Opinião

A intentona golpista foi derrotada na Bolívia, mas o perigo persiste 

27/06/2024

A intentona fracassou graças à posição firme do presidente legítimo do Estado Plurinacional, à mobilização das massas populares e à atitude legalista da maioria das Forças Armadas 

Por José Reinaldo Carvalho (*) – Desde o momento em que, no dia 24 de junho, quando o ex-comandante do Exército, general Juan José Zúñiga, em uma entrevista televisiva, ameaçou de prisão o ex-presidente Evo Morales, até o final da tarde do dia 26, quando sua intentona golpista fracassou e ele foi preso por ordem do presidente legítimo Luís Arce, a Bolívia viveu mais um sobressalto, que se acrescenta à longa lista de golpes e intentonas golpistas de sua história de nação independente bicentenária. De imediato, a tentativa de golpe abalou o conjunto da América Latina e colocou em alerta as principais lideranças progressistas da região: os presidentes Lula, Díaz Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela), Gustavo Petro (Colômbia) e Daniel Ortega (Nicarágua), entre muitas outras lideranças de partidos políticos e movimentos sociais da região. 

A intentona fracassou, graças à posição firme do presidente legítimo do Estado Plurinacional, à mobilização das massas populares e à atitude legalista da maioria das Forças Armadas nacionais, que se mantiveram obedientes à Constituição do País e à sua autoridade máxima, o presidente da República.

Através de uma mensagem ao povo boliviano, Luis Arce, seus ministros e representantes das organizações sociais convocaram mobilizações a partir da Casa Grande do Povo para impedir o levante e defender a democracia. A resposta popular foi rápida e maciça. 

A intentona golpista na Bolívia, liderada pelo general Juan José Zúñiga, foi uma ação alarmante que pode fragilizar ainda mais a estabilidade democrática na América Latina e agravar as ameaças que pairam sobre a soberania nacional e popular. A rápida mobilização do povo boliviano em defesa do governo democraticamente eleito do presidente Luis Arce demonstra a importância e a força das massas populares na proteção das instituições democráticas e das conquistas revolucionárias.

Isto é ainda mais marcante em um momento em que o mundo enfrenta uma ascensão de forças de extrema direita, o que torna ainda mais imperativa a defesa da democracia na Bolívia e em toda a América Latina, a par com a defesa da soberania nacional e dos direitos do povo, porque a democracia não deve ser defendida apenas nos seus aspectos formais e na sua feição liberal.  A Bolívia, com sua rica história de lutas sociais e conquistas democráticas, populares e nacionais não pode permitir que sua soberania seja comprometida por forças retrógradas e pró-imperialistas. 

É cedo ainda para tirar todas as conclusões sobre o que ocorreu na Bolívia nos últimos dias, mas é óbvio que não se trata de uma instabilidade episódica, superficial e apenas ligada a escaramuças internas entre diferentes facções políticas. Há um contexto global e ameaças à soberania nacional que não podem ser ignorados. A Bolívia possui as maiores reservas mundiais de lítio, um recurso estratégico essencial para a produção de baterias e tecnologia verde, fundamentais para a transição energética global. A tentativa de golpe não pode ser vista isoladamente, mas deve ser contextualizada dentro do cenário geopolítico atual, onde interesses internacionais tentam influenciar as políticas nacionais para assegurar o controle sobre esses recursos vitais. Por isso, é necessário enfatizar que a intentona de 26 de junho fracassou, mas os perigos de novas ações golpistas persistem.

As avançadas negociações do governo Arce com a China e a Rússia para a exploração e desenvolvimento das reservas de lítio são passos importantes para garantir que os recursos bolivianos sejam utilizados para o benefício do povo. A recente declaração de Arce sobre a intenção de ingressar no Brics reforça ainda mais essa estratégia de diversificação de parcerias internacionais, buscando uma ordem mundial multipolar que diminua a hegemonia dos Estados Unidos.

O Brics representa uma coalizão de países emergentes que desafia a predominância histórica dos Estados Unidos e seus aliados. Tornou-se objetivamente um dos pilares em que se assenta o mundo multipolar como realidade incontornável. A entrada da Bolívia nesse grupo não apenas poderá fortalecer sua posição geopolítica, mas também sinalizará um movimento mais amplo de nações que buscam maior autonomia e independência econômica.

Arce, ao declarar que o Brics representa uma perda de hegemonia para os Estados Unidos, ecoa um sentimento crescente entre muitos países da América Latina e do mundo. É uma opinião corrente no Sul Global. Esse realinhamento geopolítico é fundamental para garantir que as nações possam desenvolver suas economias e sociedades de maneira soberana, sem a interferência de potências imperialistas. 

A luta pela democracia não se limita às fronteiras nacionais, é uma batalha que requer cooperação e solidariedade mútua entre os países da região e além. Outrossim, a luta democrática não terá êxito desvinculada da luta anti-imperialista e pela consolidação do mundo multipolar. A vigilância democrática e patriótica do povo boliviano faz parte dessa luta.

(*) JOrnalista, editor do Resistência, membro do Comitê Central do PCdoB e de sua Comissão Política Naconal, onde coordena o setor de solidariedade e paz. É presidente do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz

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