Opinião

Brasil: Um século de história sob o controle imperial

25/08/2016

A condição do Brasil é, apesar da sua riqueza incontestável e das conquistas a nível científico, artístico e técnico, de subdesenvolvimento. Permanece sujeito à exploração neocolonial como o foi na fase colonialista. E isto se deve a uma elite que circula pelo poder político subordinada ao domínio do sistema financeiro nacional e internacional. Não cabe uma análise moralista dos que intervêm na vida nacional, mas a imagem do país terá de ser ética, para ser respeitado como formador íntegro da cidadania.

Por Zillah Branco

Boas pessoas quando jovens, recusam uma dedicação patriótica que os animou quando ainda tinham sonhos de heroísmo em que entregavam a vida para defender a independência nacional e o desenvolvimento do seu povo, como se fosse expressão de fraqueza ou ingenuidade, coisas de criança. Justificam a mudança de rumo ideológico com o pretexto de que o momento é dos espertos para, depois, poderem caridosamente “ajudar os necessitados”. Despem a pesada capa de valores éticos que um dia vestiram e vendem a consciência e a alma, por atacado ou no varejo, a quem der mais. Passam, de uma “alucinação positiva para outra negativa”, referida por Flávio Aguiar (blog Boitempo).

Assim, ex-democratas que imitaram heróis de verdade, trocaram os objetivos pessoais e os princípios herdados que os obrigavam a ser íntegros, honestos, solidários, responsáveis e progressistas, pela perfídia, o desprezo autoritário, a crapulice, o prazer da traição, o gozo da maldade. Sentem-se, talvez, livres de um peso que os tornava gente comum. A meta é o poder que compra prazeres cobiçados.

É uma minoria, entre os que se agarram ao topo do muro, como se não participassem da traição visível. Esta segunda corja não se sente vendida, apenas mantêm os cargos de confiança com as regalias que as leis autorizam e esperam que a tempestade passe e que a inércia os proteja. Aceitam a acusação de “fracos”, pensando que merecem ajuda e compreensão.

Nada têm a ver com os que erraram e percebem que têm alguma responsabilidade no êxito dos traidores. “Só não erra quem não faz” e “errar é humano”, são velhos provérbios. Mas este respeito pelo direito a ter errado só vale para os que reconhecem o erro e procuram maneira de o corrigir. Perigosa é a aceitação passiva de “erros habituais”, abrindo um caminho permissivo sem volta. Quem procura justificações atirando os erros para outros, ou culpa alguém pela sua ignorância anterior, cai na situação dos fracos que se autodesculpam ou se promovem, por oportunismo.

Os que descobrem os erros e não se escondem merecem confiança, pois ajudam a revelar as falhas que aparecem com a transformação das condições sociais. E assim evolui a história, desvendando novas possibilidades de superação dos erros.

A história do Brasil é rica em heróis. Sem ultrapassar um século, vemos surgir a República destronando o monarca que, por ingenuidade popular e ignorância comandada, merecia confiança permitindo vagarosamente que fosse decretado o fim da escravidão e a expansão das ideias positivistas que abriram o caminho republicano e democrático. É verdade que a Primeira República foi dominada pelos senhores rurais e o fim da escravidão africana deveu-se também à pressão da Inglaterra. Tudo boa gente? Nem tanto.

As verdades começaram a ficar mais claras com o movimento tenentista, depois o sacrifício dos 18 do Forte de Copacabana, a seguir a Coluna Prestes que teve como dirigentes heroicos os jovens militares Luís Carlos Prestes, Miguel Costa, Siqueira Campos, mas também Eduardo Gomes e Juarez Távora e outros que seguiram depois por caminhos políticos ideologicamente contrários. Não traíram, apenas se divorciaram no desenrolar da história. Cada um dos heroicos dirigentes da Grande Marcha que desvendou a realidade vivida e sofrida, do sul ao norte do Brasil, pelo povo explorado e miserável, desenvolveu teorias diferentes para buscar corrigir os graves problemas nacionais.

“Não há solução possível para os problemas brasileiros dentro dos quadros legais vigentes. A questão não é de homens, mas de fatos, isto é, de sistema e de regime. Nenhum governo, mesmo animado das melhores intenções desse mundo, poderá, nos limites da legalidade normal, resolver os problemas nacionais em equação. A solução tem de vir de uma transformação radical em tudo, não apenas na superfície política, é preciso reorganizar o país sobre bases novas. É preciso criar novas bases econômicas e sociais de relações entre os homens que habitam e trabalham nesta grande terra. É preciso quebrar, resolutamente, as cadeias que oprimem o Brasil e impedem seu desenvolvimento ulterior, sua expansão fecunda e gloriosa.” (Luís Carlos Prestes, entrevistado no final da Grande Marcha por Astrogildo Pereira, 1928)

“Estas coisas ditas por Prestes têm uma importância fundamental. Elas mostram que a Revolução, para Prestes, não é um mero motim militar. Ela é um fenômeno social infinitamente mais complexo. Para resolver os problemas nacionais, a Revolução tem que ser um vasto e profundo movimento popular em que o elemento militar desempenhe o papel – já de si imenso – de dínamo propulsor. Evidentemente, movimento dessa natureza, assim amplo e difícil, não pode ser obra de um simples momento de exaltação. Ele exige, ao contrário, longa, paciente, laboriosa preparação. E a esta preparação, devem consagrar-se, coordenadamente, todas as forças progressistas do país.” (Astrogildo Pereira, transcrição da entrevista citada para o Jornal “Diário da Manhã” do Recife)

Eduardo Gomes e Juarez Távora lideraram partidos políticos que defendiam o sistema capitalista “humanizado” e eram admirados pela crescente burguesia nacional que ligava a oligarquia rural ao empresariado urbano animado pelo apoio da Inglaterra ou dos Estados Unidos sem ver que aquele povo miserável do Brasil profundo era cada vez mais explorado e afastado da condição de cidadãos brasileiros.

E assim seguiu a história do Brasil subdesenvolvido cobiçado pelo imperialismo por um caminho cheio de curvas até 1964 quando foi dado um golpe sob a cobertura dos militares. A repressão ditatorial promoveu a aproximação dos progressistas que levantaram uma bandeira “democrática”. Surgiu o Movimento Democrático Brasileiro, única porta aberta à esquerda pois os comunistas e todos os que agissem como militantes de uma causa socialista foram para a clandestinidade perseguidos, torturados ou mortos. Passaram-se 21 anos cinzentos que deram origem à formação de novos caminhos para a reconquista da liberdade de expressão. Os que se consideravam “democratas” e defendiam o neoliberalismo formaram os primeiros governos. O governo de FHC aproximou-se das forças dominantes definindo a direita nacional submissa ao poder financeiro internacional.

Com a formação do PT foram aglutinadas diferentes forças de esquerda que impulsionavam movimentos sociais e sindicatos operários, contando com iniciativas de setores da população que militam independentes de organizações partidárias junto a igrejas, universidades, associações várias. Lula é eleito com um programa contra a Fome que merece a admiração internacional, e pela integração popular cidadã com o apoio de partidos de várias tendências acobertadas pelo termo genérico da “social democracia”. O governo abre caminhos contraditórios entre si, desconhecendo a luta de classes que se agrava à medida em que a injusta distribuição de rendimentos sacrifica o atendimento social às camadas mais pobres, antes marginalizadas, e favorece a acumulação do capital da elite empresarial que põe em prática o sistema de corrupção, de promoção de privilégios salariais e impunidade judicial, fortalecidos pelo controle da mídia que funciona como um quarto poder no país. Aparentemente o Brasil é fortalecido pela autonomia na exploração das suas riquezas e na redução visível da miséria que assolava um terço da sua população, o que promove a ilusão de que estava livre das crises do sistema capitalista.

A linguagem política dos liberais altera-se à medida em que crescem as reivindicações, de base democrática e de respeito por categorias antes desprezadas – mulheres e trabalhadores – de modo a distanciar-se do discurso e dos partidos revolucionários. Aparentemente desaparece a luta entre classes e emerge uma classe média que tem como objetivo identificar-se com a alta burguesia a começar pela aparência e o comportamento modelado sob o comando da mídia. A indústria lança produtos de qualidade inferior com o desenho das marcas mais caras e investe na propaganda do “consumismo” como padrão de modernização. Este novo estrato social repudia os mais pobres e a consciência do proletariado que exerce a pressão para obter as conquistas da legislação do trabalho, e adere à ideologia liberal defendida pelo patronato. A democracia reduz-se, praticamente, ao combate à fome, às medidas corajosas de um Governo enfraquecido apoiado pelo povo, ao direito universal ao voto que é condicionado pelas campanhas eleitorais sob efeito de grandes somas de dinheiro, corrupção e a condução midiática sob o olhar cauteloso dos Estados Unidos dedicado a estraçalhar os países do Oriente Médio e da África onde vai buscar o petróleo com a parceria da União Europeia.

Paralelamente a nível mundial

As instituições de ensino superior e investigação científica, criadas ou apoiadas pelo imperialismo, aprofundaram os estudos do marxismo para poder combater o método dialético utilizado pelos revolucionários, com forte propaganda política embalada em linguagem democrática com sentido contrário. Com uma perspectiva de direita estudaram o marxismo e o percurso do socialismo realizado pela URSS e demais países revolucionários para se apropriarem dos êxitos incontestáveis da ideologia de esquerda tergiversando sobre os conceitos. Deram origem a novas interpretações teóricas que serviram de estímulo ao combate aos comunistas que referem a linguagem dos revolucionários do século XIX e início do XX quando o sistema socialista foi introduzido com a formação da União Soviética e os movimentos de libertação por ela apoiados em todo o planeta. Dessa maneira a direita apropriou-se da forma dos conceitos esvaziando do conteúdo revolucionário.

A Guerra Fria alcançou a sua meta antirrevolucionária depois de 70 anos de espionagem, terrorismo, fabuloso investimento em armas, invasões de países com movimentos de libertação em todo o planeta, formação de investigadores de todo o mundo para se apropriar do “know how” de todas os povos. Mas também com a apropriação de uma cultura que substitui a consciência da realidade social pela ambição pessoal de vencer a qualquer custo como fazem os animais selvagens facilmente controlados por sons e luzes que os encantam.

Como bem observam os chineses, agora que alcançaram o estatuto de grande potência e fazem sombra aos países mais desenvolvidos do sistema capitalista, hoje os que emigraram para estudar, deixando a sua produção científica nos países ricos, despertam para o necessário combate ao imperialismo e voltam atraídos pelas suas nações de origem em luta pelo desenvolvimento e com capacidade para aplicar as qualidades do sistema socialista em sociedades mais humanas e efetivamente democráticas. Deslumbrada com o brilho ofuscante do capitalismo fica uma população embrutecida sob o controle mecanizado do método antirrevolucionário para consumir qualquer novo produto que alimente a elite dominante (de que foi expoente máximo a sessão que aprovou o impeachment contra Dilma no Congresso Federal do Brasil).

O caminho foi aberto

A evolução se dá aos saltos e sofre retrocessos pontuais como os golpes que germinam na América Latina alimentados pela pressão de grupos contrarrevolucionários que alcançaram o controle de países ricos através da centralização de poder financeiro e domínio do chamado Mercado Livre no planeta. Os nichos criados pela política de direita reacionária aproveitam-se dos erros cometidos sob a pressão das necessárias alianças partidárias e usam os potenciais traidores da sua pátria mediante corrupção financeira e promoção institucional que são os pontos vulneráveis abertos pelo liberalismo, como assinalou Luis Carlos Prestes em 1928:

“É preciso quebrar, resolutamente, as cadeias que oprimem o Brasil e impedem seu desenvolvimento ulterior, sua expansão fecunda e gloriosa.”

E Astrogildo Pereira, que divulga este pensamento de Prestes, formula o caminho de luta:

“Para resolver os problemas nacionais, a Revolução tem que ser um vasto e profundo movimento popular (…) Evidentemente, movimento dessa natureza, assim amplo e difícil, não pode ser obra de um simples momento de exaltação. Ele exige, ao contrário, longa, paciente, laboriosa preparação. E à esta preparação, devem consagrar-se, coordenadamente, todas as forças progressistas do país.”

Lula assumiu, com êxito inegável, o papel heroico de líder popular ao ser eleito em 2002 por dezenas de milhões de brasileiros que repudiaram o programa neoliberal resultante, mais uma vez no Brasil, da combinação de tendências anti-ditatoriais apoiadas pelo vizinho imperialista que se considera dono do continente americano. O processo histórico desencadeado não se ateve às curtas rédeas do sistema capitalista vigente. Criou uma dinâmica para atender a grande massa popular com o produto do trabalho e das riquezas nacionais, o que levou a elite a abandonar a vestimenta democrática que envergara para contrastar com a ditadura falida.

Além de ser urgente a reconstrução da Nação – com a sua força produtiva voltada para o aproveitamento do patrimônio em benefício de uma população de mais de duzentos milhões de habitantes e do desenvolvimento das instituições sociais e de produção científica e artística, – impõe-se a reposição dos valores abandonados pelo sistema legislativo que mostrou a sua fragilidade na defesa do equilíbrio patriótico posto em causa por um ato golpista.

 

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