Opinião
Breno Altman: Complô antidemocrático
Por Breno Altman (*)
Evo Morales tomou posse na Bolívia em 2006. Desde então, o país cresceu, em média, 5% ao ano. O percentual da população abaixo da linha de pobreza caiu de 63% para 35%, segundo o Banco Mundial. O motor dessas mudanças foi a nacionalização das riquezas minerais, ampliando os recursos disponíveis para políticas distributivas.
Graças a essas conquistas, o líder do Movimento ao Socialismo (MAS) obteve 47,5% dos votos nas eleições presidenciais do último dia 20 de outubro, mais de dez pontos a frente de seu principal concorrente, Carlos Mesa, da coalizão Comunidade Cidadã, de centro-direita. Pelas regras eleitorais, esse resultado seria suficiente para consagrar a reeleição do mandatário.
Trapalhadas do Tribunal Eleitoral foram o pretexto para que a oposição desatasse uma estratégia de desestabilização, centralizada pela denúncia de supostas fraudes. A partir do núcleo duro das elites bolivianas, situado em Santa Cruz de La Sierra, berço da oligarquia mais poderosa e racista, desprendeu-se uma onda generalizada de violência contra governantes e militantes ligados ao MAS, mesclando grupos paramilitares, narcotraficantes e fundamentalistas religiosos. O vandalismo foi facilitado pelo amotinamento de frações dos aparatos policiais.
Dinheiro e amparo em veículos de comunicação, dentro e fora do país, para estimular a mobilização de rua não foram problemas. Também se destacam as impressões digitais dos EUA e do governo Jair Bolsonaro.
O governo boliviano, aparentemente aturdido pela reação dos adversários e despreparado para enfrentamento de tamanha intensidade, delegou à Organização dos Estados Americanos (OEA), comandada pelo uruguaio Luis Almagro, aliado da Casa Branca, auditoria vinculante dos votos, cuja conclusão deveria ser obrigatória para todos.
Diante da ofensiva guerreira da oposição, Evo renovou sua disposição de encontrar uma saída pacífica. Divulgado o relatório desfavorável da OEA, previsível e sob encomenda, aceitou prontamente a realização de novas eleições nacionais e a reformulação do Tribunal Eleitoral.
Os setores golpistas tomaram as concessões presidenciais como sinal de fragilidade nas casernas e em suas próprias fileiras. Ao contrário de aceitarem o gesto de concórdia, passaram abertamente ao levante cívico-militar. As Forças Armadas acabaram por se somar à intentona, exigindo a renúncia de Evo e de toda a cadeia de comando do MAS.
Mais uma vez na história da América Latina fica patente o antagonismo estrutural entre suas elites oligárquico-burguesas e a democracia. As saídas golpistas se aproveitam das ilusões de esquerda com a possibilidade de domesticar a índole fascista das classes dominantes, claramente desmascarada pelos acontecimentos bolivianos.