Opinião

Chanceler golpista assume pasta no velho espírito de Juracy Magalhães e da política externa dos pés descalços

18/05/2016

O Senador golpista José Serra assumiu nesta quarta-feira (18) o posto de Ministro Interino das Relações Exteriores. Em seu discurso de posse com 196 linhas, em nenhuma delas se encontra qualquer menção à Celac ou à Unasul. Em contrapartida, fica nítido que a propalada “nova política externa” de Serra terá como foco principal as relações do Brasil com os EUA e a União Europeia.

Por Wevergton Brito Lima*

A própria noção de “nova política externa” é, em si, uma irresponsabilidade, pois esta é uma área tão sensível que qualquer mudança de rumo demanda estudo, reflexão, tempo e, mais que isso, legitimidade, o que obviamente um governo interino e golpista, que conta com o repúdio de boa parte da opinião pública internacional, não terá.

Serra cita como prioritárias as relações com a Argentina, com o México e com os EUA e logo depois fala em “renovar” o Mercosul. A fala em si é relevadora das intenções que busca esconder. Serra e o PSDB nunca foram simpáticos ao Mercosul. Os países que compõem o Bloco (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela) têm construído uma parceria que os fortalece em negociações no âmbito de organismos como a Organização Mundial do Comércio, por exemplo. Ao citar a Argentina isoladamente do Mercosul, Serra revela a verdadeira matriz de sua “política externa”, destinada a enfraquecer a integração latino-americana. Diz Serra: “Vamos ampliar o intercâmbio com parceiros tradicionais, como a Europa, os Estados Unidos e o Japão”.

Não foi por outro motivo que ele começou sua gestão atacando, muito acima de qualquer tom diplomático, os países bolivarianos e caribenhos que fizeram críticas ao processo golpista, chegando mesmo a ameaçar El Salvador, o que indica o retorno triunfante da política de falar grosso com os Estados irmãos latino-americanos e falar fino com os EUA, país diante do qual Serra curvará sempre sua espinha subserviente. É a volta da diplomacia nefasta de Juracy Magalhães (“o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”) e da “política externa dos pés descalços” do ex-chanceler de FHC, Celso Lafer, que na época da invasão do Iraque chegou a sugerir a participação do Brasil na agressão, em solidariedade aos EUA. Por falar nisso, não foram só os termos “Unasul” e “Celac” que não apareceram entre as mais de 2 mil e trezentas palavras do enfadonho discurso do chanceler interino José Serra, “soberania” tampouco foi pronunciada.

A mania feia do Chanceler golpista

Um primeiro requisito básico para um cidadão exercer a função de chanceler é a de ser um patriota, coisa da qual ninguém pode “acusar” o Serra. Mas sua falta de compostura para um cargo de tal magnitude é de tal monta que se revela em toda linha.

Menciono aqui um fato secundário, apenas como exemplo. O chanceler golpista declarou, na cerimônia de posse, que a diplomacia brasileira, “voltará a atender à sociedade e não a um partido”.

Apesar desta declaração, um dos seus primeiros atos à frente do Itamaraty foi conceder na terça-feira (17) passaporte diplomático a dois líderes evangélicos da Assembleia de Deus, Samuel Cássio Ferreira e Keila Campos Costa Ferreira (leia matéria publicada no Portal Vermelho).

Samuel Cássio Ferreira é ligado a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Segundo acusação da Procuradoria Geral da União, Samuel Cássio Ferreira teria lavado em sua igreja parte dos US$ 5 milhões que Cunha teria recebido como propina. “É notória a vinculação de Eduardo Cunha com a referida igreja [em Campinas, SP]. O diretor da referida igreja perante a Receita Federal é Samuel Cassio Ferreira, irmão de Abner Ferreira, pastor da Igreja Assembleia de Deus Madureira, no Rio de Janeiro, que o denunciado [Cunha] frequenta. Foi nela inclusive, que Eduardo Cunha celebrou a eleição para presidência da Câmara dos Deputados”, escreveu o Procurador Geral da União, Rodrigo Janot, em sua denúncia.

A história, então, é assim: Serra declara que o Itamaraty não estará a serviço de partidos, mas um dia antes da declaração concede passaporte diplomático para dois pastores evangélicos ligados ao notório Eduardo Cunha, não por coincidência um dos principais responsáveis pelo golpe que tornou Serra Ministro das Relações Exteriores.

Com o passaporte diplomático, os dois religiosos amigos de Cunha terão direito a tratamento diferenciado em aeroportos e alfândegas, sendo dispensados de revista, além de não enfrentarem filas.

Uma faceta de José Serra que os brasileiros conhecem bem, e que agora terá ocasião de se manifestar internacionalmente, é a sua pouca consideração para com a verdade.

Infelizmente, essa será uma das consequências mais amenas da gestão, que esperamos curta, do chanceler da Chevron.

* Jornalista, membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB

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