Atentados em Paris expressam o choque entre duas barbáries

15/11/2015

Por José Reinaldo Carvalho (*)

Os ataques terroristas em Paris na última sexta-feira (13) chocaram a humanidade. Despertaram um justo sentimento de indignação, concentraram as atenções da opinião pública, motivaram pronunciamentos de chancelarias, chefes de Estado e de governo, independentemente do seu perfil e caráter político.

Movimentos populares e partidos políticos de diversas e contrapostas orientações políticas e ideológicas, incluindo as mais representativas organizações do Islã político – Hesbolá, Hamas e Jihad Islâmica – condenaram com veemência o abominável ato. Alguns partidos, como por exemplo o PCdoB, agregam a esse repúdio igual repulsa ao atentado que vitimou mais de 40 pessoas na capital libanesa, Beirute, um dia antes da fuzilaria e explosões de bombas em Paris, já relegado ao esquecimento pelos que monopolizam os meios de comunicação.

Não há, nem deveria haver, em casos como este, qualquer motivo de dúvida quanto à posição das forças de esquerda e progressistas, inclusive os comunistas: a enérgica condenação. Não confundimos a violência revolucionária, a rebelião das massas, as diferentes formas de insurreição popular, com o terror contra o povo, o banditismo político, o morticínio de civis, a quebra da segurança e tranquilidade das pessoas, cujo direito à liberdade e à paz é inalienável. Qualquer vacilação a este respeito é uma fissura irremediável na posição político-ideológica e na ética revolucionária.

Igualmente nocivo é a ingenuidade, ou a posição interesseira, consistente em adaptar-se ao discurso das forças hegemônicas no mundo, que usam a comoção provocada pela carnificina para legitimar sua estratégia política mediante um discurso que deliberadamente semeia a confusão política com falsos conceitos.

Agora repete-se à exaustão que o mundo está vivendo uma “luta entre a barbárie e a civilização”, sendo a primeira representada pelo “terrorismo islâmico” e a última pela França. A partir do pronunciamento de François Hollande, pretende-se que os atentados do dia 13 foram um “ato de guerra” contra o país. Recorde-se que logo depois dos atentados terroristas em Nova York, a 11 de setembro de 2001, o então presidente George W. Bush adotou sua “guerra ao terror” como derivação de uma tal conceituação dos ataques às torres gêmeas e ao edifício do Pentágono.

A definição dos atentados na França como “ato de guerra”– ao passo que sequer se menciona a ação terrorista no sul de Beirute, Líbano – é uma evidente tentativa de justificar futuras ações bélicas e intervencionistas por parte da potência imperialista francesa e de escamotear as reais motivações da escalada terrorista, reflexo do agravamento da crise no Oriente Médio, nomeadamente na Síria.

A França não só se distancia cada vez mais da civilização democrática fundada nos valores republicanos revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, porquanto discrimina e exerce opressão social no plano interno, como nunca esteve tão associada, desde o governo de Nicolai Sarkozy [2007-2012] e durante o atual mandato de François Hollande, a ações imperialistas, intervencionistas e de guerra. O governo francês é um dos mais agressivos na exigência de derrocada do presidente legítimo da Síria, Bashar al-Assad, um dos principais estimuladores, com apoio político e financeiro, a bandos terroristas, tarefa a que se dedica conjuntamente com os Estados Unidos, outros países da União Europeia, Israel, Turquia e monarquias reacionárias árabes.

Quando a França reivindica ser vítima de “ato de guerra”, não se pode esperar outra coisa senão a intensificação de uma política externa ainda mais securitária, militarista, agressiva e intervencionista. E as forças progressistas não se devem dispor a sustentá-la, sob qualquer pretexto. Na luta contra o terrorismo, é indispensável apurar responsabilidades e incriminar os seus fautores diretos e indiretos. E expor a íntima ligação entre as ações terroristas, como as ocorridas em Beirute e Paris, e o terrorismo de Estado, praticado à margem do Direito Internacional. O monstro terrorista, chame-se ISIS ou Al Qaeda, foi parido pelo ventre imundo dessas potências, nos ambientes e nas conjunturas em que grassou o terrorismo de Estado, a exemplo das guerras e intervenções militares, no Afeganistão (2001) Iraque (2003) Líbia (2011) e Mali (2013), como já tinha sido a guerra da Otan contra a antiga Iugoslávia (1999), como é a escalada militarista atual do Estado sionista contra o povo palestino. Todos, sem exceção, são em si atos terroristas e criam o caldo de cultura para o desenvolvimento dos mencionados grupos e outros. Assim, os atentados em Paris são na verdade a expressão da luta entre duas formas de barbárie.

O mundo pode estar em vésperas de uma nova edição de políticas de terrorismo de Estado por parte das potências ocidentais e de seu braço armado, a Otan, o que atingirá em cheio os povos em luta e as forças progressistas. No dia seguinte aos atentados em Paris, os Estados Unidos e seus aliados reiteraram sua compreensão de que “enquanto a Síria for um país fragmentado, governado por um ditador com vários grupos de oposição, muitos dos quais considerados terroristas, que querem derrubar o presidente, enquanto a Síria for esse caos, quem vai ganhar com isso são os terroristas, que vão ganhar espaço para se fortalecer”.

A carnificina em Paris é reveladora de como as populações dos países imperialistas podem ser envolvidas e vitimadas pela instabilidade, as crises e as guerras provocadas por seus governos. Demonstra ainda os perigos a que está exposta a humanidade numa ordem mundial marcada pela violação sistemática do direito internacional, o militarismo, o intervencionismo, a guerra como meio de política externa e o desrespeito à soberania nacional.

O combate ao terrorismo – seja de grupos ou de Estado – não está nas mãos dos Estados e governos cujas políticas engendram instabilidade e crises. Exige a mobilização dos povos, das forças amantes da paz e da democracia, de todos os que lutam por uma sociedade livre da ingerência imperialista e por soluções justas para os conflitos internacionais.

(*) Jornalista, editor do Blog da Resistência, diretor do Cebrapaz e secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB

 

 

 

 

 

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