Política externa
Com Serra no Itamaraty, Brasil se torna um ‘anão diplomático’, diz Igor Fuser
O Brasil está patrocinando, no campo da política externa, um retrocesso de extrema gravidade. Para Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), todo o avanço dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff na área, principalmente com o ex-ministro Celso Amorim no Itamaraty, com a chamada diplomacia ativa e altiva, “está sendo jogado no lixo com a gestão de José Serra”.
A nomeação do novo embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, referendada pelo Senado na terça-feira (16), segundo ele, “tem como única tarefa convencer as autoridades norte-americanas, políticos, opinião pública e mídia de que supostamente não houve um golpe no Brasil”.
A gestão de Serra no Ministério das Relações Exteriores, nos 100 dias de governo interino de Michel Temer, trabalha para “sabotar” tudo o que foi feito na integração latino-americana, em relação ao Mercosul, aos Brics, à soberania nacional, diz Fuser. “Eles vão se jogar de braços abertos em qualquer proposta de abertura das restrições ao capital estrangeiro, em qualquer proposta de globalização neoliberal e investimentos especulativos. É um governo que contraria não só princípios da diplomacia brasileira, mas da própria Constituição Federal, que estabelece como princípio fundador do Estado a busca da integração regional.”
Esse estado de coisas e essa guinada numa política que era considerada avançada nos meios diplomáticos mundiais tem um lado irônico, observa o professor. “Há menos de dois anos, o Brasil foi alvo de uma grosseria de Israel, que chamou o Brasil de ‘anão diplomático’. Naquele momento (julho de 2014) o Brasil estava muito longe de ser um ‘anão diplomático’. Nunca tinha sido tão gigante. No entanto, essa grosseria se revelou profética, porque o Brasil hoje se transformou num anão diplomático”, diz Fuser.
Na época, o Itamaraty convocou o embaixador em Tel Aviv, Henrique da Silveira Sardinha Pinto, para consultas, por considerar “inaceitável a escalada de violência” e condenar “energicamente o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza”.
Para analistas, os objetivos de José Serra no âmbito do Mercosul são esvaziar o próprio bloco sul-americano e ao mesmo tempo desestabilizar a Venezuela de Nicolás Maduro, interesse direto dos Estados Unidos. “Só podemos pensar que, em vez de contribuir para a estabilidade, a atual política contribui justamente para a instabilidade da região”, disse a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Analúcia Danilevicz Pereira à RBA, no início do mês.
Segundo ela, “a ideia é retomar as posições dos países mais alinhados aos Estados Unidos, ideia dos anos 1990, ultraliberal, ideia de um bloco dos pobres que vão receber a ajuda dos ricos. Essa visão é extremamente atrasada e míope em relação às mudanças internacionais dos últimos anos”.
Um fato simbólico da nova política exterior brasileira se revelou um misto de arrogância e presepada. Esta semana, o chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, denunciou que Serra tentou “comprar o voto do Uruguai” ao trabalhar pelo boicote da transferência rotativa do Mercosul à Venezuela, em troca de favorecer o país platino em negociações comerciais.
“Não gostamos muito do chanceler (José) Serra ter vindo ao Uruguai, para nos dizer que vinham com a pretensão de suspender a transferência (da presidência do Mercosul à Venezuela) e, se suspensa, levar-nos em suas negociações com outros países, como querendo comprar o voto do Uruguai”, declarou Nin Novoa.
Para Igor Fuser, o desenlace do que está acontecendo depende dos desdobramentos políticos nos próximos meses, se se consolidar o impeachment de Dilma Rousseff. A questão é como a burguesia vai encarar esse retrocesso, essa guinada radical à direita, acredita. “No seu afã de ajudar a direita venezuelana a depor Maduro, Serra adota atitudes que vão além do alinhamento político com forças internas da Venezuela: está destruindo o relacionamento comercial entre Brasil e Venezuela, construído ao longo de 15 anos.”
Na opinião de Fuser, ficarão cada vez mais evidentes as perdas de empresários que exportam para a Venezuela, principalmente do Norte e Nordeste do Brasil, pela proximidade geográfica. “Me pergunto quanto tempo os empresários brasileiros que nesses últimos 13 anos obtiveram altos ganhos com as exportações à Venezuela, e agora vão perder, levarão para começar a protestar.”
Fuser diz ainda que, com sua política, Serra ignora fatos básicos que qualquer político deveria saber, principalmente um ministro das relações exteriores. “Ele se esquece que a adesão da Venezuela ao Mercosul foi aprovada pelo Congresso brasileiro, com apoio dos empresários das regiões Norte e Nordeste, assim como pelos congressos argentino e uruguaio. É ridículo”, diz.
Estreitamento de relações
Outro fato simbólico ocorreu há duas semanas. No dia da abertura dos Jogos Olímpicos (5 de agosto), Serra recebeu o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, no Palácio Itamaraty, no centro do Rio de Janeiro. “Foi uma oportunidade muito importante, pois temos muito a conversar e a fazer juntos”, disse Kerry.Segundo ele, “questões políticas” dos últimos anos impediram que Brasil e EUA “potencializassem parceria”.
“A defesa do presidente Temer de uma relação aberta e madura entre o Brasil e os Estados Unidos ajuda na construção de uma parceria renovada entre os dois países”, afirmou Serra.
O encontro entre o brasileiro e um representante do alto escalão do governo dos Estados Unidos foi interpretado como o mais claro sinal de apoio do governo de Barack Obama ao governo interino.
Rede Brasil Atual