Opinião

A Longa Marcha: feito decisivo para a construção da Nova China

21/10/2016

Nesse outubro de 2016, os líderes chineses têm comemorado com diferentes atividades o 80º Aniversário do fim da Longa Marcha (1934-1936), acontecimento épico que marcaria para sempre o destino do Partido Comunista da China (PCC) e, sob o seu comando, o destino do próprio país.

Por José Medeiros da Silva*

A Longa Marcha não apenas salvou o PCC do aniquilamento, mas, sobretudo, forjou um novo Exército Vermelho que proporcionou ao Partido um novo comando, uma nova estratégia e uma nova força. Isso foi decisivo para a concretização de três grandes feitos históricos no final da primeira metade do século XX: a expulsão dos invasores japoneses, a unificação da nação e proclamação, no dia 1º de outubro de 1949, da República Popular da China.

Quem mora na China costuma ouvir uma música bastante popular que ecoa o seguinte refrão: “Se não houvesse o Partido Comunista então não teríamos a Nova China” (Méiyǒu Gòngchǎndǎng jiù méiyǒu Xīn Zhōngguó). Essa canção patriótica, conhecida por quase todos os chineses, foi composta em 1943 por Cao Huoxing, um jovem de apenas 19 anos. Não há dúvida de que para se compreender a China atual, sua força e seus desafios internos e externos, é essencial um conhecimento sobre o papel dirigente do PCC ao longo desse mais recente ciclo histórico do desenvolvimento civilizacional chinês. Nesse sentido, a Longa Marcha é um divisor de água na história do Partido.

No final do século XIX e início do século XX a China passava por um dos seus mais difíceis momentos. A dinastia Qing já não assegurava mais a unidade do império e sua fragmentação era evidente. Dessa vez, a China estava ameaçada não mais pelas “nações do Norte”, seus vizinhos tradicionais, mas por outras nações de ultramar, sendo a Inglaterra a principal. A ação inglesa, principalmente depois da conhecida Guerra do Ópio, desestabilizava e ruía o poder imperial. Sua queda era eminente, como bem assinalou Karl Marx em artigo publicado no New York Daily Tribune em 14 de julho de 1853. Dizia ele: “a dissolução da velha China é tão certa como a de uma múmia cuidadosamente conservada num sarcófago hermeticamente fechado e que se expõe ao ar”.

Como se sabe, o fim da dinastia Qing foi oficialmente decretada com a instauração da República da China no dia 1º de janeiro de 1912. A mudança de sistema não resolveu de imediato os principais problemas chineses daquele tempo, que eram o da fragmentação interna do poder e uma ocupação territorial crescente por nações externas. E as forças internas que lutaram pelo fim da dinastia Qing não foram capazes de se unir contra essas duas grandes ameaças. Sun Yat-sen, o principal líder desse período da história chinesa, tinha clareza sobre os desafios históricos que vivia seu país.

Em uma de suas famosas “Conferências” escrita em 1924 ele dizia: “Nós somos o Estado mais pobre e fraco do mundo, ocupando o lugar mais baixo nos negócios internacionais; o resto da humanidade é a faca que corta e o prato a ser servido, enquanto nós somos o peixe e a carne. Nossa posição agora é extremamente perigosa; se nós não promovermos seriamente o nacionalismo e mantivermos juntos nossos quatrocentos milhões de chineses numa nação poderosa, estamos diante de uma tragédia: a perda de nosso país e a destruição de nossa raça”.

É diante dos desafios desse quadro histórico de uma China em decomposição que se pode melhor dimensionar o feito histórico alcançado atualmente pelo povo chinês, sob a liderança do PCC.

A Longa Marcha foi o início dessa grande virada. Seu início é resultado de uma situação histórica adversa, gerada pelo agravamento dos conflitos internos e a intensificação da guerra civil chinesa. Nem mesmo a invasão da Manchúria pelos japoneses em 1931 foi capaz de demover o Kuomintang (Partido Nacionalista da China, que dirigia a China), da sua determinação de priorizar o enfretamento interno, o que significava a necessidade de se aniquilar o PCC.

Diante desse quadro, se pode compreender as campanhas do Kuomitang contra as áreas controladas pelo PCC, concentradas basicamente na província de Jiangxi. Por isso, e pela disparidade de forças, o soviete chinês, a primeira grande experiência de governo comunista na China, cujo núcleo central ficava na cidade Ruijin, não teve mais como resistir.

A única saída era se afastar ainda mais. Assim, em outubro de 1934, são dados os primeiros passos do que viria a se transformar em umas das maiores façanhas do Partido. Ainda no início dessa retirada, um acontecimento histórico foi decisivo: a Reunião de Zunyi (Guizhou). Depois dessa reunião passa a predominar no Partido uma nova linha política, defendida principalmente por Mao Zedong. Esses foram momentos decisivos que moldaram a caminhada chinesa posterior, conforme a conhecemos atualmente.

Mais de 12 mil quilômetros trilhados a pé e em lombo de animais. O desafio de atravessar rios e montanhas. Frio e fome. Doenças, combates e mortes (milhares), “mais do que prometia a força humana” (diria Camões)…

Tudo isso é grande, mas o mais grandioso e impressionante foi e é a força coletiva que moveu tudo isso. Não casual, o presidente chinês tem evocado a necessidade dessa grande força para o enfrentar os desafios do que ele considera como a nova Grande Marcha do seu país: “a construção, até 2021, de uma sociedade ‘modestamente acomodada’ e o sonho chinês de rejuvenescimento da nação, até 2049”. A nação chinesa agora está verdadeiramente de pé, diria Mao Zedong, mas seus desafios continuam grandes e cada vez mais complexos. Isso é a China.

* Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou, e pesquisador convidado do Instituto Internacional de Macau

* Fonte: Agência Xinhua

Compartilhe: