Opinião
Antonio Abreu: Sobre as eleições presidenciais nos EUA
As eleições americanas de novembro próximo são bem distintas de anteriores eleições.
Por Antonio Abreu (*) em AbrilAbril
No Partido Republicano, ultrapassando a vontade dos seus líderes tradicionais, emergiu um grande milionário, Donald Trump, truculento e escandaloso na maneira de falar, racista, com uma atitude a que têm chamado populista em relação aos americanos vítimas de desigualdades enormes e com o agitar do fantasma de uma imigração vinda de países destruídos pelos EUA e a Otan, que segundo ele não quer trabalhar mas tão-só beneficiar da Segurança Social americana, que tem que ser melhor, sim, mas para os cidadãos americanos.
Mas Trump apresenta atitudes diferentes das que têm tido outros candidatos do sistema. Defende a cooperação com a Rússia e a China, não vê com bons olhos a continuidade na Otan e noutras alianças militares. E é encarado com simpatia por dirigentes da direita europeia.
Com a rendição de Sanders a Hillary, Trump aparece claramente como o “candidato anti-sistema”.
E, aceitando uma caracterização imprecisa, Hillary Clinton é claramente a “candidata do sistema”.
Aparentemente, os interesses instalados em Wall Street, os “bancos grandes demais para falir”, onde reina a corrupção, o complexo militar e de segurança, o lobby de Israel, o agronegócio, as indústrias do armamento e farmacêutica e as indústrias extrativa (energia, minérios, madeira) já decidiram apoiá-la.
E isso reflete-se também na uniformidade de pontos de vista da grande mídia nos EUA e à escala universal.
O Comité Democrata Nacional conspirou com a candidatura de Hillary, a fim de prejudicar a nomeação de Bernie Sanders. Sanders era a escolha da maioria dos eleitores do Partido Democrata (PD), e as sondagens revelavam que, entre Hillary e Sanders, só este último teria hipótese de ganhar a Trump. Depois do golpe contra Sanders, denunciado pela WikiLeaks, o diretor da campanha de Hillary atribuiu isso a um hackering que teria sido ordenado por Putin para favorecer… o seu amigo Trump! Teve que ser demitido ao fim de dois dias, sem ter apresentado nomes ou outras provas dessa operação de russofobia que cada vez menos recolhe crédito nos norte-americanos.
Trump disse na segunda-feira passada: “Espero que os republicanos estejam lá e assistam de muito perto, porque eu acho que vamos vencer esta eleição… Digo-vos que no dia 8 de novembro é melhor ter cuidado, porque esta eleição vai ser manipulada e espero que os republicanos a acompanhem de perto porque nos querem roubá-la”.
É muito aleatório avaliar os candidatos pelo “valor facial” das suas propostas, como: a retórica e as promessas não sustentadas num crescimento econômico que tem vicissitudes; a ilusão das virtudes da maior experiência de administração política de Hillary e da falta de discurso que respeite o “politicamente correto” por parte de Trump; ou o meter para debaixo do tapete os crimes da política externa de Hillary, quando mantém a mesma linha estratégica da administração a que pertenceu.
Para Trump a ideia central até ao momento foi a da recuperação da grandeza da América. Defende o abaixamento de impostos para ricos e pobres e o fim da tributação de rendimentos anuais inferiores a 25 mil dólares. Opõe-se à privatização parcial ou redução dos benefícios da Segurança Social, ao contrário dos dirigentes do seu partido. Compromete-se a revogar o Obamacare, a lei pela qual todo americano deve ter plano de saúde, pois a criação de mais empregos e a melhoria da economia permitiria que a grande maioria dos americanos pudesse pagar as suas despesas de saúde sem depender do governo. Trump defende que o governo federal não interfira na educação e que esta fique a cargo de cada estado. Diz também que o governo não deve lucrar com empréstimos a estudantes. Pretende expulsar os cerca de 11 milhões de imigrantes que não se revelem “boas pessoas” e que o México devia pagar os custos de um muro ao longo da fronteira, sob pena de sanções…
Trump diz-se “muito a favor” da energia nuclear e diz que irá fazer voltar a indústria do carvão “100%”. Afirma ainda que políticas de energia limpa e para reduzir as emissões de carbono iriam colocar em perigo empregos nas classes média e baixa.
Em matéria de política externa, defende uma redução significativa dos compromissos dos EUA na Otan e outras alianças, e a redução de apoios a países como a Arábia Saudita, canalizando esses recursos para melhores condições de vida dos norte-americanos. Trump também defende que o país se volte para a sua própria defesa e que aliados como o Japão e países europeus precisam de investir mais na sua própria segurança e parar de depender da ajuda dos EUA.
Tem reservas em relação ao TTIP e não aceita as “inevitabilidades” da globalização.
Se Trump ganhar, os grupos econômicos e os lobbies tentarão acomodar-se. Mas a coerência programática responderá pela sobrevivência física do candidato republicano, que tem o exemplo de um outro presidente, Kennedy, este democrata, assassinado em 1963. Quem pisa o risco, arrisca.
Se ganhar, não será tão imprevisível quanto o pintam. Se perder não deixará de apontar o dedo ao Partido Republicano que o não apoiou de início, e, se quiser, poderá unir boa parte do partido em torno de si.
Foi notória na intervenção final de Hillary Clinton, na Convenção do Partido Democrata, a vontade de manter boa parte dos eleitores de Bernie Sanders.
É assim que aí encontramos promessas como: o maior investimento em empregos com bons salários desde a 2.ª Guerra Mundial; o aumento do salário mínimo diário federal dos 7,25 para os 15 dólares; o aumento de impostos à Wall Street, às grandes empresas e aos super-ricos; controle (e não proibição) de armas; alterar as políticas de imigração para desenvolver a economia e manter as famílias juntas. Mas também aos potenciais eleitores de Trump: elevação dos créditos às populações rurais, maior respeito pelo trabalho e pelos trabalhadores.
Apresenta ainda benefícios fiscais para famílias, melhores salários, investimentos em infraestruturas, universalidade da pré-escola em dez anos para as crianças de quatro anos de idade.
Em matéria de energia, diz que pretende criar empregos bem remunerados ao transformar os EUA na “superpotência de energia limpa do século 21”, reduzindo drasticamente os consumos de petróleo e gás por um novo impulso na energia solar.
Em matéria de política externa, Hillary promete combater e derrotar grupos terroristas que ameacem os EUA ou seus aliados. Além de modernizar as Forças Armadas. Afirma que dará prioridade às soluções diplomáticas, mas diz que não se intimidará com Putin, além de manter a China “sob controle”, e que jamais irá permitir que o Irã quebre o acordo e adquira armas nucleares.
Hillary Clinton declara abertamente que quer levar até ao fim a política que os EUA tem realizado quanto à Síria. As tentativas que a ONU, EUA e Rússia têm feito com vista ao fim das hostilidades seriam interrompidas com Hillary na presidência. A sua ideia obsessiva de estabelecer “zonas de exclusão aérea” sobre a Síria e corredores humanitários no terreno levaria à partição do país e ao enredar os EUA no conflito mais a fundo. Com a implantação de grandes forças no terreno, com todas as implicações que tal medida poderia acarretar. O país vai mergulhar no caos com o derramamento de combustível dos EUA sobre as chamas de fogo. A Rússia e os Estados Unidos vão equilibrar a sua presença à beira do conflito. Os EUA vão aumentar sua presença militar no Iraque e, provavelmente, vão envolver-se militarmente na Líbia, no Iêmen e noutros lugares, gastando bilhões de dólares dos contribuintes num momento em que a dívida nacional dos EUA ultrapassou os 19 trilhões de dólares. Designada como “Rainha do Caos” pela jornalista veterana Diana Johnstone, ela vai ser uma presidente de guerra e destruição. Como Julian Assange, fundador do WikiLeaks, escreveu, “a votação hoje em Hillary Clinton é um voto para a guerra sem fim”.
O aparecimento, há alguns dias, enforcado numa cadeia norte-americana, do hacker romeno responsável pelo acesso aos seus e-mails de há alguns anos, quando era secretária de Estado, tem sido silenciado, mas é muito comprometedor.
Hillary Clinton, quer perca quer ganhe, terá um partido que contém dois diferentes partidos no seu seio e que se poderão vir a separar ou a sofrer nova sangria para formações de esquerda.
Mais à frente voltaremos a este tema.
(*) Engenheiro químico, foi vereador do PCP na Câmara Municipal de Lisboa, entre 1993 e 2005. Foi membro do Conselho de Informação da Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), do Conselho Nacional da Educação, e candidato nas eleições presidenciais de 2001. Colaborou regularmente, durante dois anos, no jornal A Capital. É professor de História Contemporânea, em várias universidades inter-geracionais de Lisboa, e tem intervenção regular num blogue e em redes sociais.