Opinião
As ameaças ao Brasil e à América Latina não provêm da Venezuela, mas dos EUA
Declarações do ministro da Defesa fazem supor que a Venezuela é uma ameaça à segurança nacional. O dirigente comunista José Reinaldo Carvalho discorda e diz: “São os EUA”
Por José Reinaldo Carvalho (*) – O Ministério da Defesa do Brasil tem emitido sinais e tomado medidas visando a proteger a segurança territorial brasileira de uma suposta ameaça venezuelana. Uma visão distorcida da natureza da controvérsia entre o país bolivariano e a Guiana em torno do pertencimento do território de Essequibo e uma opinião preconceituosa, eivada de reacionarismo, para com a Venezuela, têm gerado a tomada de medidas que não só desvelam uma concepção falsa sobre as intenções do governo de Nicolás Maduro, como uma falta de vigilância e cuidado para com a verdadeira ameaça que paira sobre nossa soberania e segurança.
É auspicioso que o Brasil se preocupe com os acontecimentos relacionados à disputa territorial entre os dois países vizinhos, ambos fronteiriços ao nosso país. E merecem aplausos as demarches diplomáticas que o governo brasileiro tem realizado, inclusive participando como “testemunha confiável” no diálogo inaugurado na semana passada entre os presidentes venezuelano e guianense. Mas é aleivosa a acusação de que o exército venezuelano pretende agredir a Guiana e que, por razões topográficas, teria que invadir o país vizinho fazendo antes uma incursão no território brasileiro. O efeito prático foi a mobilização de tropas e blindados à fronteira com a Venezuela.
Contudo, o principal e real perigo à soberania nacional, à integridade territorial e à segurança de toda a América Latina, provém do imperialismo estadunidense. As forças armadas dos Estados Unidos realizaram exercícios militares na Guiana e não escondem a intenção de instalar no país bases militares. Isto, sim, configura uma ameaça real ao Brasil e toda a circunvizinhança amazônica.
A defesa da soberania sobre a região amazônica é um assunto estratégico sensível. Não é segredo para o Palácio do Planalto, a Defesa, o Comando militar e o Itamaraty que os Estados Unidos sempre nutriram especial cobiça pela maior floresta tropical do mundo. Por isso, a discussão sobre a presença militar norte-americana na Amazônia é que deveria suscitar as nossas maiores preocupações, não a fantasiosa ameaça venezuelana. Não esqueçamos as declarações dadas em julho do ano passado pela generala Laura Richardson, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos: “Nossos concorrentes e adversários também sabem o quanto essa região é rica em recursos”. E fez o inventário: “60% do lítio do mundo estão na região; você tem petróleo bruto pesado, você tem petróleo bruto leve, você tem elementos de terras raras, você tem a Amazônia […] você tem 31% da água doce do mundo aqui na região.” Ela não perdeu a pose de sempre dos representantes do imperialismo estadunidense de considerar a região o seu quintal.
Quanto à postura do governo de Nicolás Maduro na controvérsia sobre a quem pertence o território hoje sob soberania da Guiana, está fartamente documentado que, como dizem os venezuelanos, “o sol da Pátria nasce em Essequibo”. A maior vitória política e diplomática do governo de Maduro ao levantar a questão e realizar uma consulta popular foi evidenciar esta verdade, que estava oculta nos escaninhos de Genebra. Outra vitória foi rechaçar as falsas acusações de que a Venezuela estava pronta para atacar a Guiana e incendiar a região com uma guerra desnecessária. Alguns oportunistas, pescando em águas turvas, chegaram a dizer que Maduro estaria imitando Putin, fazendo comparações descabidas com o conflito em curso na Ucrânia. Uma vitória adicional do governo de Maduro foi destacar-se como o principal protagonista do diálogo na busca de uma solução política para a disputa. Maduro reafirmou o princípio estabelecido na Celac de que a América Latina é uma região de paz.
(*) Jornalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB, onde é coordenador do setor de Solidariedade Internacional e Paz e presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz