Temas em debate

A teoria leninista do Imperialismo e os equívocos da teoria da “pirâmide imperialista”

28/01/2023
Lênin, lendo o Pravda

Por Gabriel Martinez (*)

Um dos grandes debates vigentes no seio do movimento comunista internacional é o debate a respeito de como caracterizar o imperialismo contemporâneo. Para termos uma correta compreensão a respeito do tema é necessário que demarquemos campo com interpretações “esquerdistas” e direitistas que, infelizmente, gozam de certa popularidade. Ter uma correta compreensão do que é o imperialismo contemporâneo ajudará a combatermos de modo mais acertado o imperialismo norte-americano, principal inimigo dos povos. Portanto, convém expormos de maneira breve e sistematizada as principais características do imperialismo, de acordo com as formulações de Vladimir Ilich Lenin, bem como nossas críticas às concepções “esquerdistas” e direitistas sobre o imperialismo.

O imperialismo como fase superior do capitalismo

A teoria leninista do imperialismo, deturpada pelos revisionistas das mais variadas matizes, constitui uma grande contribuição de Vladimir Ilich Lenin ao desenvolvimento do socialismo científico. A principal obra em que o revolucionário russo aborda o problema é o livro O imperialismo, fase superior do capitalismo. Utilizando largamente de dados gerais fornecidos pela estatística burguesa e declarações de intelectuais burgueses dos principais países capitalistas, Lenin apresenta um “quadro de conjunto” da economia mundial capitalista nas vésperas da primeira guerra mundial. Neste livro, Lenin demonstra como o conflito mundial de 1914-1918 foi uma guerra imperialista, que seriam as guerras de conquista, pilhagem e rapina. Uma “guerra pela partilha do mundo, pela divisão e redistribuição das colônias, das ‘esferas de influência’ do capital financeiro, etc”.

De acordo com Lênin, o capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países ‘avançados’. O mundo é partilhado por “três potências rapaces, armadas até os dentes”, que na época seriam Estados Unidos, Inglaterra e Japão. Essa movimentação por parte dessas três potências imperialistas arrastariam todo o planeta para sua guerra pela partilha do seu saque. Em termos econômicos, a antiga fase concorrencial do capitalismo deu lugar ao monopólio. O crescimento da indústria e a concentração da produção converte-se numa das particularidades mais características do capitalismo. O grande capital monopolista exerce o seu domínio nas esferas econômica, política e ideológica. A concentração do capital eleva-se a um nível gigantesco dando origem aos monopólios. O imperialismo é encarado por Lenin como a “última fase do capitalismo”; é o capitalismo agonizante, em decomposição e o limiar da revolução socialista.

Em O Imperialismo, fase superior do capitalismo, Lenin determina os traços econômicos principais do imperialismo. São eles: 1º) Concentração da produção e do capital chegam a um nível tão alto que dão origem aos monopólios, que desempenham um papel decisivo na vida econômica. 2º) A fusão do capital bancário e industrial dá origem ao capital financeiro e a oligarquia financeira. 3º) A exportação de capitais, diferentemente da exportação da mercadoria, adquire importância especial. 4º) Formam-se agrupações monopolistas internacionais que repartem o mundo entre si. 5º) Culmina o processo de repartição territorial do mundo entre as potências capitalistas.

Ao contrário do que diziam alguns teóricos, o imperialismo não é um sistema a parte do capitalismo, mas preserva todos os fundamentos de tal regime. As bases gerais da economia capitalista seguem existindo. Os meios de produção pertencem a um punhado de capitalistas, bem como as massas trabalhadoras seguem sendo exploradas e oprimidas. O lucro ainda é o principal objetivo dos capitalistas e segue existindo a anarquia da produção sob influência de leis econômicas espontâneas. A lei da mais-valia continua atuar sob o imperialismo. Como sugere o título do livro em questão, o imperialismo é a fase superior do capitalismo. Lenin também caracteriza o imperialismo como capitalismo parasitário ou capitalismo em decomposição. No imperialismo, onde dominam os monopólios que perseguem elevados lucros monopolistas, surge uma tendência à estagnação e ao apodrecimento do capitalismo. Os monopólios já não se interessam pela aplicação de inovações técnicas na produção, mantendo em segredo importantes descobertas científicas através do controle de patentes de tais invenções. Mesmo esta ser uma tendência do imperialismo, não significa que em determinados períodos e setores da economia não exista nenhum tipo de desenvolvimento e crescimento da técnica. Assim, no imperialismo inevitavelmente vigoram duas tendências opostas: a tendência ao crescimento da produção e ao progresso técnico e a tendência à putrefação da economia e a contenção do progresso técnico. De acordo com Lênin: “Seria um erro pensar que esta tendência à putrefação exclui o rápido crescimento do imperialismo; em certos ramos da indústria, certas camadas da burguesia, certos países manifestam, na época do imperialismo, com maior ou menor força, ora uma, ora outra, destas tendências”. No imperialismo o desenvolvimento da técnica e da produção capitalista se processam de modo desigual e contraditório, provocando um atraso cada vez maior com relação às possibilidades geradas pela ciência moderna. Desenvolve-se nos estados imperialistas uma clara orientação militarista.

O parasitismo, os rentistas e o militarismo

Na fase imperialista o capitalismo adquire um claro caráter parasitário. O parasitismo é uma das maiores expressões da decomposição do sistema capitalista. No imperialismo, os capitalistas perdem cada vez mais os laços com o processo de produção. A grande maioria da burguesia e dos latifundiários se converte em rentistas, que nada mais são do que capitalistas que vivem do ingresso gerado pelos títulos de ações. O crescimento do consumo parasitário das classes exploradoras cresce exponencialmente. A exportação de capital converte-se numa parte cada vez maior da riqueza nacional dos países imperialistas e dos lucros obtidos pelas classes dominantes. Na fase imperialista os países burgueses se convertem em Estados rentistas, que por meio de empréstimos leoninos extorquem a enorme renda dos países devedores, que acabam se submetendo econômica e politicamente aos países imperialistas. A exploração dos países dominados e dependentes é uma das fontes principais da obtenção elevada de lucro monopolista. Um punhado de países capitalistas parasitam o corpo dos povos oprimidos.

Os países imperialistas destinam uma parte cada vez maior da renda nacional para o gasto com a sustentação de enormes exércitos, que têm como objetivo conduzir as guerras imperialistas. O militarismo é uma clara expressão do caráter parasitário do capitalismo. As guerras imperialistas são um dos principais meios que os países imperialistas utilizam para continuar mantendo seus elevados lucros monopolistas. O crescimento exponencial de gigantescas massas de homens, que se separam do trabalho socialmente útil para se engajarem no serviço das classes exploradoras, no aparelho estatal e na esfera inflacionada da circulação, é também uma grande demonstração do parasitismo. Nos países imperialistas, as classes dominantes utilizam os seus lucros obtidos pela exploração dos países dependentes, utiliza de maneira sistemática o suborno e o pagamento de altos salários para corromper uma camada pouco numerosa de operários qualificados, dando origem a uma aristocracia operária aburguesada, base de sustentação do oportunismo no seio do movimento operário.

A divisão do mundo na época do imperialismo

Não podemos entender a teoria leninista do imperialismo sem entendermos que nessa fase do desenvolvimento, o mundo inevitavelmente se divide entre um punhado de nações opressoras e a grande maioria das nações permanece sob as rédeas da dependência desses países imperialistas. Lenin afirmava que o imperialismo significava a superação, pelo capital, dos marcos dos Estados nacionais, bem como uma ampliação e o agravamento do jugo nacional em uma nova base histórica. É verdade que a Grande Revolução Socialista de Outubro impulsionou uma enorme onda de luta anticolonial. Sob influência das ideias de Outubro milhões de homens e mulheres dos países dominados se levantaram para derrubar a opressão imperialista. Essa sangrenta luta pela liberdade das massas populares culminou no surgimento de regimes democráticos populares no Leste Europeu e na Ásia, que depois caminharam para o socialismo, sendo a Revolução Chinesa o caso mais emblemático. Também ocorre a desintegração do sistema colonial e vários movimentos de libertação nacional, em especial na África, possuíam uma orientação marxista-leninista.

Mesmo com o fim do sistema colonial e o avanço da luta anti-imperialista, em nenhum momento os países capitalistas dominantes deixaram de arremeter contra os povos. Utilizaram todos os meios possíveis, a fim de derrotar os países socialistas, promovendo a contrarrevolução. Por fim, obtiveram uma enorme vitória com a dissolução da URSS e o desaparecimento dos regimes socialistas do Leste Europeu, que foram corroídos e destruídos graças a atividade de sabotagem levada a cabo pelos revisionistas que dirigiam os partidos comunistas de tais países. O mundo entraria num novo período de luta imperialista pela partilha do mundo. Os países africanos que haviam conquistado a independência caíram nas garras do neocolonialismo e o imperialismo também recrudesceu a sua ofensiva contra a América Latina e até mesmo contra a Rússia após a dissolução da URSS.

É bom lembrarmos que os países da América Latina, com exceção honrosa de Cuba, jamais obtiveram uma genuína independência nacional, ainda que já não fossem mais colônias, como era o caso dos países africanos. Depois do surgimento do imperialismo, os países latino-americanos foram submetidas ao domínio dos monopólios imperialistas e perderam suas precárias independências nacionais. O domínio do imperialismo deformou o desenvolvimento dos países dependentes, inviabilizando o surgimento de um “capitalismo autônomo”. O imperialismo norte-americano, a partir de 1930, intensifica sua atuação no Brasil; passou a controlar – e controla até hoje – os principais ramos da economia do país. Mesmo que ainda existam alguns setores que estão livres do seu controle total, dado o caráter reacionário e pró-imperialista do Estado e das classes dominantes, assim como a influência do neoliberalismo, manifesta-se a tendência de, pouco a pouco, tais setores serem definitivamente controlados pelos monopólios imperialistas. Em termos gerais, mesmo que em período recente o país tenha vivido experiências de governo que tentaram romper com esta tendência, o Brasil segue sendo um país dependente do imperialismo.

Algumas concepções equivocadas sobre o imperialismo

Existe uma concepção equivocada bastante em voga sobre o imperialismo, que o identifica como algo diferente do capitalismo. O imperialismo seriam um sistema “novo” que deturpa as bases do “capitalismo verdadeiro” colocando a economia a serviço dos bancos e dos empresários e promovendo guerras. É verdade que essas também são características do imperialismo, mas não podemos de modo nenhum afirmar que o imperialismo é algo diferente do capitalismo. Todos os fenômenos nefastos que se manifestam em nossos dias e dão origem às crises econômicas, guerras, etc., são consequências do próprio desenvolvimento do sistema capitalista. As forças que defendem tais concepções geralmente costumam enganar as pessoas alardeando sobre a possibilidade de se construir um “capitalismo humanizado” ou um “capitalismo popular”. No momento atual, um partido que representa bem tal tendência é o PODEMOS da Espanha. No Brasil, também existem e atuam forças políticas de esquerda que defendem concepções semelhantes


Do lado oposto, existem aquelas concepções equivocadas que negam reconhecer que o principal representante do imperialismo em nossa época é o imperialismo norte-americano. Utilizarei um maior espaço do texto para tratar sobre esse tipo de desvio. Os partidos que defendem essa concepção argumentam que o imperialismo é um sistema mundial – afirmação que não está errada – mas chegam à conclusão de que todos os países são imperialistas, já que eles formam parte da “pirâmide imperialista”. A cadeia mundial do imperialismo, que inevitavelmente engendra a existência de nações opressoras e oprimidas, é interpretada como apenas uma oposição entre “capitalismos fortes” e “capitalismos fracos”. Entre os que defendem tal concepção estão os camaradas do Partido Comunista da Grécia (KKE). O KKE é um partido de combativas tradições revolucionárias, que mesmo após a contrarrevolução que derrubou os países socialistas, continuou afirmando o marxismo-leninismo. É um dos maiores Partidos Comunistas da Europa e uma das únicas organizações comunistas europeias que jogam papel de destaque no país em que atua. Ainda que não seja a única organização comunista e marxista-leninista na Grécia, certamente é a maior e a mais significativa.

Tomemos como ponto de partida para nossa análise o texto A abordagem leninista do KKE ao imperialismo e à pirâmide imperialista [1], publicado na página oficial do partido. O KKE elabora uma crítica às utilizações equivocadas do termo “imperialismo” por algumas organizações oportunistas de direita da social-democracia europeia. Chama atenção para a capacidade desses partidos alimentarem ilusões entre os trabalhadores e demais conjuntos das massas populares. Até aí, tudo bem. O problema começa quando o KKE busca criticar as concepções que guiam tais partidos. As conclusões a que chega o KKE são quase totalmente falsas. Digo quase totalmente falsas porque existem algumas afirmações gerais feitas pelos comunistas gregos que são corretas. Para o KKE o oportunismo, ao repetir posições ultrapassadas, “identifica o imperialismo como agressão militar a outro país, com a política de intervenções militares, bloqueios, com o esforço de reavivar a antiga política colonial”. É verdade que reduzir o imperialismo a estas posições é algo demasiado unilateral, o que pode engendrar certos equívocos. Porém, a crítica do KKE é extremamente superficial, já que o partido esquece de apontar que o oposto também é verdadeiro, ou seja, deixar de reconhecer que as guerras de agressão são intrínsecas ao imperialismo também constitui uma posição oportunista. O KKE critica os partidos oportunistas que consideram a Alemanha um perigo, ao passo que rotulam a administração Obama como “progressista”. O KKE acerta em apontar isso, mas o partido volta a cair no erro quando desconsidera que nos últimos anos as potências imperialistas aprofundaram o controle sobre a Grécia. Segundo o KKE:

“A troika dos representantes da UE, BCE e o FMI, que supervisiona e determina a gestão da dívida interna e externa e os défices fiscais, é vista como o principal inimigo, além da própria Alemanha. Acusam a classe burguesa do país e os partidos de governo de serem traidores, não patriotas, subordinados e subservientes à Alemanha, aos credores e aos banqueiros. Claro que agora que o SYRIZA, como a nova força social-democrata, tomou o governo, não existe qualquer problema em negociar coma troika, a Alemanha e assinar novos acordos antipopulares.”

O problema com a concepção exposta acima não está em condenar a social-democracia do SYRIZA, mas sim nos argumentos utilizados para condenar a organização reformista. Ora, é evidente que a troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) supervisiona e determina a gestão das dívidas. Também é evidente que a grande burguesia grega, aliada do imperialismo, bem como seus partidos, são traidores, não são patriotas e são subserviente à Alemanha, aos credores e aos banqueiros. As forças consequentes do Movimento Comunista Internacional reconhecem há muito tempo que a burguesia jogou fora a bandeira da independência e da soberania nacional. Stálin falou sobre isso no seu célebre discurso ao XIX Congresso do PCUS já no distante ano de 1952:

Antes, a burguesia julgava-se líder das nações, cujos direitos e independência defendia e colocava “acima de tudo”. Hoje não resta um vestígio sequer desse “princípio nacional”: a burguesia vende por dólares os direitos e a independência das nações. A bandeira da independência e da soberania nacional foi jogada fora. Não há dúvida de que cabe a vocês, representantes dos partidos comunistas e democráticos, recolhê-la e conduzi-la adiante, se vocês querem figurar como os patriotas de seus países e tornar-se a força dirigente das nações. Não há mais ninguém que possa fazê-lo. (Discurso na Sessão de Encerramento do XIX Congresso do PCUS, 1952)

Resolveram os camaradas do KKE flertar com o trotskismo depois de 97 anos de existência? Negar a questão nacional não ajudará o KKE a combater os partidos oportunistas. Não é porque os revisionistas manipulam entorno deste conceito, que necessariamente ele esteja equivocado. Nos países que sofrem de maneira mais intensa a pressão do imperialismo a questão nacional é algo totalmente presente, sendo uma importante bandeira a ser levantada pelo partido do proletariado.

O problema do SYRIZA não está em fazer o reconhecimento desses conceitos – reconhecimento formal, diga-se de passagem – mas sim em aceitar ser um mero administrador da ordem burguesa, que nas condições gregas, inevitavelmente, será uma ordem edificada para que as coisas sejam exatamente do jeito que elas são atualmente, ou seja, para que o imperialismo continue mandando e desmandando no país. Como força pequeno-burguesa, o SYRIZA não faz nenhuma crítica ao Estado burguês grego e semeou a ilusão de que seria possível romper com a condição de dependência da Grécia por meios eleitorais e ordeiros, respeitando as normas da União Europeia, sem uma verdadeira revolução democrática e popular dirigida pelo proletariado grego junto aos seus aliados fundamentais. Para o SYRIZA bastaria chegar à gerência do Estado burguês para que as coisas se acertassem. Infelizmente as coisas não são tão simples como pensam esses incorrigíveis reformistas. Tais são as críticas corretas que devem ser feitas ao SYRIZA.

O KKE continua sua análise falando sobre as forças que utilizam “arbitrariamente” a correta tese leninista de que no imperialismo um pequeno número de Estados pilha uma grande maioria de Estados pelo mundo. Segundo os comunistas gregos, esta “arbitrária” interpretação faria com que tais forças identificassem o imperialismo como um número reduzido de países, enquanto todos os outros são subordinados, oprimidos, colônias, etc. Na verdade, o reconhecimento dessa correta tese leninista tem como consequência a identificação do imperialismo como um sistema mundial onde existem países opressores, dominantes e países dependentes. O número de países dependentes e imperialistas pode alterar de acordo com o desenvolvimento da luta de classes em nível mundial, mas no fundamental é exatamente assim que as coisas se apresentam. Os países que são “vítimas dos Estados capitalistas poderosos” (termos usados pelo KKE) são precisamente os países dependentes, ao passo que os países que não são vítimas desses Estados são os países que conseguiram sustentar algum tipo de posição soberana.

Os comunistas gregos continuam o seu artigo argumentando que as forças oportunistas apresentam o Brasil e a Argentina como países que são um exemplo positivo para a superação da crise. Ora, qualquer estudo do estado geral da economia desses países, principalmente do Brasil, facilmente constataria que ambos são países dependentes do imperialismo. Se os oportunistas, na Grécia ou em qualquer outro lugar, utilizam-nos como exemplo, apenas demonstra que eles propõem para os seus povos a continuação da dominação imperialista. De novo o KKE erra na argumentação utilizada para criticar as forças oportunistas. O KKE poderia muito bem apontar para esse erro fundamental dos oportunistas, ao mesmo tempo que demonstra sua solidariedade ao povo dessas duas nações latino-americanas que há anos sofrem com o domínio imperialista.

Esse grave erro existe porque, dá mesma maneira que os oportunistas de direita da social-democracia, o KKE também acredita que os países da América Latina são países que já superaram sua condição de dependência do imperialismo, porém, ao contrário do que apregoam os partidos revisionistas, para os comunistas gregos essas nações já teriam atingido a etapa do desenvolvimento imperialista. O KKE chega a colocar no mesmo barco blocos econômicos regionais como UNASUL, ALBA e a União Europeia, ainda que reconheça que os países capitalistas que formam a última sejam mais “fortes”. 

É de conhecimento comum que a partir de meados da década de 90, com a eleição de Hugo Chávez como presidente da Venezuela, diversos países da América Latina começaram a eleger líderes de partidos e organizações do campo democrático e popular, em um fenômeno político e social que se desenvolveu como resultado de várias lutas antineoliberais que estavam sendo conduzidas no continente. Países como Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, etc., passaram a ter governos que, em níveis de radicalidade e transformações distintas, expressavam de maneira contraditória as demandas progressistas das massas populares da região. O KKE, ao denunciar o caráter socialdemocrata e reformista de muitas forças políticas que dirigem essas transformações, perde a mão e passa a condenar em bloco todo o movimento de caráter objetivamente transformador e progressista que acompanhou e ainda acompanha as lutas que são travadas por diversos tipos de organização de esquerda na América Latina, em seus diversos níveis de profundidade e radicalidade. Mais do que isso, para o KKE, os países latino-americanos, ao reforçarem iniciativas de coordenação mútua, estariam conformando um novo bloco econômico imperialista, de modo que seria errado que os comunistas tentassem disputar e influenciar os rumos das transformações progressistas iniciadas pelos governos progressistas. 

Para justificar tal posição, o KKE coloca adiante sua concepção de “pirâmide imperialista”. A concepção da “pirâmide imperialista”, da maneira como ela é apresentada pelo KKE, é uma concepção falsa, que está em contradição com o leninismo. Como já foi afirmado, ela nega o fato fundamental de que na cadeia mundial do imperialismo existem nações opressoras e nações oprimidas, bem como na prática acaba generalizando todos os países como imperialistas (já que fazem parte do sistema mundial do imperialismo) sustentando que as contradições seriam apenas entre os Estados capitalistas “fortes e fracos”. O KKE afirma que os países capitalistas fortes dividiram não apenas as colônias, mas também os países não colonizados, ocultando o fato fundamental que, a partir do momento que esses países foram divididos entre os países capitalistas fortes (países imperialistas) também eles se converteram em nações dependentes. E é justamente pelo fato de serem países profundamente dependentes, oprimidos, que o seu capitalismo é “fraco” se comparado ao capitalismo dos países imperialistas; para não falarmos que a esmagadora maioria dos países dependentes, especialmente na América Latina, África e Ásia, ainda convivem com fortes resquícios de modos de produção anteriores ao capitalismo.

Como afirmava Lênin, sob o imperialismo a divisão das nações entre opressoras e oprimidas é algo inevitável. Para finalizar, sabemos que no mundo os fenômenos avançam e se transformam constantemente. Um país, que hoje é independente, amanhã pode se converter num país oprimido pelo imperialismo, da mesma maneira que um país oprimido pelo imperialismo, ao realizar a revolução democrática nacional anti-imperialista, pode se converter em um país independente e até mesmo avançar para o socialismo. Os camaradas do KKE cometem grave erro ao adotarem certas concepções que, igualmente às concepções oportunistas tanto criticadas, são diametralmente opostas a teoria imperialista do leninismo.

(*) Gabriel Martinez é cientista político , desenvolve estudos de pós-graduação na China

Publicado originalmente na Revista Nova Cultura, Nº5, em julho de 2015. A versão atual contém modificações e atualização de conteúdo

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