Conjuntura internacional
China e Rússia elevam protagonismo no mundo multipolar
Os acontecimentos desenvolvem-se a ritmo veloz. Acompanhá-los e agir com lucidez é um desafio às forças progressistas, escreve o dirigente comunista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho (*)
Fora do campo de batalha na Ucrânia e das movimentações militaristas e diplomáticas das potências da Otan, a semana foi marcada por encontros de alto nível entre os principais estadistas da atualidade, cujo conteúdo fala alto sobre o novo momento multipolar que vive o mundo, marcado pelo irreversível declínio do domínio hegemônico estadunidense e o incontornável protagonismo da dupla China-Rússia, em parceria estratégica que se reforça cada vez mais.
A semana começou com um encontro entre a mais alta autoridade da política externa chinesa, Yang Jiechi, e o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan.
Jiechi é membro do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China, e tem sob seu encargo a formulação e a condução da política externa da força de vanguarda da sociedade chinesa, o centenário partido sobre cujos ombros repousa a responsabilidade de dirigir o impetuoso desenvolvimento da potência socialista asiática e abrir amplos caminhos de relacionamento com o mundo como fator de paz, democratização das relações internacionais e desenvolvimento compartilhado por toda a humanidade. Jiechi é um quadro superior com formação teórica apurada e rica vivência prática.
O resultado do encontro foi positivo, segundo avaliação das duas partes, que “conduziram uma comunicação franca, aprofundada e construtiva sobre as relações bilaterais”, segundo comunicado da imprensa chinesa. Uma pauta densa e variada passou em revista as questões que merecem a atenção comum. Os entendimentos foram presididos pelos consensos alcançados pelos líderes Xi Jinping e Joe Biden durante conversação por videoconferência em novembro do ano passado. Em meio às tensões do cotidiano, o propósito é reduzir os mal-entendidos, evitar erros de cálculo e manejar adequadamente as divergências. Malgrado os antagonismos, é um ganho para o mundo que as duas principais potências atuais mantenham entendimentos frequentes e uma comunicação fluida.
A tarefa é difícil, porquanto a retórica da Casa Branca e do Departamento de Estado, quando seus mais destacados representantes estão em presença dos líderes chineses, é diferente da prática, o que está na base de um conjunto de crises na relação bilateral. Os Estados Unidos se atêm rigorosamente à estratégia proclamada desde o início do mandato de Joe Biden de conter o desenvolvimento chinês e sua ascensão no mundo, o que impele o líder do imperialismo ocidental a abjurar os compromissos assumidos na mesa de conversações e, contrariamente, dar passos significativos naquilo que se convencionou designar como a “Guerra Fria 2.0”. A fixação da estratégia norte-americana vis-à-vis à China permanece mudar o sistema chinês, formar blocos e alianças políticas e militares contra o país socialista asiático, investir contra sua integridade territorial incitando o separatismo em Taiwan, Hong Kong, Tibet e Xinjiang e imiscuir-se nos assuntos internos quanto a temas como direitos humanos, entre outros.
Desde o desencadeamento da Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia, em 24 de fevereiro, os EUA tomam a posição chinesa como pretexto para intensificar sua oposição à República Popular. Reportagem do Guardian publicada na última quarta-feira (15), destaca a declaração de uma alta autoridade do Departamento de Estado dos EUA a esse respeito: “A China afirma ser neutra, mas seu comportamento deixa claro que ainda está investindo em laços estreitos com a Rússia”. E assinala um vaticínio que para outra coisa não serve senão para demonstrar as falsas expectativas de Washington quanto ao desenvolvimento histórico: “As nações que estão do lado de Vladimir Putin inevitavelmente se encontrarão no lado errado da história.”
Mas como a verdade está nos fatos, a força destes é muito mais sólida e obriga não só os Estados Unidos, como toda a comunidade internacional a se habituarem com o que já se convencionou chamar de “novo normal” nas relações geopolíticas, qual seja o fortalecimento em grau cada vez maior dos laços estratégicos China-Rússia. O fenômeno é imparável, malgrado as reações mal-humoradas e as pressões indevidas dos Estados Unidos e seus parceiros da Otan.
É o que se depreende da conversação por telefone entre os presidentes Xi e Putin na última quarta-feira.
Xi Jinping afirmou que a China está disposta a trabalhar em conjunto com a Rússia para continuar se apoiando mutuamente em questões que envolvem interesses centrais e grandes preocupações, como soberania e segurança, estreitar a cooperação estratégica entre os dois países, fortalecer a comunicação e a coordenação em importantes organizações internacionais e regionais, promover a solidariedade e a cooperação entre os mercados emergentes e os países em desenvolvimento, além de impulsionar a evolução do sistema internacional e da governança global em uma direção mais justa e razoável.
A conversa serviu para fortalecer a iniciativa de segurança global proposta pela China e a oposição conjunta a quaisquer forças atentem contra a autodeterminação nacional. Ficou patente que é irreversível a decisão dos dois líderes de fortalecer a coordenação multilateral e fazer esforços construtivos para promover a multipolarização mundial e estabelecer um sistema internacional mais justo e razoável.
A Operação Militar Especial russa na Ucrânia foi um dos temas abordados. O presidente chinês salientou que todas as partes devem promover uma solução adequada da crise no país do leste europeu de forma responsável e se dispôs a continuar desempenhando um papel construtivo nesse sentido.
A conversação entre Xi e Putin dá continuidade aos entendimentos mantidos no início do ano e que resultaram na assinatura de uma histórica Declaração Conjunta que pode ser considerada um marco da emergência do mundo multipolar.
A China e a Rússia, ao fortalecerem a parceria estratégica de alto nível, simultaneamente impulsionam a coordenação multilateral e multiplicam os esforços construtivos para construir um mundo multipolar e estabelecer um sistema internacional mais democrático e justo.
É notável que a conversação entre Xi e Putin ocorra a duas semanas da realização da cúpula da Otan, que se opõe explicitamente ao protagonismo das duas potências euroasiáticas. Não é segredo para ninguém que o novo Conceito de Segurança para a Aliança Atlântica põe a Rússia e a China em sua alça de mira. É sintomático que pela primeira vez a Coreia do Sul e o Japão participarão de tal cúpula. Nesse quadro, a China e a Rússia não têm outra opção estratégica senão resistir conjuntamente à estratégia da Otan.
Os acontecimentos internacionais desenvolvem-se a ritmo veloz. Acompanhá-los e agir sobre eles com lucidez e consequência é um desafio adicional às forças progressistas empenhadas na libertação nacional e social de seus povos.
(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB e secrerário-geral do Cebrapaz