Opinião

A “Tomada de Caracas” que não houve

05/09/2016
Manifestação de apoio ao governo de Nicolás Maduro realizada nesta quinta-feira (01/09) em Caracas / Foto: Agência Efe

 

A manifestação da oposição venezuelana de 1º de setembro transcorreu sem qualquer incidente. Preparada há mais de dois meses, tinha por lema exigir o referendo revogatório ainda em 2016 com o fim de derrubar, por este instrumento constitucional, o presidente Nicolás Maduro. Foi organizada com requintes: uma mobilização de âmbito nacional, apoiada por fartos recursos locais e estrangeiros e uma grande campanha de propaganda liderada pelos meios de comunicação de massa nacionais e internacionais, sem impedimentos ou obstáculos nem mordaças de qualquer espécie da parte do governo. A ela deu-se o nome, escolhido a dedo, de “Tomada de Caracas”. Era esperada uma grande afluência e dependendo dos desdobramentos poderia desbordar para a “Tomada de Miraflores”, sede da presidência. No entanto se planos nesse sentido havia – e os havia – caíram por terra.

Por Max Altman

Diz um editorial da Folha de S. Paulo de 2 de setembro: “Toda democracia digna desse nome assegura a mais ampla liberdade de manifestação, desde que pacífica”. Foi o que ocorreu em Caracas. As forças de segurança, nelas incluídas a polícia militar e a força nacional, receberam estritas ordens de Maduro no sentido de garantir o direito à manifestação pacífica de todos os cidadãos, em ordem e segurança. Puderam marchar tranquilamente, levantar seus cartazes e gritar palavras de ordem, com a devida proteção inclusive com relação a eventuais provocadores que pudessem criar problemas.

Leio nos jornais de oposição venezuelanas, entre eles o mais furibundo, El Nacional, a repercussão do “day after”. Muito pouco entusiasmo, nenhuma manchete especial. Dirigentes da coalizão MUD (Mesa de Unidade Democrática), como o deputado Luis Florido, calcularam a participação em mais de um milhão. Outros, como o vice-presidente do parlamento, Enrique Márquez , num cálculo mais conservador, estimaram a assistência em cerca de 500 mil. Outros dirigentes ainda avaliaram em 200 mil os manifestantes. Pena que o Datafolha não estivesse presente para medir com precisão milimétrica o número dos participantes. Nenhum órgão da imprensa internacional avançou de moto próprio qualquer cálculo.

Agora, o viés ideológico da grande imprensa internacional é escancarado. Potencializaram a manifestação da oposição enquanto escondiam a do povo chavista em favor do governo Maduro. Numa manifestação, tão grande quanto a da oposição, como se pode deduzir de fotos aéreas, e – atenção! – convocada há menos de uma semana, puderam concentrar dezenas de milhares de pessoas sob o signo “em defesa da paz e do governo democrático e constitucional do presidente Maduro”. Mas há que se destacar o fato político da mais alta relevância: o próprio presidente Maduro foi o orador principal e estava em pessoa liderando a resistência e definindo a ação  das massas em favor da Revolução Bolivariana.

Disse linhas acima que havia planos para a “Tomada de Miraflores”, na tentativa de reeditar o golpe de Estado de abril de 2002. Nos dias anteriores, o serviço de inteligência da Polícia Nacional Bolivariana conseguiu neutralizar paramilitares que acoitavam explosivos. Encontrou armamento de guerra com mira telescópica de alta precisão em acampamentos improvisados a 500 metros de Miraflores. Tudo isto foi exposto à imprensa. O governo Maduro, por meio do Ministério para Relações Interiores, Justiça e Paz, conseguiu neutralizar os planos desestabilizadores da direita.

A oposição programa novas manifestações em favor do revogatório 2016. Poderiam tê-lo solicitado em janeiro deste ano. No entanto, o presidente da Assembleia Nacional, Ramos Allup, e a maioria qualificada passaram meses com o único objetivo: derrocar Maduro, seja tentando encurtar seu mandato, antecipar eleições, forçá-lo à renúncia, sem qualquer preocupação legislativa em ajudar a solucionar a aguda crise. Tendo fracassado em seus intentos, resolveram acionar o referendo revogatório somente em maio. O Conselho Nacional Eleitoral segue leis e regulamentos. Já aprovou a primeira etapa. Programou a segunda etapa para final de outubro. Pelos prazos legais, provavelmente o referendo revogatório só ocorrerá em 2017. Isso a oposição não quer, pois, ainda que derrotasse Maduro, a presidência seria ocupada pelo vice-presidente, o chavista histórico Aristóbulo Istúriz, até o fim do mandato.

Isto significaria uma derrota amarga aos planos da direita golpista e daria fôlego ao governo Maduro para enfrentar os graves problemas econômicos do país.

 

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