História
Brasileiros na guerra civil espanhola
Com o título acima, a edição brasileira do Le Monde Diplomatique, de fevereiro, publica matéria sobre o tema – recebeu chamada na capa.
Por Antônio Augusto*
A autoria da matéria é dos jornalistas Juliana Sada e Rodrigo Valente.
Abaixo transcrevo trechos da matéria, intercalados por comentários meus entre colchetes.
Milhares de voluntários contra o fascismo
A criação das Brigadas Internacionais foi uma iniciativa da Terceira Internacional [a Internacional Comunista (IC)] e de partidos comunistas de vários países, em negociação com o governo republicano, para organizar voluntários que desejassem lutar na Espanha.
[Durante a Guerra Civil Espanhola, luta do povo espanhol em defesa da legalidade democrática, do eleito governo republicano da Frente Popular, contra o golpe militar apoiado pelos fascistas, com enorme apoio militar dos governos fascistas da Itália e da Alemanha. Para se ter ideia do grau da intervenção estrangeira fascista, a Alemanha nazista – sem contar o apoio militar fascista italiano, também permanente, e em grande número de efetivos militares – teve até 80 mil militares alemães em guerra contra o governo republicano e o povo espanhol. A Luftwaffe, a força aérea nazista, realizou bombardeios constantes, como o crime contra a Humanidade que dizimou a cidade basca de Guernica, imortalizada também no famoso quadro de Pablo Picasso]
“O mundo está diante da ameaça fascista e a Espanha é hoje o principal bastião contra esse perigo comum”, escreve Apolônio de Carvalho em seu livro de memórias “Vale a pena sonhar”, ao lembrar o convite recebido para se engajar no conflito.
Constituídas oficialmente em 22 de outubro de 1936, estima-se que as Brigadas tenham recebido em torno de 40 mil voluntários, dos quais cerca de um quarto morreu em combate.
[Início da luta mundial contra o fascismo]
“Milhares de cidadãos do mundo inteiro entendiam que, em solo espanhol, se determinava o futuro da humanidade”, considera Ismara Izepe de Souza, pesquisadora da Unifesp.
A grande maioria era de nações europeias, principalmente França, Polônia, Itália, Alemanha e Bélgica.
No continente americano, o Brasil seria o sétimo país que mais voluntários enviou, atrás de Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela, Cuba e Argentina.
Brasileiros se mobilizam pela república
A convocatória internacional para lutar ao lado da República encontrou uma situação delicada e ao mesmo tempo fértil no Brasil.
Após a malograda tentativa de insurreição em 1935, conhecida como Intentona Comunista, [é mais do que tempo, antes tarde do que nunca, de não aceitar esta denominação da direita, tentativa de estigmatizar o movimento. ‘Intentona’ quer dizer intento desarrazoado, alucinado, com a conotação de traiçoeiro, etc. O que houve, de fato, foi, centralmente um levante antifascista, patriótico, levado a cabo por militares] tanto o PCB como sua frente de massas, a Aliança Nacional libertadora (ANL) [A ANL não era uma “frente de massas do PCB”, terminologia errônea, de direita. A ANL era uma frente popular antifascista, bem além dos limites do PCB. Essa frente se constitui no primeiro grande agrupamento político popular do Brasil moderno] sofreram uma duríssima perseguição. Nesse contexto, muitos comunistas estavam presos ou fugindo da repressão, o que levou alguns militantes a optar pela Espanha.
“Foi a alternativa que eles teriam para não voltar a ser presos no Brasil, única saída para se sentirem úteis e lutando”, explica Thaís Battibugli, autora do livro “A solidariedade antifascista”.
Ainda que pequeno, o grupo de quase vinte brasileiros, ligados ao PCB e à ANL, teve participação marcante na guerra, já que a maioria era militar de formação.
Isso possibilitou que muitos alcançassem cargos de comando não só nas Brigadas, como também no Exército Republicano. Esse foi o caso, por exemplo, de Apolônio de Carvalho, José Gay da Cunha e Carlos da Costa Leite, que lideraram centenas de combatentes.
“Não é uma participação quantitativa, mas qualitativa; eles foram com ‘know-how’ militar”, aponta Battibugli.
[Outro militar brasileiro que lutou na Espanha foi David Capistrano da Costa. Com a democratização de 1945, elegeu-se deputado estadual, pelo PCB, em Pernambuco. Em 1974, como membro do Comitê Central do PCB, veio do exílio, e tentou reingressar clandestinamente no Brasil. Preso ao entrar no país pela repressão política da ditadura, foi torturado e assassinado. É um dos nossos desaparecidos políticos. O filho de Capistrano, David Capistrano da Costa Filho, já falecido, foi dirigente do PCB em São Paulo, um dos idealizadores do SUS, e prefeito eleito pelo PT em Santos. Não sendo militar, o histórico sindicalista e comunista Roberto Morena teve também destacada participação na Guerra Civil Espanhola. Foi comissário político em Alicante, vital porto do Mediterrâneo. Morena seria deputado federal comunista (sob outra sigla, dada a ilegalidade do PCB) na primeira metade dos anos 50. Podem ser encontradas muitas informações sobre a participação dos brigadistas internacionais brasileiros em duas fontes: – em artigo publicado num dos números da revista “Temas de Ciências Humanas”, editada durante alguns anos pela intelectualidade ligada ao PCB, a partir da segunda metade dos anos 70; – no livro de um dos brigadistas, José Gay da Cunha reeditado nos anos 80 pela Alfa-Ômega, “Um Brasileiro na Guerra Civil Espanhola”]
Da guerra civil à guerra mundial
O destino dos voluntários após o fim da Guerra Civil Espanhola, em abril de 1939, não foi fácil.
A maioria, assim como cerca de 450 mil espanhóis, cruzou os Pirineus em busca de refúgio na França.
“Esperávamos tratamento de asilados políticos. Ilusão – éramos prisioneiros de guerra”, relata em suas memórias Apolônio de Carvalho.
Ao entrarem na França, os republicanos eram encaminhados a precários campos de “acolhida”, espalhados à beira do mediterrâneo ou nos Pirineus.
Apolônio descreve o campo de Argelès-sur-Mer como uma “vastidão fria”.
[Vencendo o fascismo na guerra mundial]
Um grupo que ainda permanecia na França quando da invasão alemã, em 1940, se engajou na Resistência aos nazistas.
[Essa foi a trajetória por exemplo, do brigadista judeu romeno Wolf Reutberg, que morava no Brasil, e daqui foi expulso pela ditadura Vargas. Ao ser detido pelos alemães, em 1944, foi fuzilado]
Já Apolônio chegou a comandar uma tropa de quase 2 mil pessoas, que apoiou a libertação do Sudoeste francês em 1944.
* Jornalista, colaborador do Resistência