da realidade socioeconômica e política.
O Conselho Mundial da Paz, que tem como objetivo central a conquista da paz mundial, luta de maneira determinada contra o imperialismo, a guerra e a opressão dos povos. Para alcançar seus objetivos, busca realizar ações convergentes, promover a unidade e intensificar a atividade junto aos povos, lado a lado com todas as pessoas amantes da paz e da liberdade e outros movimentos que lutam pela paz e pela emancipação dos povos e nações.
Desenvolvemos campanhas para fazer avançar a realização daquelas que consideramos nossas tarefas prioritárias: a abolição das armas nucleares; a dissolução da OTAN; a eliminação das bases militares estrangeiras; o enfrentamento decisivo ao colonialismo; a oposição aos planos, ações belicistas e intervencionistas dos Estados Unidos e da União Europeia e seus aliados. É indeclinável e incondicional a nossa solidariedade com todos os povos e nações agredidos por essas potências, que põem em risco a segurança internacional para satisfazer seus apetites de dominação mundial e para saquear as riquezas dos povos.
Há poucos dias, o Conselho Mundial da Paz reuniu-se em Guantánamo, Cuba, território em parte ocupado pela base militar ilegal dos Estados Unidos, instalada ali ainda em 1903, contra a vontade do povo cubano. Esta política reflete um quadro mais abrangente de acosso e ameaça através da militarização do planeta, e a América Latina ainda enfrenta este flagelo. Na região Latino-americana e Caribenha há 76 bases militares, sobretudo dos Estados Unidos, mas também da França, do Reino Unido e da OTAN. Além disso, a própria base naval estadunidense em Guantánamo abriga, desde 2001, um horrendo centro de torturas e detenção ilegal. Ainda no início deste ano de 2015, havia 122 seres humanos ali detidos, muitos há mais de 10 anos, sem julgamento, sujeitos a tratamentos cruéis, verdadeiramente bárbaros.
Por isso, o Seminário Internacional pela Paz e pela Abolição das Bases Militares Estrangeiras reuniu mais de 200 delegados que reconhecem a prioridade desta denúncia para a nossa luta comum. Eram representantes de diversos movimentos sociais, entidades, intelectuais, líderes políticos, etc., trabalhando pela consolidação de um sistema de relações internacionais de paz, justiça, soberania e cooperação.
Neste sentido, foi consequente a ênfase no empenho e na exigência de dissolução da OTAN. Os movimentos pela paz a identificam como a máquina de guerra do imperialismo, que também sobrevive numa lógica anacrônica de ameaça e de militarização do planeta. A evolução constante dos seus conceitos estratégicos para incluir cada vez mais prerrogativas e expandir cada vez mais a sua área de atuação faz desta aliança belicosa uma ameaça para todo o mundo, para todos os povos, inclusive por contar, declaradamente, com o arsenal nuclear de seus membros como fator estratégico. Além disso, seus exercícios militares ofensivos e provocadores, como aqueles realizados recentemente em Portugal, Itália e Espanha, evidenciam a intensificação desta lógica de preparação para a guerra. As iniciativas do Conselho Português para a Paz e Cooperação, do Intal e do Conselho da Paz dos EUA, que realizam mobilizações sociais para consolidar o entendimento da população sobre esta máquina de guerra, são de grande significado e devem ser multiplicadas.
Consideramos que essas ações junto à população são essenciais para expandirmos e fortalecermos esta que é uma das nossas lutas prioritárias. Entre outros motivos, para além da ameaça brutal contra os povos de todos o mundo, ressaltamos também o desvio dos recursos dos próprios cidadãos de Estados membros da OTAN para a promoção da guerra, com o corte de verbas em setores essenciais. Somos solidários, por isso mesmo, com as lutas dos trabalhadores e dos povos desses países, que saem às ruas e realizam greves e manifestações para lutar por seus direitos fundamentais.
A decisão de 2006 da OTAN pela destinação de 2% do PIB de cada Estado membro para o setor militar já havia sido ultrajante; não bastasse isso, a insistência neste compromisso durante a crise internacional do capitalismo é também repugnante, enquanto milhões de trabalhadores são lançados ao desemprego, à insegurança social e até mesmo à pobreza. Apenas em 2014, de acordo com a própria OTAN, seus membros europeus gastaram US$ 250 bilhões no setor militar, mais de 3% dos PIBs somados, destinando ainda mais de 1% da sua força de trabalho ao mesmo setor.
Os gastos militares mundiais, de acordo com o Instituto Internacional de Estocolmo de Pesquisas para a Paz (Sipri), ultrapassaram US$ 1 trilhão também em 2014. Deste valor, o que se sobressaiu foi o dos Estados Unidos, a superpotência que ameaça os povos de todos os cantos do planeta e lidera a OTAN, com 34% dos gastos mundiais, quase três vezes o gasto da segunda maior despesa militar, a da China, 12%. Esta tendência é um retrocesso para toda a humanidade!
Companheiros e companheiras, senhoras e senhores,
Esta lógica da militarização do planeta ainda se atém às considerações retrógradas de enfrentamento próprias da Guerra Fria. Não só significa a provocação, por exemplo, à Rússia, em sua própria vizinhança; à China, com a ingerência nos assuntos regionais e expansão de sua força militar para a Ásia; e à América Latina, com o confronto constante à determinação dos movimentos sociais e lideranças políticas pela consolidação de uma Zona de Paz, conforme proclamada pela CELAC. Significa também a persistência da violência disseminada, da desestabilização e da subjugação de povos inteiros, sujeitos à guerra permanente, principalmente no Oriente Médio e na África.
Acompanhamos, consternados, a situação do povo sírio, que entra no quinto ano de guerra entre a destruição incalculável e a perda de mais de 240 mil vidas, além da sujeição de milhões de pessoas à condição de deslocadas ou de refugiadas, enfrentando travessias clandestinas, frequentemente fatais, na tentativa de escapar à morte. O drama humano a que assistimos nessas travessias sujeita sírios, iraquianos, malineses, iemenitas, líbios, palestinos, somalis, entre outros, à sorte dos mares ou das caminhadas extensas para alcançar a Europa, onde têm sido recebidos por discussões tecnocráticas e crescentemente xenófobas. A responsabilidade pela condição dessas pessoas é de todos, e precisamos seguir lembrando este fato aos líderes das potências.
Permitam-me ecoar aqui, estimados companheiros e companheiras, senhoras e senhores, o apelo feito pela liderança palestina, pela criação em caráter emergencial de “um regime de proteção internacional do povo palestino”. Desde o passado mês de outubro, recrudesceu a violência israelense contra o povo martirizado da Palestina, com assassinatos extrajudiciais cometidos pelas forças de segurança israelenses, a expansão das colônias e a persistência de todo tipo de violações dos direitos humanos perpetrados pela ocupação sionista, que, efetivamente é o reflexo no cotidiano de uma deliberada política de extermínio. Os palestinos são expulsos de suas casas, impedidos de construir sua nação e quando protestam são duramente reprimidos, no mais das vezes presos e mortos. O crime e a barbárie perpetrados na Palestina são os meios pelos quais se aprofundar a ocupação, expandem-se as colônias, tornando letra morta as resoluções da ONU.
Da mesma forma, ecoo também a denúncia do povo saaraui, ainda sujeito à ocupação marroquina apesar das resoluções da ONU que reconhecem seu direito à autodeterminação. Os saarauis apelam por maior atenção do mundo com essa pendência vergonhosa do processo de descolonização, e também apontam às práticas que legitimam a ocupação marroquina enquanto roubam os seus recursos. É o caso do acordo comercial entre o Reino do Marrocos e a União Europeia no setor da pesca, por exemplo, quando cerca de 70% dos recursos pesqueiros vendidos como marroquinos são de fato retirados das águas saarauis.
Nesta ocasião e neste ambiente democrático, reafirmamos a posição histórica do Conselho Mundial da Paz em solidariedade com o povo palestino e com o povo saaraui.
Defendemos a criação do Estado livre e independente da Palestina, com as fronteiras de 1967, capital em Jerusalém Leste e a repatriação dos refugiados. Defendemos ainda a libertação de todos os pesos políticos. Exigimos a retirada de todos as colônias israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados e a queda do Muro de Separação. Exigimos que sejam cumpridas as resoluções da ONU e conclamamos ao reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno da ONU e que os governos dos países membros das Nações Unidas reconheçam urgentemente o Estado da Palestina.
Faz parte desta luta e da solidariedade ao povo palestino o apoio à campanha internacional pelo boicote, o desinvestimento e as sanções a Israel. Saudamos as forças pacifistas e solidárias que na Europa pressionaram a União Europeia e foram vitoriosas na resolução de rotular os produtos provenientes das colônias ilegais, enfrentando a hipócrita e cínica reação da liderança sionista que se coloca como perseguida, mas o mundo precisa fazer muito mais.
No mesmo sentido, devemos discutir as reações militaristas e os pretextos invocados pelas lideranças imperialistas em sua “guerra contra o terror”. Já há muito os povos veem-se confrontados com o recrudescimento das “políticas de segurança” e a expansão das intervenções militares que apenas perpetuam um ciclo de ameaça, ingerência, agressão e guerra. Ao mesmo tempo em que nos solidarizamos e expressamos nosso profundo pesar e condenação pelas mortes de tantos inocentes em Beirute, em Paris, em Boston, na Líbia, na Nigéria, no Iraque e na Síria, vítimas deste método brutal que é o terrorismo, o Conselho Mundial da Paz fortalece sua denúncia contra a atuação imperialista que enseja radicalizações como esta.
Os povos devem unir-se e fortalecer a sua luta contra a guerra e a opressão, enfrentando também o fascismo ressurgente, em pleno século 21, também instrumentalizado pelas potências imperiais. Sobretudo na Europa e na América Latina, somos confrontados com a emersão de grupos de extrema-direita que se empenham no combate violento às nossas conquistas progressistas, ameaçando a democracia, a justiça e a paz. Desde a Ucrânia até a Venezuela, a atuação desses grupos tem imposto desafios que pensávamos superados. Os movimentos sociais e as forças progressistas são diretamente alvos dessa violência política.
Nosso compromisso e a solidariedade empenhada aos povos em resistência tem um histórico inspirador, desde a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, que recobramos para avaliar os momentos que atravessamos atualmente, até a reafirmação da luta pela descolonização do planeta. Ressaltamos Porto Rico, o Saara Ocidental, a Palestina, as Ilhas Malvinas, entre outros, como pendências inaceitáveis na agenda da humanidade para que se cumpra a autodeterminação dos povos, por sua libertação.
O Conselho Mundial da Paz completa 65 anos de luta contra a guerra, o imperialismo e a opressão. Neste contexto, reafirmamos nossas bandeiras de luta e ampliamos nossas campanhas no compromisso inabalável com a defesa da paz e da justiça, aliados a diversos movimentos sociais e outras entidades comprometidas com os princípios mais caros à humanidade.
Estamos certos de que o nosso empenho conjunto fará avançar a causa dos povos e derrotará os fautores da guerra. Seguimos determinados e comprometidos com a atuação e o trabalho decisivos neste sentido, na defesa da humanidade!
Muito obrigada,
Socorro Gomes
11 de dezembro de 2015
Fonte: Cebrapaz