Opinião

Bizarrias da esquerda

14/11/2018

Por Manuel Domingos Neto (*)

No dia 12 de novembro de 2018, um representante do governo maranhense chateou-se com quem não aplaudiu o comandante do Exército. O general dissera haver posto o sabre no pescoço do STF: ou Lula preso ou nem o comandante da tropa maior seguraria o diabo! Assinou confissão de algo que as pedras sabiam.

A esquerda fora alertada, faz tempo, dos acertos a meia luz entre a farda e a toga. Depois, tais acertos ocorreriam a céu aberto, naturalmente, sem maiores reações de partidos, imprensa ou parlamentares. Villas Bôas detonou o Judiciário. O estofo moral de Toffolli, já questionado, foi pelos ares e a Corte ficou em saia justa. E eis a insegurança jurídica exposta ao mundo!

O mais grave da entrevista de Villas Bôas, entretanto, serão os efeitos no mundo castrense. Quando o comandante assume publicamente não dar bolas à Constituição e dá exemplo de transgressão do Regulamento Disciplinar do Exército, que autoridade lhe sobrará para garantir a disciplina em quartéis sob o comando de jovens sedentos de protagonismo, com adrenalina em altas dosagens e envaidecidos com o clamor da turba?

É bizarro a esquerda aplaudir tal coisa. Para a autoridade maranhense, o general teria sido “irretocável” e, seus críticos, “bravateiros”, “esquerdistas patéticos”, irresponsáveis torcendo por uma ditadura que lhes desse chance de posar de heróis. Desrespeito aos que tombaram pela democracia; mimo ao neofascismo, incentivo ao caos!

No dia seguinte, 13 de novembro de 2018, uma “Nota do PT” denuncia a tutela do Comando Militar sobre o Judiciário; conclama as “forças democráticas” a defender a democracia e alerta não haver limites para a tirania. Nem uma palavrinha sobre a responsabilidade do partido quanto ao perigoso quadro formado. O maior partido de esquerda não renuncia à condição de símbolo de pureza e coerência! É estranho que ponha a institucionalidade maltrapilha em sólido pedestal…

Chama a atenção o PT tomar como base de seu posicionamento a vigência do Estado democrático de direito, contradizendo a tese de que Lula é preso político. Não cabe à esquerda rasgar a Constituição, mas é insensato operar como se a normalidade institucional estivesse em pleno vigor.

Na eleição de Bolsonaro, muito se falou de evangélicos, mentiras na internet, partidarismo do Judiciário, torpezas da imprensa, reacionarismo da classe média, inconformismo da casa grande, envolvimento do agronegócio, ação de agentes externos, erros de comunicação, pulsões de morte de uma sociedade desesperançada… Enfim, do ambiente que favoreceu experiências autoritárias clássicas.

Pouco se disse, entretanto, dos quartéis que viraram autênticos comitês de campanha e de militares e policiais fardados ou de pijama que atuaram como militantes ensandecidos em defesa do capitão farda-suja.

O desacreditado candidato ganhou importância na medida em que hierarcas estrelados, cientes da caduquice da “manu militare” rotineira o perceberem como alternativa para retornar ao mando pela via eleitoral. O empresariado viu um Bolsonaro diferente quando o mesmo foi cercado por generais. Nesta condição, ganhou crédito e recebeu apoios variados.

O general Villas Bôas diz que Bolsonaro não é militar, mas que aproveita habilmente suas relações no meio castrense. O fato é que, sem a escora de chefes militares, Bolsonaro continuaria sua rotina histriônica de deputado do baixo clero disposto a estragar a imagem internacional do Brasil em troca de bons proventos para seu clã político profissional.

A esquerda falou menos ainda do lance geoestratégico em disputa, como se a contenda pela hegemonia mundial desconhecesse a importância do Brasil.

A eleição do farda-suja é dado estratégico primordial nos limites continentais; desmonta o esforço pela integração sul-americana e interrompe a busca da multipolaridade; acelera o programado saque das reservas de petróleo da Venezuela; deixa as fábricas estadunidenses de armas suspirando aliviadas diante de seus novos concorrentes na América do Sul; dá esperança aos que têm ganas de pôr a mão na Amazônia; desmonta parcerias estratégicas visando a autonomia tecnológica; tumultua o esforço de exportação dos produtos brasileiros e, loucura das loucuras, chama homens-bombas para nossas cidades, como se já não bastassem os assaltos cotidianos à luz do dia.

Nos últimos anos muitos brasileiros pediram uma “intervenção militar”. Nenhum deles foi preso por desrespeito às Forças Armadas e por incitamento à desordem. Ao inverso, o militar se sentiu prestigiado; inflou o peito de orgulho e a cabeça de parvoíces.

Multiplicaram-se as falas raivosas e ameaçadoras de oficiais reformados atacando o governo, criminalizando a política e desmoralizando as instituições republicanas, demonizando a sede de liberdade e de respeito dos socialmente discriminados.

A esquerda menosprezou esses oficiais: seriam inofensivos, dado que não comandariam tropas. Não sabia, a esquerda, que os de pijama fascinam os fardados, que se espelham em sua competência técnica e se enternecem com seus laços afetivos, sua maturidade e ascendência moral.

Esqueceu a esquerda que as armas estão com ex-alunos e ex-subordinados de experientes generais de pijama. A admiração e o exemplo não se esfumaçam quando o veterano tira a farda. Este ensinamento vem de tempos imemoriais.

A esquerda esqueceu ainda que o de pijama fala o que o fardado não pode falar. A esquerda aprenderá um dia que, no Brasil ou em qualquer canto, o novo e o velho militar não podem ser menosprezados?

(*) Cientista político

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